Lucia Santaella: entre a semiótica de C. S. Peirce e o fervor desordenado do pós-digital
Jornal da USP - 15/4/2025 - [gif]
Autor: Magaly Prado
Assunto: Ensino e pesquisa
Reconhecendo a relevância de sua contribuição como a de uma das mais prestigiadas pensadoras da atualidade, é de grande responsabilidade e extremamente difícil descrever sem recorrer a uma enxurrada de elogios ou adjetivar suas qualidades de intelectual e educadora. Assim, deixarei que esta breve amostra de seu legado em curso, enriquecida por depoimentos de estudantes que passaram por ela, ilustre a magnitude de sua influência e permita vislumbrar a dimensão do impacto de sua obra.
Sob o tema “Horizontes Epistêmicos”, a marca Lucia Santaella foi lançada em 31 de março, por iniciativa de um grupo expressivo de ex-alunos e orientandos –, gesto que Santaella não conseguiu evitar. Em seu discurso, ela expressou sua gratidão: “A honra de estar acompanhada por três pessoas que me são muito próximas no intelecto e no coração e pelas quais nutro a mais honesta admiração, a ponto de meu eu se expandir nelas sem limites”. São eles: Demi Getschko, docente da pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP); Eugênio Bucci, seu parceiro mais constante desde a época da cátedra Oscar Sala do Instituto de Estudos Avançados da USP; e Ivo Ibri, seu colega da PUC e também estudioso de Peirce, cujas palavras dos três enriqueceram a homenagem. Nesse tributo, estiveram presentes, em especial, seus irmãos mais jovens, filhos e netos, aos quais Santaella busca legar seu exemplo.
As áreas mais recentes de pesquisa de Santaella incluem: Metodologia da Ciência, Comunicação, Semiótica Cognitiva (fundamentos biocognitivos da comunicação) e Computacional, Filosofia e Estéticas Tecnológicas. Vale lembrar que Santaella frequentemente expressa seu grande interesse pelas tecnologias de linguagem. Sua obra oferece uma base teórica amplamente adotada nos cursos de Comunicação em todo o Brasil.
Santaella diz não ser poeta nem musicista, mas traz a poesia e a música intrinsecamente, de maneira marcante. “Muito jovem, fui aluna dos poetas concretos, que me proporcionaram uma educação radical da sensibilidade. Tudo se inicia no sensível, depois se desdobra e se espalha pelas nervuras da cognição. O enfraquecimento desse princípio produz falsetes no cognitivo.” Ela constata que os 18 anos dedicados a estudos musicais não lhe conferiram ouvido ou habilidade prática, “mas me fizeram conceber a música como a raiz de todas as linguagens”. Seu apreço pela poesia e pela música deriva do fato de que “elas nos inserem na névoa do sentido, na indefinição das respostas. São bolsões de indeterminação que nos mergulham nos mistérios secretos da vida”.
Santaella é graduada em Letras – Português e Inglês, doutora em Teoria Literária pela PUC/SP com a tese Manuel Bandeira e a Poética do Elemento Lexical, e obteve a livre-docência em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP) com o trabalho Metodologia Semiótica.
Sua trajetória profissional teve início como professora, uma atividade que Santaella mantém até hoje, pois considera a sala de aula o ambiente para o qual nasceu. Dessa convicção, ela afirma que não poderia haver “deleite maior, a não ser aquele do brilho sorridente e terno no olhar dos meus netos, do que entrar em uma sala de aula e, a cada semestre, encontrar outros rostos e me deixar contaminar pelas novas inquietações e angústias, pelas dúvidas, buscas e descobertas dos estudantes que escolheram enfrentar os obstáculos do percurso do conhecimento – nem sempre idílico, mas sempre compensador”. O prazer é mútuo: estudantes que têm contato com sua vasta sabedoria em aulas ou conferências, após a absorção intelectual, saem transformados, capazes de atribuir significado às funções mentais e contagiados pela certeza da potência do pensamento.
“Lucia Santaella é uma das grandes cientistas e pensadoras do Brasil. Seus passos atentos são guiados pelo que há de mais contemporâneo, fonte de sua reflexão e criação de teorias, as quais se erguem a partir de um repertório monumental, que não para de crescer. Quando as mídias começam a se interessar sobre o assunto, ela já investigou profundamente, criou grupos de pesquisa, publicou livros e artigos” (Thaïs Falcão, do grupo Sociotramas).
