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01 MAR 2000

"Queremos a internet saneada"






Arquivo do Clipping 2000

Veículo: Jornal do Brasil
Data: 01/03/2000
Assunto: Internet
Entrevista: Ivan Moura Campos

Rosane Serro

Ivan Moura Campos lidera um grupo de 12 homens que têm como missão pavimentar a supervia da informação no país, o que pode não ser fácil mas é, sem dúvida, estimulante. Como coordenador do Comitê Gestor de Internet no Brasil, ele participa do planejamento de ações como o Programa Brasileiro da Sociedade da Informação, um projeto criado por um decreto presidencial no ano passado para fomentar a difusão tecnológica e estudar o impacto social no mercado local. Nesta tarefa, Campos auxilia o seu colega no Comitê Gestor Tadao Takahashi mas divide o seu tempo com outros projetos envolvendo a grande rede. 

A necessidade de estabelecer regras mínimas de segurança que sejam seguidas pelos provedores, por exemplo, anda ocupando a sua agenda nos últimos dias, especialmente após as novas investidas dos hackers contra o site do UOL e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). "O Comitê Gestor adotou a postura de ouvir e discutir com os provedores, em vez de chegar como policial ou como touro em loja de louça", explica ele. As leis de oferta e demanda no mercado de acesso também tomam o tempo do coordenador, que afirma não ter "bola de cristal" para saber qual é a estratégia dos provedores gratuitos. Na sua opinião, eles estariam tentando garantir hoje a audiência de amanhã, quando provavelmente o conteúdo, e não o acesso, ditará a escolha do usuário. No resto do tempo, Ivan Moura Campos se dedica a dissertar sobre um dos assuntos que mais o entusiasma: a Internet 2, o consórcio internacional que vai viabilizar a megaestrutura da nova geração de serviços de Internet no meio acadêmico.

- Uma das atribuições do Comitê Gestor da Internet do Brasil é assegurar a competição justa e livre entre provedores de acesso no país. No seu entender, a competição entre os provedores gratuitos - capitalizados com recursos dos fundos de investimento e, de alguns casos, das operadoras e os provedores pagos, cujo sustento muitas vezes se baseia na receita de assinaturas, é justa?
- Em primeiro lugar, a sua afirmativa não é verdadeira, isso não faz parte da missão do Comitê Gestor.

- Isso está na primeira página do site, no link "Sobre o Comitê Gestor/Apresentação..."
- Nós vamos tirar isso do site. Isso está errado. Isso é um erro crasso. Estão me mostrando aqui... É mais grave ainda. Essa missão está na portaria que criou o Comitê Gestor e que os dois ministros assinaram! (Risos). Isso reflete aquela época, quando em maio, de 1995, quando havia a possibilidade do único provedor comercial no Brasil ser a Embratel. Olha só o quanto caminhamos de lá para cá.

- Então pode-se dizer que a idéia inicial do Comitê Gestor gerenciar toda a
organização da Internet Brasil foi desvirtuada pelo próprio mercado?  
- É verdade. Isso representava a cabeça do órgão naquele momento da história da Internet no Brasil. É tudo muito mais desregulamentado hoje.  

- Voltando à primeira pergunta...
- A questão do acesso gratuito suscita três questões complementares. O primeiro é o suposto favorecimento de tarifa diferenciada entre as operadoras e os bancos. Isso é missão da Anatel. O segundo é a possibilidade do aspecto gratuito caracterizar uma prática desleal de comércio, o que é da alçada da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. E o terceiro diz respeito ao anonimato das transações, cuja solução técnica encontrada pela maioria dos provedores pode comprometer o aspecto da segurança.

- Então como atua o Comitê Gestor hoje?
- Na parte operacional, o CG é a autoridade no registro de nomes de domínio e na distribuição de endereços IP no Brasil.

- Então seria uma autoridade apenas administrativa?
- Não. Ele tem que zelar pelo crescimento da Internet em vários setores como os de padrões de segurança, engenharia etc. O Brasil hoje é o 13° país do mundo em número de servidores. E surpreendentemente não tivemos nenhuma crise por falta de recursos humanos.

- A Nova Economia se baseia no funcionamento de uma sociedade altamente informatizada. Como o Brasil vai se integrar a essa nova realidade se apenas 3% da população está conectada?
- Você tem razão, é assim mesmo mas, o país está se posicionando bem. Ontem, por exemplo, houve uma reunião, de coordenação do Programa Brasileiro da Sociedade da Informação - criado por um decreto da presidência da República no ano passado - que visa situar o país dentro da sociedade da informação.

Para isso, estamos determinando linhas de ação como o uso de tecnologias-chave, o aumento de infra-estrutura e a formação de uma política de recursos humanos. Isso não é uma coisa que se faça em gabinete. É um plano grande, da envergadura do Projeto Brasileiro de Qualidade e Produtividade, vamos consultar toda a comunidade.

- Que outro país do mundo criou sua Internet com base em programas desse tipo?
- Sempre há diferenças culturais que não podem ser aplicadas mas nós nos inspiramos muito nos documentos da União Européia, do Japão e de Portugal. Estamos todos muito entusiasmados, acho que vamos conseguir fazer uma articulação invejável no Brasil.

