Pais se preocupam com vício em telas de crianças e adolescentes: 'eles precisam ser ajudados'
CBN - 8/6/2024 - [gif]
Autor: Bruno Luiz e Isabella Oliveira
Assunto: Conectividade nas escolas
Lívia, de cinco anos, costuma usar o celular desde pequenininha. Começou como uma estratégia dos pais para entretê-la enquanto faziam as tarefas domésticas. Mas acabou virando hábito: todo dia, ela abre o YouTube e vê um vídeo atrás do outro.
A rotina, no entanto, começou a preocupar os pais. Não só pelo que a pequena vê no celular, mas, principalmente, pelas reações dela quando está sem o aparelho. É o que conta a mãe de Lívia, a fisioterapeuta Bruna Rosa:
Essa irritabilidade quando acaba a bateria do celular, quando a gente tira do celular porque acabou o horário (de usar o aparelho). Ou quando não pode pegar o celular naquele momento, ou não tem como pegar o celular naquele momento. Essa mudança de comportamento dela, de ficar mais estressada, mais agitada, a gente começou a perceber que talvez ela estivesse passando para um nível de vício em telas mesmo.
Conectados cada vez mais cedo
Pesquisas traduzem em números o problema que ela vive em casa. Levantamento de outubro do ano passado feito pelo Cetic.br, o centro de estudos ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, mostrou que crianças e adolescentes estão se conectando cada vez mais cedo ao mundo digital.
95% das pessoas entre nove e 17 anos acessam a internet - a grande maioria usa o celular para isso. 24% delas começam a usar a internet antes dos seis anos. Em 2015, esse percentual era de 11%.
88% da população brasileira entre nove e 17 anos afirmou manter perfis em plataformas digitais. Entre 15 e 17 anos, a proporção foi de 99%.
Mães querem banir celulares das salas de aula
Preocupadas com a situação, mães de escolas particulares de São Paulo lançaram um movimento para banir os celulares das escolas. A iniciativa defende que os filhos só recebam um smartphone depois dos 14 anos e tenham acesso a redes sociais apenas após os 16.
Uma das fundadoras do Movimento Desconecta, Camila Bruzzi afirma que o movimento funciona como um alerta para a saúde mental das crianças e adolescentes:
Eu acho que é o momento certo de a gente tirar esse tabu, esse constrangimento de falar sobre isso porque nossas crianças, nossos adolescentes estão precisando. Eles precisam ser ajudados. É para isso que a gente está aqui, como mães que estão preocupadas com a saúde dos seus filhos.
O psicólogo Cristiano Nabuco, pioneiro no Brasil nos estudos sobre Dependência Tecnológica, defende a restrição do uso de celulares por crianças e adolescentes.
Quando eu entro com um telefone celular na escola, eu acabo competindo com atividades mais associativas e profundas. Quando você disponibiliza a tela, é óbvio que você vai passar um WhatsApp, que você vai dar uma olhadinha na rede social. É óbvio que você vai fazer um monte de coisa que, na verdade, pouco se relaciona com o conteúdo acadêmico exatamente pelo fato de, antes dos 25 anos, eles não terem essa maturidade para frear comportamentos que são indesejados.
O pediatra Daniel Becker, uma das fontes do Movimento Desconecta, explica que a iniciativa é importante porque a restrição ao celular e às redes só funcionará se for uma iniciativa de comunidades de pais, e não de maneira individual.
Precisamos criar uma barreira contra o grande argumento deles, que é: 'Eu sou o único que não tem. Todo mundo tem, e eu não tenho. Eu vou ficar isolado, perdido, afastado do grupo’. O movimento está criando a possibilidade de ter muitos pais conectados e vamos fazer comunidades de pais que não darão celulares a seus filhos. E esses meninos e meninas vão poder ter amigos, formar grupos de crianças sem celular.
É preciso devolver infância para criança
O Desconecta tem como fonte o psicólogo norte-americano Jonathan Haidt, autor do best-seller "A Geração Ansiosa". A obra trata do colapso da saúde mental entre crianças e jovens no mundo.
Haidt afirma que acontece um fenômeno chamado ‘grande reprogramação da infância’ a partir do surgimento dos smartphones. Antes, com telefones mais simples, que faziam apenas ligações, crianças e adolescentes socializavam mais entre si.
Com o surgimento de aparelhos com câmera e internet, as crianças, por exemplo, passaram a ter uma infância no celular, com efeitos na vida social e no desenvolvimento cognitivo.
Especialistas defendem uma infância e adolescência mais “vida real”, em que as pessoas possam socializar mais entre si e com menos mediação das tecnologias.
Como aplicar na prática?
Bruna Rosa, mãe da pequena Lívia, do início desta reportagem, já vem tentando praticar isso. Ela conta que tem adotado estratégias, junto com o marido, para reduzir o tempo em que a criança fica no celular.
A gente está tentando fazer bastante troca com ela. Substituir o celular por muito mais atividades, coisas muito mais lúdicas. Trocar frequentemente as atividades, brincadeiras. Fazer passeios diferentes. A gente consegue, mas tem que usar muitos artifícios.
O psicólogo Cristiano Nabuco explica que o exemplo dos pais em casa é essencial para convencer os filhos a reduzirem o uso do celular.
Qual é a melhor forma de você educar? Eu acho que é você, enquanto pai, mãe, cuidador, professor, sendo um bom exemplo a ser copiado. De nada adianta se seu filho não deve usar o telefone, você ser o primeiro a levar o celular para a mesa na hora das refeições. De nada adianta falar 'chega de telefone celular', se você é o primeiro a levar para o quarto e ficar olhando à noite. Os filhos copiam os mais velhos.
Daniel Becker defende que é preciso "devolver a infância" para as crianças.
Crianças que vão brincar e vão para o recreio, em vez de ficar no Tik Tok. Vão brincar, vão pular, vão jogar bola, vão se empurrar, vão se abraçar, o que é absolutamente indispensável para a vida real, para o desenvolvimento deles. A gente não pode colocar as crianças em um mundo de plástico, em uma telinha quadrada. Elas precisam do mundo, da vida 'on life', não 'online'. Isso é absolutamente necessário para a gente devolver a infância para nossas crianças.
O Movimento Desconecta se baseia em pesquisas que apontam prejuízos causados pelo uso dos celulares na infância e na adolescência, como ansiedade, depressão e dificuldades de concentração, aprendizagem e socialização.
A ideia acompanha mobilizações semelhantes de pais nos Estados Unidos e na Inglaterra e vem na esteira da decisão de países como Holanda, Finlândia e França, que aboliram o aparelho das salas de aula.
Uma medida semelhante é debatida na Assembleia Legislativa de São Paulo. Um projeto de lei da deputada estadual Marina Helou, do Solidariedade, propõe a proibição dos aparelhos na rede estadual de ensino.