Atualmente, Santaella é professora titular da PUC/SP nos programas de pós-graduação em Comunicação e Semiótica e em Tecnologias da Inteligência e Design Digital – este último, uma criação sua. Acrescenta em seu cabedal a experiência acadêmica enriquecida com períodos como professora visitante em diversas instituições estrangeiras, como as universidades Livre de Berlim e de Kassel (Alemanha), de Valência (Espanha), de Évora (Portugal), de Buenos Aires (Argentina), de San Hidalgo (México) e de Caldas (Colômbia).
“Mas a paixão pela pesquisa me capturou, juntamente com a necessidade de escrever. Pesquisa que não se concretiza em escrita se perde nas brumas do esquecimento.” Ela é pesquisadora 1A do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e foi pesquisadora associada no Research Center for Language and Semiotic Studies em Bloomington, na Indiana University, durante repetidos estágios de pesquisa, especialmente pelo programa Fulbright (Programa de Intercâmbio Educacional e Cultural do Governo dos Estados Unidos da América). Nessa mesma universidade, realizou seu pós-doutorado com apoio do CNPq. Além disso, tem realizado estágios de pós-doutorado em Kassel, Berlim e Dagstuhl, na Alemanha, com o apoio do DAAD/Fapesp (Deutscher Akademischer Austausch Dienst/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Santaella foi, cada vez mais, “por hábito ou por amor”, tornando-se uma pesquisadora. Desse desenvolvimento decorrem todas as suas outras facetas: a escritora, a orientadora, a professora, a administradora de pesquisa. “Estou sempre começando. O pesquisador se irmana com o poeta. Beber das águas da poesia tanto quanto das águas do conhecimento é uma sede infinita.”
“A vida e a inteligência têm algo em comum: não podem parar de crescer. Essa é a natureza inalienável de ambas.”
Durante algum tempo, Santaella se concebia como uma guerrilheira do conhecimento; hoje, considera que o perfil de uma missionária do conhecimento lhe cabe melhor. “Não apenas do conhecimento fechado em mim, o que seria um equívoco, pois todo conhecimento é compartilhado, dialógico.” Dentre os projetos mais recentes que coordena, desde 2023, destaca-se o Observatório Interinstitucional de Investigação em Cibercultura para Comunidades Indígenas – Povo Mebêngôkre-Kayapó. A partir do levantamento dos hábitos de acesso, a proposta é identificar esses espaços de monitoramento e, então, implementar o processo netnográfico para a compreensão das dinâmicas digitais desses povos.
Ainda sob sua coordenação, também desde 2023, desenvolve-se o projeto A Continuidade da Semiose entre o Físico, o Bioecológico e a Tecnoantroposfera: Para Entender e Atuar na Era do Antropoceno. Este projeto se situa no amplo subtema do humano e do não humano e visa avançar o conhecimento sobre a mudança do período geológico da Terra. Para isso, o projeto parte da noção de sinequismo de Peirce, conceito-chave de continuidade que permite, por meio da noção de semiose, que tem a continuidade como princípio lógico, desconstruir dicotomias.
Cátedra Oscar Sala do Instituto de Estudos Avançados da USP
Lucia Santaella assumiu a titularidade da Cátedra Oscar Sala em abril de 2021, tornando-se a primeira a ocupar essa posição. A cátedra é resultado de uma parceria entre o IEA e o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), formalizada por um convênio de cooperação entre a USP e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), sob coordenação acadêmica de Eugênio Bucci e coordenação adjunta de Luiz Fernando Martins Castro. O tema central escolhido por ela foi Novas condições da interdisciplinaridade em tempos de simbiose humano-tecnologias.
Santaella chegou a denominar a interdisciplinaridade de “pandisciplinaridade”, utilizando uma hipérbole para enfatizar a urgência da questão, que considera imperiosa. Contudo, o ponto convergente foi a inteligência artificial. A finalidade da cátedra foi fomentar, orientar e patrocinar o intercâmbio multidisciplinar entre diversos campos do saber, com o objetivo de fortalecer e cultivar o conhecimento sobre a internet, seu funcionamento, aplicações e ferramentas.