- Mas mesmo com esse programa, as desigualdades sociais do país não seriam um obstáculo para ele entrar na Nova Economia? Será que não estamos sendo atropelados pela globalização?
- Eu não vejo assim. Claro que temos um passivo a corrigir mas o país está se movimentando numa rapidez muito grande. Em termos de Internet, nós saímos praticamente do nada em 1995. Havia pouquíssimos endereços .com no país e as linhas telefônicas dificultavam o acesso. Hoje, aglutinamos um volume de investimentos em infra-estrutura por parte das operadoras gigantesco. Tanto que, saímos, em 1994, de 13 milhões de telefones fixos para 28 milhões no ano passado. A nossa meta em 2000 é chegar a 35 milhões de terminais. Na área de telefonia móvel está acontecendo uma explosão no serviço de celular.

Havia 800 mil terminais no Brasil no fim de 1994 e terminamos o ano de 99 com 15 milhões de unidades. A previsão é que a base instalada alcance o mesmo porte da rede fixa em 2003, ou seja, 50 milhões de celulares.  

- Os sites brasileiros - inclusive o da Anatel - têm sido, recentemente, alvo de ataques hackers, revelando uma vulnerabilidade ainda não percebida na Internet Brasil. Nesses cinco anos de uso comercial da rede no país, houve uma política estruturada de segurança?
- Não é bem fato. Esses ataques já existiam por razões externas em função do Yahoo!, da Amazon, do e-Bay. Por isso todo mundo prestou atenção. Mas esse é o nosso dia a dia, já que existem hackers aqui e lá fora. O Comitê Gestor aprovou, em agosto de 99, uma resolução com um conjunto de recomendações para o desenvolvimento e operação da Internet no Brasil. Se elas estivessem sendo adotadas por todo e qualquer provedor nesse país, minimizariam quase que totalmente os problemas mais triviais da área de segurança da rede.

- Então o problema são os provedores que não seguem essas regras básicas de segurança?
- Olha, não é bem isso, surgiram provedores novos e existem questões suscitadas por novas providências, como a questão do anonimato. Na minha opinião pessoal, os provedores gratuitos no mercado agora e nem o mercado estava preparado para eles. Acontece que os bancos entraram e alguns estavam ainda menos preparados do que outros para oferecer o serviço. Ninguém quer ter um site inseguro e ser um criador de problemas. Com o tempo, eles vão melhorar. O Comitê Gestor adotou a postura de ouvir e discutir com os provedores, em vez de chegar como policial ou como touro em loja de louça.

Estamos fazendo uma coisa que vai desembocar no que talvez seja um manual de procedimentos padrão, um certificado de qualidade do Comitê Gestor. É do interesse de todos que tenhamos uma Internet saneada, segura e com boa etiqueta por causa do comércio eletrônico, entre outras questões. Nós aprovamos esta semana a formação de um cadastro nacional de provedores - que vai ser opcional - para rastrear o acesso e conhecer todas essas portas de entrada de acesso à Internet. Isso é um progresso.

- O site de estatísticas NUA - Internet Survey fez um comentário dizendo que no Brasil está acontecendo "um cenário de competição não ortodoxa". A Internet está crescendo até mais depressa do que a maioria dos países em função da injeção maciça do capital dos fundos de investimento. Assim como esses recursos milionários estão vindo rapidamente para o mercado local, não existe a possibilidade de eles se retraírem em um momento de crise, promovendo uma quebradeira generalizada?
- Eu duvido. Mas não há no CG uma unanimidade sobre se esse modelo de negócios faz sentido ou não. Estamos observando o mercado porque ninguém tem bola de cristal para saber qual é a lógica, qual é a estratégia desse pessoal. Segundo a revista Tele Times News, esse pessoal conta com o fato de que em um futuro próximo a conexão por linha telefônica vai ser gratuito de qualquer jeito. Neste caso, eles estariam correndo para conquistar audiência e assim que puder, investir em conteúdo e cobrar por isso. Sem conteúdo nenhum provedor vai conseguir se manter no mercado. E eu não consigo conceber um negócio desse ser pago por banner.

- Que novas tecnologias estão sendo analisadas pelo Comitê Gestor para serem aplicadas no país?
- O que está tendo a maior cobertura - e merecida - é o projeto da Internet 2, um consórcio formado entre empresas americanas e centenas de universidades para fazer a próxima geração de serviços de Internet. Isso compreenderá banda muito larga para aplicações que necessitam de imagem colorida de altíssima resolução e segurança sendo enviada de um lugar para o outro, como é o caso da telemedicina e da educação a distância. Outra novidade é o novo protocolo da Internet, o IP versão 6, que vai embutir essas e outras características como multicasting.

- E no setor de telecomunicações?
- Estamos avaliando três novos serviços que vão incrementar barbaramente a capacidade de infra-estrutura do país: a TV digital, a Banda C e a tecnologia LMDS. No caso da TV digital, estamos fazendo testes para fazer a opção do padrão, monitorados pelo mundo inteiro que está interessado em saber se vamos adotar o padrão americano, europeu ou japonês. Por enquanto os dois últimos têm demonstrado melhor qualidade. Já no caso da Banda C, vamos decidir, até o início do próximo mês, que freqüência adotar. A terceira decisão é a regulamentação do LMDS (Local Multipoint Distribution Services), uma tecnologia de rede que permite prestar serviços de telefonia móvel, fixa e transmissão de televisão integrados em uma mesma plataforma.