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15 JUL 2019

O que é cyberbullying e as ações do Instagram para contê-lo


Nexo Jornal - 13/7/2019 - [gif]


Autor: Fernanda Giacomassi
Assunto: TIC Kids Online Brasil 2017

Plataforma acompanha movimentos de outras redes sociais, como o YouTube, e lança ferramentas para limitar ofensas virtuais. Especialista vê avanços, mas também limitações de empresas no combate à violência na internet

O Instagram anunciou na segunda-feira (8) dois novos recursos na plataforma para o combate ao bullying entre usuários.

“Nossa missão é conectá-lo com as pessoas e coisas que você ama, o que só funciona se as pessoas se sentirem confortáveis ao se expressarem no Instagram. Sabemos que o bullying é um desafio que muitos enfrentam, principalmente os jovens. Estamos comprometidos em liderar a indústria na luta contra o bullying online e estamos repensando toda a experiência do Instagram para cumprir esse compromisso”, afirmou a empresa em nota oficial à imprensa.

A rede social disse que as mudanças na plataforma estão em curso e devem chegar a todos os usuários nas próximas semanas. São elas:

- Alerta de comentário: recurso que utiliza inteligência artificial para notificar pessoas quando o comentário delas pode ser considerado ofensivo, mesmo antes que ele seja publicado

- Restringir: recurso que permite ao usuário ocultar mensagens de alguém que esteja praticando bullying. Os comentários da pessoa restrita ficarão visíveis apenas para ela mesma. Ela também não poderá ver quando o usuário está ativo no Instagram ou quando leu suas mensagens diretas

O cyberbullying
Segundo a TIC Kids Online Brasil 2017, pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet, 39% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos que acessam a internet regularmente já presenciaram algum caso de discriminação online.

Os principais tópicos apontados por esse público foram chacotas por causa da cor ou raça, pela aparência física, por gostar de pessoas do mesmo sexo, pela religião ou classe social.

Segundo Rodrigo Nejm, diretor de educação na SaferNet, o cyberbullying é todo tipo de humilhação, intimidação ou chacota reproduzida de forma sistemática e repetitiva contra crianças e adolescentes no ambiente digital. “Diferente de uma situação presencial, uma situação de violência quando colocada na internet pode viralizar, ser vista por milhares de pessoas e ganhar uma escala muito maior de impacto para a vítima”, explica.

A SaferNet Brasil é uma organização sem fins lucrativos focada na prevenção e combate aos crimes e violações aos Direitos Humanos na Internet. A instituição possui um canal de atendimento a vítimas de crimes cibernéticos em funcionamento desde 2007.

As ações das empresas de tecnologia
O novo recurso do Instagram se soma ao investimento da empresa em políticas contra crimes de assédio e bullying na plataforma. O aplicativo tem um canal de denúncias específicos para esses casos, além de permitir que o usuário filtre palavras e termos ofensivos em suas configurações.

O Instagram pertence ao Facebook, que lançou em 2016 a versão brasileira de sua Central de Prevenção ao bullying. Feita em parceria com a Universidade de Yale, a plataforma reúne uma série de informações de segurança para os usuários da rede social, além de também disponibilizar um canal de atendimento e de dicas de prevenção para familiares e educadores.

As empresas de tecnologia também têm investido em parcerias com instituições públicas e privadas para a promoção de campanhas digitais. O YouTube lançou uma série de vídeos intitulada #InternetSemVacilo para falar sobre a questão do bullying e outras formas de assédio na rede com uma linguagem mais acessível aos jovens.

Em 2019, o Facebook e o Instagram fizeram parte de uma campanha encabeçada pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e pela SaferNet que usava a hashtag #édaminhaconta para discutir o assunto.