Durante sua posse, a catedrática destacou que, no atual estágio de desenvolvimento da ciência, do conhecimento e da tecnologia, embora as especializações continuem sendo necessárias, a emergência da inteligência artificial tem provocado verdadeiras simbioses entre aquelas que tradicionalmente eram chamadas de “duas culturas”: as humanas e as científicas. Ela também enfatizou que a inteligência artificial centrada no humano nos alerta para a dissolução das fronteiras entre as ciências exatas, aplicadas, sociais e as humanidades, agora também integradas em sua natureza digital. Esse cenário exige uma reavaliação profunda dos conceitos de inter, multi e transdisciplinaridade em novas bases.
As atividades foram desenvolvidas sob sua supervisão direta, com o objetivo de “redefinir a inter, multi e transdisciplinaridade no contexto da inteligência artificial e seus sucedâneos, em prol da defesa dos valores fundamentais da democracia, governança e segurança frente às ambivalências das redes e na busca de direcionamentos para a sustentabilidade em um mundo em crise”.
Subtemas no formato ponto-contraponto
O tema geral foi desdobrado em subtemas bimestrais, com o planejamento e a realização de debates, palestras e conversações entre especialistas brasileiros e grupos de estudo. O objetivo era promover reflexões sobre as questões propostas, apresentando diversas perspectivas (riscos e benefícios) da simbiose humano-tecnologia.
Entre os convidados dos encontros bimestrais estiveram: Eugênio Bucci, Silvio Meira, Demi Getschko, Virgílio Almeida, André Lemos, Fernanda Bruno, Sergio Amadeu, Giselle Beiguelman, Carlos Vogt, Muniz Sodré, Cesar Baio, Dora Kaufman, Francisco Brito Cruz, Juliano Maranhão, Massimo Di Felice, João Paulo Candia Veiga, Eugênio Garcia, Luiz Alberto Oliveira, Rodrigo Petrônio, José Eli da Veiga e Adriano Messias.
Os temas abordados foram: Expansionismo tecnológico e/ou segurança nas redes, Capitalismo de vigilância e/ou cidadania planetária, Riscos à ética e democracia e/ou IA na cultura e criatividade e Antropoceno e/ou novas ecologias políticas.
Ademais, por meio do desenvolvimento de atividades de curadoria, apoio a pesquisas e disseminação de conhecimento, Santaella promoveu a organização de conversações sobre questões específicas que emergiram no período, como o Marco Legal da Inteligência Artificial e o metaverso, além de diálogos com autores de livros recém-lançados relacionados aos temas.
Encontros, discussões e produção de artigos
A primeira ação consistiu na criação de um grupo de 60 pesquisadores – todos pós-graduandos – de diversas áreas, selecionados a partir de 200 inscrições. O método de trabalho combinou o acompanhamento dos estudos, pesquisa e discussões internas com reuniões quinzenais de sistematização das leituras orientadas, unindo investigações teóricas e empíricas, além de debates organizados com rigoroso critério para embasar as atividades com especialistas e a análise das controvérsias.
“É um privilégio ouvir Lucia Santaella desde os tempos do doutorado na PUC/SP, em Comunicação e Semiótica, até o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, como catedrática da Oscar Sala. Não há no Brasil intelectual com tamanha generosidade em compartilhar conhecimento. Muito me honra ter sido sua aluna e sua pesquisadora na USP” (Luciana Moherdaui, pesquisadora da Cátedra Oscar Sala).
Além disso, foi criado um blog voltado à publicação de textos dos pesquisadores, acompanhado da produção de vídeos curtos destinados ao canal da Cátedra Oscar Sala no YouTube. Parte da produção resultante dessas atividades pode ser verificada em uma série de ensaios elaborados pelos integrantes do grupo, refletindo o impacto e a relevância das atividades realizadas.
Como resultado dessas iniciativas, foi publicado um dossiê intitulado Implicações Humanas das Tecnociências na revista Estudos Avançados, contendo artigos de 13 dos pesquisadores cuidadosamente selecionados por Santaella:
- Diagnóstico do Contemporâneo – Lucia Santaella
- Capitalismo de Dados e Guerras Estéticas – Abel Reis e Silvia Piva
- Silenciamento Sociotécnico e os Limites do Poder Instrumental – Alcides Eduardo dos Reis Peron e Anderson Röhe
- Estética, Jogabilidade e Narrativa para o Antropoceno – Clayton Policarpo, Guilherme Henrique de Oliveira Cestari e Luiz Felipe Napole
- No Ar: Carro Voador como Máquina Autônoma sem Emissão em Análise de Viabilidade – Magaly Prado e Gustavo Galbiatti
- Consumo, Cidadania e Vigilância: Reflexões sobre a Expansão Tecnológica e seus Impactos no Contexto Brasileiro – Bruno Pompeu, Eneus Trindade e Silvio Koiti Sato
“Os editores da revista certamente primam pela competência e, sem eles, o dossiê não teria a qualidade que apresenta. Os artigos foram submetidos a pareceres cegos e fiquei feliz em ver que também passaram por esse crivo de qualidade. O dossiê é apenas uma parte da revista, mas traz a marca da temática impressa na gestão”, ressalta Santaella.
