Menos celular e rede social, muita IA: como crianças usam Internet em 2025
UOL Tilt - 24/10/2025 - [gif]
Autor: Helton Simões Gomes
Assunto: TIC Kids Online Brasil
Crianças e adolescentes costumam ser um farol importante dos rumos que a tecnologia pode tomar. Capazes de assimilar novas ferramentas como se as usassem há anos, estão na fase de experimentar sem preconceitos. Em 2025, os baixinhos mudaram de forma inédita sua relação com as interfaces tecnológicas mais populares.
A constatação vem da TIC Kids, estudo do Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade de Informação), que há dez anos é o melhor termômetro para aferir a fervura com que menores de idade se conectam à internet. Se até agora, a pesquisa mostrava, anos após ano, um aumento da interação tecnológica, a edição deste ano constatou um freio nessa intensidade, já que:
Caiu o nº de crianças e adolescentes com celular e também...
... Diminuiu a quantidade de pessoas de 9 a 17 anos que usam redes sociais.
O que pode estar ocorrendo é uma migração da atenção para outras plataformas. Pela primeira vez, o Cetic.br averiguou o nível do uso de inteligência artificial e descobriu que:
Dois terços das crianças e adolescentes usam ferramentas de IA generativa, aquela capaz de gerar conteúdo parecido com o criado por seres humanos. E fazem isso para coisas tão diversas quanto estudar ou pedir conselho para problemas emocionais.
Mas não é só isso.
Vamos começar com o celular. Usado por 96% de crianças e adolescentes, o aparelho continua sendo a principal porta de entrada para a internet. Mas algo está mudando, já que:
Em 2024, 81% deles eram donos de um desses dispositivos, mas...
... Esse número caiu para 77% em 2025. A queda foi puxada porque...
... A posse do celular entre as crianças menores despencou: na faixa dos 9 a 10 anos, donos de smartphones eram 67% do total; passaram a 55%; dos 11 a 12 anos, foi de 79% para 69%. E...
... Para Luísa Adib, coordenadora da TIC Kids, a situação já indica uma tendência, que pode ser o desdobramento de dois movimentos...
... O primeiro deles é a lei, sancionada pelo presidente Lula em janeiro deste ano, que baniu os celulares nas escolas já a partir de 2025...
... O segundo é a intensificação da discussão sobre os malefícios da presença do público infantojuvenil em determinados espaços online --Antes do vídeo-bomba do youtuber Felca sobre adultização, o assunto já estava quente; depois dele, o ECA Digital deslanchou, virou lei e mais mudança na vida digital virá por aí. Só que...
... O refluxo do celular, sobretudo o seu banimento das instituições de ensino, pode ser a explicação para outro fenômeno, já que...
... Despencou a proporção da garotada que usa internet nas escolas, de 51% (2024) para 37% do total (2025). Quanto a isso...
... Luísa faz uma ponderação: a queda pode estar relacionada à falta de computador ou acesso decente à internet nos colégios. Pode ser, mas...
... Os computadores já estão há tempos longe do topo das preferências na hora de crianças e adolescentes se conectarem. Em 2025, só 18% disseram usá-los uma vez por mês. Por outro lado, as TVs são usadas por 37% deles várias vezes por dia, seja para exibir vídeos ou algum conteúdo na internet.
Por que isso é importante?
Agora, as redes sociais. O ceticismo em relação ao celular pode ter contaminado o humor em relação a elas, que eram até então as plataformas queridinhas do público infantojuvenil. É claro que o comportamento varia conforme a idade, mas o ranço vale para todas as faixas:
15 a 17 anos: o número de usuários das redes vem caindo desde 2023, quando atingiu pico, e agora é o mais baixo já registrado pela série histórica; ainda assim, 89% do total usam as redes;
13 a 14 anos: o volume de adeptos ficou estacionado pelo segundo ano consecutivo em 89% do total;
11 a 12 anos: depois de atingir o pico em 2021, quando 76% estavam nas redes, a proporção vem caindo e, em 2025, chegou a 63%;
9 a 10 anos: a fuga dessa faixa etária foi grande, já que, em 2024, 47% deles estavam nas redes e, em 2025, eram só 33%.
Fora isso, as crianças e jovens remanescentes passaram a acessar as plataformas com menos intensidade. Isso aconteceu no WhatsApp, Instagram, Discord, X e Facebook —esta última teve o tombo mais significativo: mais da metade foi debandou da rede social de Mark Zuckerberg. Por outro lado, a frequência cresceu —ainda que ligeiramente— no YouTube e bastante no TikTok, que passa a ameaçar a terceira posição do Instagram. WhatsApp e YouTube ainda são líderes entre os usuários até 17 anos.
Não é assim, mas está quase lá
Em paralelo ao muxoxo com os smartphones e as redes sociais, há na praça um novo tipo de plataforma tecnológica chegando com força pra dominar a cena. São as ferramentas de IA generativa. Quando o uso delas é confrontado com a adoção das redes sociais, não é exagero constatar que estamos diante de um processo de transferência do posto de serviço tecnológico hegemônico.
Quer ver? Alguns indicativos:
Por faixa etária, a proporção de uso da IA generativa ficou assim: 42% do total entre quem têm de 9 a 10 anos, 62% para 11 a 12 anos e 75% entre os de 13 a 17 anos. Isso quer dizer que, para todas as idades, já há mais usuários de IA que do adeptos do Facebook (8%), Discord (6%) e X (3%).
De modo geral, há entre os adolescentes com idade entre 13 e 17 anos mais adeptos da IA generativa (75%) do que usuários do YouTube.
Além de mensurar o nível de interação com a IA pela primeira vez, o Cetic.br coletou dados das atividades preferidas do público infantojuvenil. E, nesse sentido, as buscas online com IA são um fenômeno. Há mais adolescentes de 13 a 14 usando chatbot de IA pra isso (68%) do que acessando o TikTok (64%). Entre as criança de 11 a 12 anos, há mais adeptas às pesquisas online com IA (56%) do que usuárias do Instagram (46%).
Alguns usos, como a criação de conteúdo, acendem o sinal amarelo. Se essa atividade não andar de mãos dadas com um certo nível de responsabilidade, é uma avenida aberta para geração de imagens e vídeos para lá de dolorosos para as pessoas retratadas. Os vários casos de estudantes criando "deepnudes" de suas colegas de classe são exemplo disso.
A luz vermelha é disparada com força quando se constata que, de crianças de 9 a 10 anos (4%) a adolescentes de 15 a 17 (16%), todos já recorrem a ChatGPT e similares para conversar sobre problemas pessoais e emocionais. Essas plataformas não foram construídas para isso, mas desenrolam tão bem um falatório envolvente que até adultos acreditam estar conversando com um amigo. Não estão.
A TIC Kids chega justamente no momento em que o Brasil está para estabelecer faixas de idade adequada para usar IA, graças a uma mudança da classificação indicativa. O estabelecimento de idade para acessar redes sociais e IAs tem acontecido no mundo todo e, se nada mudar, já tem data para desembarcar no Brasil: março de 2026, quando os efeitos do ECA Digital passarem a valer.

