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11 FEV 2016

Nomofobia


O Fluminense - 07/02/2016 - [gif]


Autor: Maria Clara Preste
Assunto: TIC Kids Online 2014

Especialistas falam sobre riscos da síndrome caracterizada pelo medo de ficar sem celular

Bip. O celular recebe uma notificação. A mensagem “bateria baixa” aparece na tela. O coração começa a palpitar, o sentimento é de aflição. Começa a busca por uma tomada, com uma mão ainda na bolsa tentando fisgar o carregador. Um pouco exagerada para alguns, esse tipo de reação não é incomum e pode ser o sintoma de algo maior: a nomofobia. Caracterizada pelo medo de ficar sem celular, a síndrome foi identificada primeiro na Inglaterra e o nome deriva do termo em inglês “No Mobile Phobia”.

No Brasil a síndrome é uma das pesquisadas pelo Instituto Delete, institucionalizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e dirigido pela psicoterapeuta Anna Lucia Spear. Ela explica que a nomofobia é uma dependência abusiva do uso de tecnologia que pode causar aflição e ansiedade quando não é possível se conectar à internet.

Anna Lucia lista os principais indícios do transtorno, que incluem nervosismo ao perceber que o celular está fora da área de cobertura ou sem bateria, e irritação quando não é possível usar um dispositivo ou aplicativo. Os sintomas estão relacionados, principalmente, à dificuldade de se comunicar em um momento específico. O vício em celular também pode gerar consequências físicas, como problemas de visão, dor nas costas e privação do sono.

Quando esses sinais são identificados é recomendado procurar um psicólogo, já que a nomofobia costuma estar relacionada a outros problemas. A professora de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF – campus Volta Redonda) Claudia Henschel explica que o vício em celulares é quase sempre o efeito de um outro transtorno, e não a causa. Por isso, é preciso identificar o momento da vida do paciente em que o uso do celular deixou de ser regular e passou a ser abusivo.

Claudia pontua que o celular pode gerar vícios tão sérios como o de substâncias psicoativas. “A distinção não se trata de dizer que uma (dependência) é mais grave que a outra. A gravidade vai estar no modo como o sujeito vai localizar o objeto na sua vida, a importância que isso vai ganhar”, afirma.

O Instituto Delete auxilia pessoas que apresentam esses sintomas. Caso a dependência tecnológica esteja ligada a um problema anterior, esse transtorno será tratado por psicólogos. Caso contrário, o Instituto orienta o paciente sobre o uso consciente da internet. Atuando desde 2008, o Delete vem atendendo pessoas cada vez mais novas. “A gente costumava receber mais pessoas na faixa dos 18 anos em diante, mas tivemos que baixar muito, agora está a partir de 15 anos. Já tivemos uma mãe que me procurou por problemas com uma menina de 13”, revela Anna Lucia.

Para impedir que isso aconteça na sua casa, Carla Bahiense, 44, mãe de três meninas, controla o uso da internet. A filha caçula, 7, só pode acessar uma hora por dia. As mais velhas, de 14 e 16 anos, são proibidas de levar o celular para o quarto à noite. Recentemente Carla descobriu que este bloqueio estava sendo driblado por uma das meninas. “Ela levava o telefone e escondia embaixo do travesseiro. No dia seguinte, vi compartilhamentos e curtidas na madrugada e revertemos isso”, conta Carla.

No Brasil, o número de celulares já ultrapassa o de pessoas. Segundo dados da Anatel, para cada 100 habitantes, há 131 aparelhos em território nacional. Esse número aumenta de acordo com a área analisada. Essa alta quantidade influencia também as crianças, que são grande parte dos usuários da telefonia móvel no Brasil. Segundo pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), 77% da população brasileira entre 10 e 17 anos já acessa a internet. Desse número, 82% por meio de celulares. Entretanto, é preciso ter cuidado para não “demonizar” o celular. Claudia explica que os aparelhos são de grande ajuda para alguns pacientes, principalmente os mais tímidos.

“Existem situações objetivas em que é impossível para uma pessoa falar em público, desde declarar seu amor até fazer uma conferência ou entrevista. O celular é muito importante, é um instrumento que permite acesso ao outro”, enfatiza.

A estudante de Comunicação Social Cecília Boechat, 19, nem pestaneja quando perguntada se é viciada em smartphones: a resposta é um sim enfático. Mas ela não vê esse uso como algo negativo. “Uso o aparelho para me manter conectada com a família que está longe, com outras pessoas que eu gosto, para acessar as redes sociais...”, explica ela, que revela nunca sair de casa sem o “combo celular-carregador”.

A lição é que o celular, embora muito útil, pode ser perigoso quando usado de forma errada. Para impedir que a nomofobia se espalhe, o site do Instituto Delete lista algumas orientações para usar a internet de forma consciente, como não trocar atividades ao ar livre ou relações pessoais para ficar conectado.