“Foi um marco em minha trajetória acadêmica participar do grupo de pesquisa da Cátedra Oscar Sala, guiado pela professora Lucia Santaella. Ao dizer, no primeiro encontro de pesquisadores, ‘meu objetivo é aprender com vocês’, revelou sua grandeza. Sempre fora do lugar comum, conduziu-nos aos temas mais importantes que já tive a chance de pesquisar, com abertura e rigor intelectual” (Sílvia Piva, pesquisadora da Cátedra Oscar Sala).
O trabalho de desenvolvimento de publicações também culminou na criação de um livro-coletânea considerado primoroso: Simbioses do Humano & Tecnologias – Impasses, Dilemas e Desafios, publicado pela Edusp em 2024 e organizado por Santaella.
A obra reúne contribuições de autores que participaram dos ciclos de encontros promovidos pela cátedra, oferecendo análises profundas, cada uma baseada em sua perspectiva teórica, sobre os avanços e as implicações da inteligência artificial para a sociedade e a ciência. Veja o sumário.
“É difícil negar que as simbioses do humano e tecnologias estejam, efetivamente, nos conduzindo a visões distópicas que parecem irremediáveis. Para enfrentá-las, minha tese começa por expulsar qualquer pensamento que considere as tecnologias como corpos estranhos ao humano. Ao contrário, porque fala, o ser humano é tecnológico de saída.”
Além disso, Santaella esteve envolvida nas atividades da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência. É relevante destacar que, em todas as edições realizadas até o momento do curso de pós-graduação da Cátedra Oscar Sala – DPG 5007 – Economia, Cultura e Poder na Internet –, Santaella encerra a disciplina com uma aula sobre as Contribuições da Semiótica para a Inteligência Artificial.
“Inspiradora, exemplar, perspicaz, persuasiva. Aquela que à primeira vista assusta os mais fortes, mas que fala com as almas silenciosas, desequilibradas e geniais. Escreve prosa fazendo verso. Os seus discursos já me tiraram lágrimas, me lembraram Umberto Eco! Quando você se vê original e autêntica, ela mostra algo antigo que já retratava o tema ou narra algo mais ousado. Mostrou-me janelas, portas e frestas que eu jamais esquecerei. Deixo-as abertas para o meu sentir e para eu refletir. Elevou as minhas exigências, o meu gosto. Permitiu-me as escolhas difíceis e respeitou os meus desejos. Ajudou-me a recriar sobre um conhecimento já conhecido. O que mais esperar de uma orientadora?” (Patrícia Huelsen, do grupo Sociotramas).
Santaella conheceu Umberto Eco (1932-2016) pessoalmente; ambos ocupavam posições na diretoria da Associação Internacional de Semiótica. “Umberto Eco era um ser verdadeiro na sua verdade, no legítimo sentido que isso possa ter”.
“Diante de tudo o que presenciamos, por mais que busque, não enxergo outro caminho senão a educação. Educar para a ética do bem coletivo nas mentes e nos corações, cuja via régia encontra-se na aprendizagem que tem sua chave mestra no cultivo do conhecimento.”
Como orientadora de mais de 300 trabalhos de pós-graduação, Santaella tem exercido uma influência marcante em toda uma geração de acadêmicos e artistas que atuam nos campos da arte e tecnologia. Entre os nomes destacados estão o artista espanhol Julio Plaza (1938-2003), pioneiro na arte interativa; o professor brasileiro Arlindo Machado (1949-2020), referência em estudos de mídia; e os artistas plásticos brasileiros Marcos Rizzolli e Omar Khouri, cujas trajetórias refletem o diálogo entre arte e inovação tecnológica.