Uma análise sobre o tema
O Nexo conversou com Rodrigo Nejm, diretor de educação na SaferNet e doutor em psicologia pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) sobre os novos recursos anti-bullying divulgados pelo Instagram. Ele vê avanços, mas, ao mesmo tempo, vê uma dificuldade das redes sociais em identificar o que separa a brincadeira da violência. Leia abaixo:

Como o sr. vê a atuação de grandes empresas de tecnologia no combate à discriminação em suas plataformas?
Rodrigo Nejm: Nos últimos cinco anos, percebemos um engajamento bem mais relevante das grandes empresas de tecnologia em relação a essa temática. Isso está muito relacionado com o tema de cidadania digital e segurança digital, que está sendo muito discutido recentemente. É muito importante que eles tenham passado a assumir essa postura mais proativa, pois é uma questão que sem dúvida pede uma responsabilidade compartilhada.

Há políticas globais entre essas grandes empresas, como Facebook, Instagram ou Google para poder enfrentar essa questão dentro de suas plataformas. Elas possuem suas próprias políticas de privacidade e segurança, e também existem os canais de denúncia. Além disso, vemos cada vez mais uma tendência por parcerias para campanhas.

No entanto, as empresas esbarram em alguns debates a respeito da liberdade de expressão. Há uma certa dificuldade que é identificar a linha tênue entre brincadeira e violência.

Quais os impactos da nova política do Instagram?
Rodrigo Nejm: Até então a gente tinha ferramentas para denunciar a publicação e perfil ou bloquear um usuário. Essa inovação do Instagram é interessante pois passa a dar mais controle para a vítima sobre a situação de violência. Mais do que a plataforma ficar definindo o que é ou não é agressão, é importante o próprio usuário poder dizer ativamente o que está incomodando. Então a vítima tem mais autonomia e poder de decisão, continua com o acesso ao conteúdo e pode gerenciar aquela interação de uma maneira mais consistente com seus valores. É interessante porque sai um pouco das questões jurídicas e técnicas que envolvem estes casos.

A gente está num momento de cultura de muita aceleração e muito automatismo. Muitas vezes essa velocidade nos prejudica do ponto de vista de alguns filtros, algumas considerações que temos em outras formas de comunicação. Em uma conversa ao vivo, por natureza, temos uma série de reações e percepções para ler as expressões do outro, sua comunicação não verbal. Na psicologia, chamamos isso de pista de comportamento. Fazer essa leitura do outro. Na internet, a ausência de algumas destas pistas, somada a este ritmo acelerado de instantaneidade, gera um tipo de comportamento com menos filtro e que favorece a expressão de violência e agressividade. Nesse sentido, essa ferramenta [alerta de comentário] pode sim ser útil. Justamente por permitir uma pequena pausa de autocrítica, autorreflexão. Também ajuda a despertar um momento de empatia, de tentar mostrar o lugar do outro. Mas não temos como saber os resultados efetivos. Teremos que esperar um retorno do próprio Instagram.

O que falta no Brasil na questão do combate ao bullying digital?
Rodrigo Nejm: Esses recursos das plataformas de redes sociais são algo a mais e não substituem todas as ações necessárias em torno disso. Continuamos a ter uma carência gigantesca de educação para a cidadania digital, tanto nas escolas como nas políticas públicas e também nas famílias. Falta letramento digital para que as pessoas tenham capacidade de entender num âmbito mais completo seus direitos e deveres nas redes. E que elas possam e saibam como acionar o Judiciário, quando necessário.

O que temos hoje em questões de lei é mais do que suficiente para enfrentar esse tipo de situação. Há leis contra injúria, discriminação, homofobia agora. Também temos o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Marco Civil da Internet que também abordam estas questões. O que não temos é um sistema de polícias especializadas na infância e na adolescência ou então policiais de crimes cibernéticos que possam tratar desse casos com o devido cuidado e a prioridade que eles demandam.

É importante ressaltar que não é apenas uma questão de criminalizar uma conduta, que muitas vezes parte de uma criança, de um menor de idade. Na nossa avaliação, criminalizar o bullying digital não é produtivo pois não educa e previne pouco. Claro que casos graves devem ser processados. Mas, para nós, a prioridade é trabalhar para uma educação voltada para a cidadania digital, para que as pessoas entendam que a rede não é um vale tudo. Precisamos construir essa ideia de mediação de conflito. E é função das instituições fazer isso, da escola, educadores, família e também de políticas públicas governamentais.