TikTok é o novo Google da Geração Z. Entenda qual impacto na formação de jovens
Estadão (E+) - 23/2/2024 - [gif]
Autor: Carolina Delboni
Assunto: TIC Kids Online Brasil
Mais da metade dos jovens prefere buscar informação nas redes sociais por conta do formato de vídeos curtinhos e da possibilidade de personalizar a busca de assuntos de seu interesse. Agora qual impacto da mudança na formação dessa geração?
Um levantamento realizado pela empresa Her Campus Media, em 2023, indicou que o TikTok é o mecanismo de busca favorito de mais da metade da Geração Z, sendo uma das redes sociais responsáveis por influenciar diretamente os jovens nas decisões de compra, mais do que qualquer outra plataforma. E, apesar do Google ser o líder nas buscas globais (83,5%), a empresa já reconhece o favoritismo do TikTok, que mesmo não sendo exatamente um buscador, é visto como um concorrente à altura.
Se levarmos em conta que a Geração Z é tida como os primeiros nativos digitais, nasceram e cresceram com a existência dos smartphones e tablets, o resultando do estudo é um reflexo de uma mudança social e cultural. Dados da TIC Kids Online Brasil 2023 revelam que 63% das crianças e adolescentes têm acesso ao TikTok. Outro relatório da Reuters Institute Digital News indica que 1 em cada 5 jovens, entre 18 e 24 anos, busca informações apenas pelo TikTok. E aí entra uma reflexão: até que ponto o consumo de informação por meio do TikTok afeta o desenvolvimento cognitivo e as habilidades de aprendizado destas crianças e adolescentes?
A educadora Mariana Ochs, coordenadora do EducaMidia, pondera que é importante fazer uma análise do comportamento atual. Na sua visão, os jovens não estão apenas fazendo pesquisas, mas também se relacionando e se divertindo. "Isso por si só não é problemático. O problema diz respeito a algumas características do design dessas plataformas e ambientes que fazem com que os adolescentes percam o controle sobre a intensidade e a quantidade de tempo de interação, além da qualidade do que eles encontram lá," diz.
Mecanismos como a rolagem infinita são exemplos de ferramentas que levam adolescentes e crianças a passarem horas na tela sem nem mais saber o que estão vendo e porque continuam ali. Em 2020, em uma entrevista concedida à BBC News Mundo, Matthew Brennan, escritor e especialista do setor de internet na China, afirmou que o TikTok foi criado para ser viciante. Autor do livro Attention Factory (Fábrica de Atenção), Brennan diz que os executivos e engenheiros por trás do aplicativo sabiam como transformar o recurso de vídeo curto em algo viciante.
Para se ter uma ideia, atualmente o TikTok, é uma das maiores empresas de internet da China, empregando milhares de pessoas. "Se o TikTok cresceu tão rápido é devido à experiência e inteligência de seus engenheiros," conta o pesquisador americano.
Mas qual o problema real dos vídeos curtos? Sabemos que o formato deles traz uma dose rápida de dopamina, que é uma recompensa do cérebro, ou seja, uma sensação de prazer que rapidamente passa e, que na mesma velocidade, traz outros e outros conteúdos para recompensar. E assim estabelece-se um looping. Mariana afirma que, ao mesmo tempo, em que isso vicia, afasta o usuário de atividades em que ele tenha que fazer mais esforço como, por exemplo, absorver um conteúdo mais denso.
Para ela, o vício pela recompensa rápida no consumo de conteúdos curtos pode acarretar dificuldades de manter uma atenção mais sustentada, por exemplo, em uma leitura mais longa ou de aceitar outras formas de entretenimento que não oferecem essa sensação de prazer tão rápido. "Tem um dado interessante no artigo da Fast Company em que eles dizem que até o tempo de duração dos trending topics vem diminuindo, o que significa que a população em geral vai ficando entediada de um assunto e passa para outro cada vez mais rápido."
A pesquisa Modern Movements Trends do escritório Reddit Attest, de 2023, alega que cerca de 64% das pessoas sentem o ritmo da cultura se acelerando. Parece impossível de acompanhar, ou seja, as "tendências" são, por definição, fugazes. E quase 75% das pessoas acreditam que os algoritmos podem fazer qualquer conteúdo viralizar. Nesse sentido, a velocidade da informação é o que está em jogo. Logo, confunde-se velocidade com novidade.
Outra questão apontada pela gestora do EducaMídia é a qualidade da informação, principalmente, quando os jovens e adolescentes usam as redes sociais para fazer trabalhos escolares, demasiadamente. "Eles preferem fazer pelas redes sociais que ir ao Google, por exemplo, ou em outro buscador. Isso quer dizer que eles estão se afastando dos chamados sistemas peritos, um termo descrito pelo sociólogo Anthony Giddens, nos anos 90," explica.
Isso que significa que, em vez de buscar informações tecnicamente comprovadas, eles estão indo para um ambiente onde a autoridade vem da popularidade de alguém e da validação do coletivo. Isso, lógico, independe totalmente da qualidade da informação, então ali os jovens estão sujeitos a informações imprecisas, falsas e até mesmo perigosas.
"Essa quantidade de desinformação que circula, não só no TikTok, mas em qualquer ambiente online, é fruto do fato da democratização ao acesso à publicação, em que qualquer pessoa pode colocar qualquer coisa. E isso aponta uma necessidade crítica que é o de capacitar a população, não só os jovens, mas todo mundo, a se relacionar de maneira mais intencional e consciente", pondera.
Para Mariana, os componentes de uma educação midiática precisam existir e serem trabalhados em todos os anos da escolarização, para haver justamente uma população capaz de olhar de maneira crítica para o ambiente informacional. "Precisa aprender a identificar a autoria, a procedência, a intenção, exercendo um olhar para o contexto mais amplo. Então, verificar se tem fonte, evidências, se alguma coisa foi manipulada ou se está fora do contexto, identificar as estratégias usadas pelos autores de determinadas mensagens e imagens, como imagens chocantes ou linguagem apelativa. Identificar se aquilo é uma peça feita para manipular as nossas emoções, para nos mobilizar e alterar os nossos comportamentos ou influenciar as nossas ideias", ensina.
Neste sentido, os pais podem ser agentes de transformação, ensinando seus filhos a reconhecerem o funcionamento desses mecanismos, mas sem criticá-los. Abra a conversa, puxe assunto, fale de vídeos que você assistiu e depois descobriu que era fakenews, compartilhe sua experiência e sua vulnerabilidade como usuário digital para que seu filho ou filha se sinta confortável e confiante em também dividir suas inseguranças em relação ao que vê.
Superado os desafios, levanto outra reflexão. Se entendermos a informação como algo móvel e dinâmico, é positivo pensarmos que esta geração tem a possibilidade de escutar dos seus pares e pessoas que eles admiram, informações e/ ou curiosidades. Na década de 70 e 80 era impossível se imaginar "conversando" com sua atriz ou ator favorito, por exemplo. Adolescentes e jovens só tinham acesso ao universo de seus fãs através das revistas. Hoje, a Geração Z tem referências e pessoas que eles admiram a um alcance muito mais democrático e isso tem seu valor - e eu não vou julgar a escolha e nem o mérito da "pessoa referência".
O que estou querendo dizer aqui é que sim, precisamos entender a importância da educação midiática como algo fundamental para o tempo de hoje, e não só para crianças e adolescentes como para adultos. Mas reconhecer as mudanças deste mesmo tempo é fundamental para lidar com elas. Apenas criticar ou esvaziar a - e as - escolha da Geração Z não nos capacita ou habilita a dialogar com eles e poder contribuir para sua formação.