“Foi a partir do primeiro contato com os escritos de Lucia Santaella que o mundo passou a ganhar formas e contornos até então desconhecidos para mim. Hoje, tudo o que faço carrega as marcas de suas tríades, complexidades e de seu pensamento. Eu não seria quem sou se não tivesse sido atravessado por Santaella — e talvez não haja elogio maior que eu possa fazer” (Clayton Policarpo, orientado na especialização em Estéticas Tecnológicas, no mestrado e doutorado no Tidd)”.
- 275 mestres, doutores e pós-doutores defenderam seus títulos sob sua orientação
- Mais de 150 participações em bancas de trabalhos de conclusão / mestrado
- Mais de 110 teses de doutorado
- 15 supervisões de pós-doutorado
- Mais de 20 monografias de conclusão e iniciação científica
- Mais de 20 de participações em bancas de comissões julgadoras / Professor titular e de Livre-docência
- Cerca de 100 livros publicados / organizados ou edições
- 57 de sua autoria, dentre os quais seis são em coautoria e dois de estudos críticos. Organizou também a edição de 34 livros.
Selecionar apenas alguns de seus livros – diante de 57 contando somente os de sua autoria – é uma tarefa desafiadora, dada a extensão e a profundidade de sua produção intelectual, além da subjetividade inerente a essa escolha. Portanto, perguntei à autora quais são seus livros prediletos, e ela respondeu: “Os que receberam o Prêmio Jabuti e os lançados pela editora Paulus”.
Foi finalista do Jabuti em sete ocasiões e recebeu a premiação quatro vezes, uma conquista que reflete a qualidade e a relevância de sua contribuição à literatura e ao pensamento brasileiro. Para ela, “escrever é um ato de coragem e responsabilidade”. Recebeu o Prêmio Jabuti em 2002 com Matrizes da Linguagem e Pensamento: sonora, visual, verbal (Iluminuras); 2009, em terceiro lugar com Mapa do Jogo, com Mirna Feitoza (Cengage Learning Edições); 2011, com A Ecologia Pluralista da Comunicação – Conectividade, Mobilidade, Ubiquidade (Paulus); e em 2014 com Comunicação Ubíqua: Repercussões na Cultura e na Educação (Paulus). Os demais da Paulus:
- Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura, 2003
- Por que a comunicação e as artes estão convergindo?, 2004
- Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo, 2004
- Corpo e comunicação: o sintoma da cultura, 2004
- Linguagens líquidas na era da mobilidade, 2007
- Redes sociais digitais: a cognição do Twitter, 2010
- O explorador de abismos. Vilém Flusser e o pós-humanismo, 2012 (com Felinto)
- Temas e dilemas do pós-digital: a voz da política, 2016
- Charles Sanders Peirce. Excertos, 2020
- Humanos hiper-híbridos: Linguagens e cultura na segunda era da internet, 2021.
Santaella frequentemente recorre à célebre frase de Chico Buarque: “Faço uma canção, ponho no mundo e ela cai na vida”. Embora enfatize não querer se comparar à grandeza do compositor, acredita que essa reflexão traduz perfeitamente sua essência como autora. Assim afirma: “Ponho muito esforço e sinceridade no que faço. Escrevo os livros, eles caem no mundo e adquirem uma vida própria”, revelando o elo profundo entre sua dedicação e o impacto de sua obra no planeta.
“Senti-me tímida e insegura diante de uma das cientistas e professoras mais admiradas e respeitadas deste País. De repente, percebi que não havia motivo para tanta apreensão. Lucia traduzia, com leveza, o significado da simplicidade, da assertividade, da ética e do respeito que talvez somente ela, ao transcender a ciência, conseguia alcançar. Ela me deu acolhida em um universo aparentemente distante, mas incrivelmente possível” (Cilene Victor, do grupo Sociotramas).
- Quase 300 capítulos de livros publicados
- Perto de 500 artigos em periódicos científicos no Brasil e no exterior
- Em torno de 70 textos em jornais e revistas
- Mais de 40 outras produções bibliográficas como prefácios, posfácios
Santaella acumula uma trajetória notável, marcada por inúmeras contribuições acadêmicas e reconhecimento internacional. É presidente honorária da Federação Latino-Americana de Semiótica e, desde 2004, membro executivo da Asociación Mundial de Semiótica Massmediática y Comunicación Global, no México. Eleita em 2002 como correspondente brasileira da Academia Argentina de Belas Artes, Santaella também foi diretora do Centro de Investigação em Mídias Digitais (Cimid) e coordenadora do Centro de Estudos Peirceanos na PUC-SP.
