Nem G1, nem G12: o modelo ideal para a governança da Internet é o G0
Convergência Digital - 10/06/2009 - [ gif ]
Autora: Cristina De Luca
Assunto: Governança da Internet
A opinião é do diretor executivo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI-br), Hartmut Glaser. E expressa o posicionamento historicamente defendido pelo Brasil no Internet Governance Forum (IGF) com relação a uma questão que voltou a tomar conta do noticiário nas últimas semanas: o que acontecerá com a ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) a partir do dia 30 de setembro, quando termina o acordo feito em 2006 para manter a gestão das funções técnicas do sistema de domínios na web como acontece atualmente.
Acordo esse que pode ser renovado por mais dois anos, ou não, transformando a Icann, tecnicamente, em um órgão totalmente independente. E em condições de vir a ser, de fato, "multistakeholder". Os próximos meses serão de debates intensos no Congresso americano.
O que o mundo espera é que o Presidente Obama mostre coragem, sabedoria e respeito pela natureza planetária da Internet. E abra caminho para uma nova forma de governo da Internet, mais responsável, transparente, democrática e multilateral. Tarefa que, pelo andar da carruagem, não será nada fácil. Isso porque ele terá que enfrentar forte pressão no Congresso, que não quer esse modelo 'mais livre'.
Na última terça-feira, em uma audiência pública promovida pelo House Energy and Commerce Communications Subcommittee, que legisla sobre a matéria, até os congressistas democratas defenderam a prorogação do acordo, por considerarem "imprudente diminuir o papel do governo federal em meio ao aumento dos ataques cibernéticos e rápida inovações na Internet". Uma indicação clara de que o jogo vai complicar.
A maioria dos especialistas acredita que a ICANN, efetivamente, já tem condições de adotar um modelo auto-gestão sustentável. Só que os congressistas americanos demonstram não estarem dispostos a deixar que os EUA possa vir a perder privilégios como, por exemplo, o poder de vetar qualquer alteração no root server que possa alterar a estabilidade da rede, embora, historicamente, nunca tenha feito isto.
"A Icann evoluiu muito, desde 1999. Hoje tem uma diretoria internacional muito representativa. O Brasil já teve dois diretores e quer continuar jogando por dentro. O grande problema continua sendo encontrar uma jurisdição internacional isenta onde ancorar a Icann. Se houver um conflito jurídico, hoje, ele será resolvido conforme a legislação da Califórnia", explica Glaser. "Se essa questão de dependência não se resolver este ano, se resolverá em pouco tempo. Porque a Icann precisa ser uma entidade autônoma, sem nenhum país dirigindo", defende Glaser."No início de maio, a Viviane Reding, comissária europeia para a Sociedade da Informação, chegou a sugerir a criação de um G12 para gerir a Internet. Acho que isso não resolve. Nem G1, nem G10, nem G12... Temos que ter o G0. A Internet deve ser autocontrolada pelos usuários, como no Brasil".
Desde a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação o Brasil alerta para o fato de que a governança da Internet é muito mais do que a simples administração de nomes de domínio e endereços de propriedade intelectual. Proteção de dados, spam, cyber-segurança, multilinguagem e conteúdo local são questões da governança de Internet. Custos de interconexão, proteção da propriedade intelectual, e a divisão digital também são questões da Internet. Na maioria destas áreas, a responsabilidade maior é dos governos. No Brasil, não só. O páis é pioneiro de um modelo de administração da Internet que estimula a participação efetiva da sociedade nas decisões sobre a implementação, gestão e utilização da rede, através do Comitê Gestor, composto por representantes dos ministérios e agências governamentais, empresas, sociedade civil e da comunidade científica. Há 21 membros no total, 12 do sector privado e 9 do governo.
Representantes esses que serão todos serão renovados no ano que vem. Os governamentais, em função da mudança de governo. Os demais, através de eleição direta prevista para ser realizada sempre no fim do mandato desses representantes, que desta vez coincide com a mudança de governo.
O que o modelo brasileiro difere do modelo proposto por Viviane Reding? No dela haveria a "privatização e responsabilização" da ICANN, a criação de um órgão judicial independente e a de um fórum multilateral onde os governos discutiriam a política geral de governança da Internet. Para ser geograficamente equilibrado, este G12 incluiria dois representantes da América do Norte, dois da América do Sul, dois da Europa, dois de África, três da Ásia e Austrália e ainda o presidente da ICANN, que não teria direito a voto.
No nosso, os representantes de governo são minoria no fórum multilateral.
Segundo o modelo de Reging, o ICANN poderia se tornar um braço da ONU ou mesmo da União Internacional de Telecomunicações - UIT. Segundo o modelo brasileiro, não.
Porque não bastaria uma participação paritária na gestão da Internet entre os vários países, como definido recentemente pela Fórum da UIT no que ficou conhecido como "Consenso de Lisboa".
Seria preciso garantir maior participação da iniciativa privada e da sociedade civil _ a chamada cúpula At-Large. Caminho buscado pelo IGF, mas que tem se demonstrado de difícil execução.
Chegaremos lá? Só o tempo dirá. Um passo importante para isso será a provável prorrogação do IGF por mais cinco anos.
Iniciado em 2006, em Atenas, o IGF é uma resposta à necessidade de se ter um mecanismo internacional e inclusivo dos vários segmentos da sociedade - governo, terceiro setor, setor produtivo - para discutir e chegar a consensos sobre as questões e regras de funcionamento para a Internet.
Até aqui, o Governo brasileiro está comprometido em atuar para que o IGF evolua em direção a um foro orientado a resultados, de modo a gerar recomendações substantivas quanto aos temas de que trata e ao futuro da governança da Internet como um todo.