TSE não aprendeu que é possível contar mentiras dizendo só a verdade
UOL - 10/6/2022 - [gif]
Autor: Madeleine Lacsko
Assunto: Legislação ligada à Internet
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) acaba de criar uma assessoria permanente para enfrentar a desinformação. Pode ser uma notícia excelente, resta saber se a Corte finalmente entenderá contra o que está lutando.
As autoridades brasileiras estão presas a dois erros no enfrentamento das "fake news". O primeiro é classificar como mentiras e o segundo é imaginar que as soluções estão exclusivamente no ambiente digital. Corremos contra o relógio. A pesquisa Datafolha de 27 de maio mostra que 55% do eleitorado acredita na possibilidade de fraude nas próximas eleições.
A desconfiança nas urnas eletrônicas não é mais exclusividade da bolha bolsonarista, onde circulam as teorias conspiratórias. Até entre os lulistas, há um percentual significativo de desconfiança.... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/madeleine-lacsko/2022/06/10/tse-nao-aprendeu-que-e-possivel-contar-mentiras-dizendo-so-a-verdade.htm?cmpid=copiaecola
A desconfiança nas urnas eletrônicas não é mais exclusividade da bolha bolsonarista, onde circulam as teorias conspiratórias. Até entre os lulistas, há um percentual significativo de desconfiança.O Democracy Report 2022, feito pela Universidade de Gotemburgo, na Suécia, mostra que retrocedemos 30 anos de avanços democráticos.
"Essa onda crescente de autocratização em todo o mundo destaca a necessidade de novas iniciativas para defender a democracia. Em 2021, surgiram várias iniciativas dessas, tanto na cúpula do poder quanto por uma infinidade de iniciativas importantes enraizadas na sociedade civil em todo o mundo. Mas o engajamento para proteger e promover a democracia deve ser construído sobre ciência para que seja eficaz", alerta o estudo (grifo meu).
Boas intenções e boa vontade não são suficientes. É necessário ciência e eficiência para combater os efeitos da desinformação. Na elaboração da lei das "fake news", a Câmara dos Deputados ouviu o "pai" da Internet no Brasil, Demi Getschko, diretor do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BB), integrante de notório saber do CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil) e primeiro brasileiro a entrar para o Hall da Fama mundial da Internet.
"A internet possibilitou uma visão da sociedade, é um espelho da sociedade. Vimos com mais clareza ações humanas que antes talvez fossem menos visíveis. Se olha para esse espelho e não gosta, quebrar o espelho não resolve. Qualquer nova abordagem legislativa na área deve verificar o que está quebrado e o que é passível de consertar. Digo isso porque em geral as ferramentas de conserto que temos são anteriores ao mundo digital e não levam em conta algumas características da internet.", alertou Demi Getschko em vão.
No ano passado, o Código Eleitoral ganhou uma redação que supostamente criminaliza "fake news", mas é um desafio à lógica. "Divulgar (....) fatos que sabemos inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado" é crime eleitoral."
Parece claro mas não é. Ou são fatos ou são inverídicos. Dizer que algo é opinião seria um passe livre para inverdades? Como provar que a pessoa sabia da inverdade? Por último, como comprovar a influência sobre o eleitorado?
É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade. A frase excelente não é minha. Um leitor lembrou da propaganda em parceria entre a Folha de São Paulo e a W/Brasil em 1987. Vem da era analógica a definição mais precisa sobre desinformação.
"Este homem pegou uma nação destruída. Recuperou sua economia e devolveu o orgulho a seu povo. Em seus quatro primeiros anos de governo, o número de desempregados caiu de 6 milhões para 900 mil pessoas. Este homem fez o produto interno bruto crescer 102% e a renda per capita dobrar. Aumentou os lucros das empresas de 175 milhões para 5 bilhões de marcos. E reduziu uma hiperinflação a, no máximo, 25% ao ano. Este homem adorava música e pintura. E quando jovem imaginava seguir a carreira artística", diz a narração.
Neste momento fica nítida a imagem do homem de quem se fala. É Adolf Hitler. O narrador diz a frase que precisamos transformar em mantra: "É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade".
Um dos maiores talentos e prazeres do cérebro humano é enxergar padrões. Enxergamos até onde não existem. Escolher quais fatos divulgar e quais omitir é um instrumento poderosíssimo de desinformação.
Agora a bola está com o TSE. Resta saber se teremos mais do mesmo ou se haverá recursos e vontade para enfrentar a crise de confiança na imprensa e nas instituições.