Santaella já fundou, coordenou e participa de vários grupos de pesquisa:
- Rede Ciep / Rede Brasileira de Pesquisa em Semiótica Peirceana – reúne pesquisadores brasileiros dedicados à filosofia e à semiótica de C.S. Peirce, ligados ao Centro de Estudos Peirceanos. Seu objetivo é dar suporte tanto àqueles que buscam em Peirce inspiração para uma ética do trabalho intelectual quanto aos que desejam aprofundar-se na teoria geral dos signos para aplicá-la aos mais variados processos de comunicação;
- TransObjeto – estuda as implicações das tecnociências emergentes na epistemologia, ética e política, investigando as mais variadas correntes do recente movimento filosófico conhecido como realismo especulativo;
- Sociotramas – dedicado ao estudo das redes sociais digitais e temas circundantes.
“Se eu pudesse resumir em uma só palavra o que a professora Lucia Santaella representa para mim seria inspiração. Ela é uma mulher que está sempre à frente de seu tempo; é uma fonte de energia poderosa e inesgotável, que nos estimula a pensar, criar e agir de maneira inovadora. Sorte a minha de ter cruzado seu caminho e ter podido testemunhar e participar de parte de sua trajetória admirável” (Patrícia Fonseca Fanaya, dos grupos Sociotramas e Rede de Pesquisadores Peirceanos).
Muito por isso, Santaella considera-se uma guerrilheira arrefecida ou uma missionária no sentido de abrir espaços de conhecimento para a ocupação do outro, “os jovens, aqueles que levam em seu ser as sementes do futuro e cuja frutificação saudável depende muito da realidade que entregamos a eles. Não apenas a juventude de nascimento, mas essa outra juventude louvável daqueles que permanecem mordidos pela curiosidade intelectual acionada pela máquina do desejo, como diria [Gilles] Deleuze [1925-1995]”.
Entre seus muitos méritos, destaca-se a presidência da Charles S. Peirce Society, nos EUA, em 2007. Além disso, integra o Advisory Board do Peirce Edition Project, em Indianapolis, e o Bureau de Coordenadores Regionais do International Communicology Institute. Santaella também foi membro associado do Interdisziplinäre Arbeitsgruppe für Kulturforschung (Centro de Pesquisa Interdisciplinar em Cultura), da Universidade de Kassel, onde atuou de 1999 a 2009.
Reconhecida pela interdisciplinaridade que caracteriza seu trabalho, frequentemente reforça que ser semioticista na linha de C. S. Peirce é adotar um compromisso incondicional com múltiplas áreas do saber. Não à toa, compõe o corpo editorial de mais de 30 periódicos, com publicações provenientes de diversos países, incluindo Brasil, México, Itália, Canadá, Portugal, Espanha, Áustria e Dinamarca, entre outros.
Sua excelência tem sido celebrada. Santaella foi selecionada para receber o Prêmio Sebeok Fellow durante a reunião de setembro da Sociedade em Praga. O Prêmio Sebeok Fellow, a mais alta honraria concedida pela Sociedade, “reconhece contribuições excepcionais para o desenvolvimento da doutrina dos signos”. “Não consigo me lembrar de ninguém que tenha contribuído mais para a ciência da semiótica e para o avanço do rico paradigma semiótico iniciado com Charles S. Peirce do que você [Lucia Santaella]. Esta foi a opinião unânime do Comitê do Prêmio Sebeok deste ano”, afirmou Nathan Houser, presidente do Comitê do Prêmio. Recebeu ainda o Prêmio Sergio Motta Liber em Arte e Tecnologia, em 2005, e o Prêmio Luiz Beltrão – Maturidade Acadêmica, em 2010, além de muitas outras honrarias. Para quem deseja explorar mais sobre suas conquistas, vale a pena conferir a extensa lista de seus prêmios e títulos acumulados ao longo de sua trajetória.
“Poderia dizer que o que torna Lucia Santaella uma professora com uma legião de fãs é seu conhecimento vasto, seu raciocínio afiado e sua constante atualização. Mas seria pouco diante da sua generosidade, que faz toda a diferença! Ela traz um sopro de esperança de que a verdade, o bom senso e a bondade persistem, mesmo nas condições adversas pelas quais a ciência e as universidades passam em várias partes do mundo” (Paulo Silvestre, orientando de doutorado no Tidd).
- Em torno de 50 trabalhos completos publicados em anais de congressos
- Mais de 500 apresentações de trabalho
- Cerca de 100 de demais tipos de produção técnica e cursos de curta duração/ especialização/ extensão
- Quase 400 participações em eventos, congressos, exposições e feiras
- Quase 50 organizações de eventos, congressos, exposições e feiras
- Só no google acadêmico já foi citada mais de 35.000 vezes
Lucia Santaella segue ampliando os horizontes entre a precisão lógica da semiótica peirciana e as transformações aceleradas da era pós-digital. Seu trabalho reflete uma notável capacidade de transitar entre diferentes universos de pensamento, dialogando com as bases estruturadas da filosofia e as dinâmicas desordenadas das tecnologias emergentes. Por meio de sua trajetória de pesquisa, escrita e profundo compromisso com a educação, Santaella não apenas constrói teorias e publica obras fundamentais, mas também interpreta os signos do nosso tempo. Além disso, revela-se uma intelectual generosa, que compartilha seu conhecimento com entusiasmo e inspira uma nova geração de pensadores. Ao transitar e explorar esses universos complexos, Santaella ilumina os desafios do presente e traça caminhos para o futuro, consolidando um legado vivo e em constante evolução.
Por fim, um depoimento marcante de um ex-orientando ilustra a poderosa presença da professora Santaella em sala de aula.
“Quando lemos por muitos anos vários livros de um autor acabamos associando a voz que achamos que ele tem com a nossa própria voz interna. É uma espécie de ‘estado de indiferenciação’. Uma sopa primordial do entendimento. Lembro-me ainda da sensação, um híbrido de estranheza e familiaridade, que tive ao ouvir pela primeira vez a voz da professora Santaella em sala de aula. Estranho porque era uma voz vivaz que se diferenciava da minha monótona voz interna que por anos tentara me ensinar aqueles complexos conceitos peirceanos: “interpretante imediato”, “legi-signo simbólico remático”, “percepto”, “percipuum”, “phaneron”, “faneroscopia”, entre outros cujos nomes me escapam agora. Familiar porque os tópicos tratados em sala eram mais ou menos os mesmos aos quais me acostumara a acessar a partir da letra muda dos livros. Com as aulas, os conceitos foram se encaixando como um mosaico com imagens cada vez mais nítidas, cada vez menos vagas. É incrível o poder que a fala ao vivo do autor-professor tem de dissolver a má compreensão e a vagueza criadas por uma leitura solitária e claudicante do leitor-aluno. Esse é mesmo um fenômeno curioso. Idealmente livros são escritos por teóricos ou pesquisadores para serem exposições claras, mais lógicas e diretas de suas ideias (a exceção, óbvio, são os franceses contemporâneos). Aulas são circunlóquios, um vai e vem temático geralmente entremeado por relatos biográficos e reclamações da burocracia acadêmica. As aulas de Lucia sempre me pareceram uma espiral que a cada volta ia dissipando as névoas da complexidade dos textos tanto dela como, de forma indireta, de Peirce. Passei a chamar (internamente na minha mente e somente lá mesmo) de ‘anima bibliográfica’ essa experiência, esse sentimento que emerge quando começamos a separar, a partir de um encontro ao vivo, a voz do autor ao qual dedicamos anos de leitura de nossa voz interna de leitor, abandonando aos poucos uma compreensão inicial, fraca e vaga rumo a uma compreensão mais profunda, orientada e fundamentada do objeto de estudo. Deve haver em alemão uma palavra para designar essa experiência (um dia tiro essa dúvida com o professor Winfried). Em português, não há. Por isso, criei esse item no meu léxico mental. Não sei se é de muita serventia, pois não sei se algum dia terei a oportunidade de experienciar tal sentimento novamente. Parece ser daquelas experiências que se localizam temporalmente na juventude, nos primeiros passos de longas jornadas, e se adensam afetivamente na memória, de onde passam a ser resgatadas de tempos em tempos embebidas de nostalgia. Talvez seja uma categoria com um exemplar solitário. Talvez só disponível para privilegiados. É dessas experiências nos limites do inefável. Fosse um poeta, um artista, teria arranjado uma expressão mais adequada, uma tradução ou transcriação melhor. Como não sou, fiquemos com as letras modestas e emudecidas desses parágrafos (Gustavo Rick é pesquisador do Ciep e TransObjeto e editor executivo da revista Teccogs, do Tidd).
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