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30 JUL 2025

“Lei do Mandante" fragmenta cenário das transmissões de futebol no Brasil em 2025


Le Monde Diplomatique Brasil - 30/7/2025 - [gif]


Autor: Maria Isabel Lopes, Amanda Trovó e Anderson David Gomes do Santos
Assunto: Conectividade, Internet, streaming

Com o fim da Copa do Mundo de Clubes, as competições nacionais são retomadas e têm de se encaixar em uma nova realidade dos direitos de transmissões em território brasileiro

A exibição do futebol brasileiro em 2025 apresenta um novo cenário na história da transmissão esportiva, após a implementação plena da “Lei do Mandante” (14.205/2021)”. Essa legislação permitiu que os clubes negociassem diretamente com as empresas de comunicação os direitos de transmissão dos jogos onde são os mandantes.

Neste novo contexto, o ciclo contratual para exibição do Campeonato Brasileiro de futebol masculino (2025 a 2029) mostra poucas mudanças estruturais diante de um processo longo em que as equipes brasileiras se dividiram em dois blocos: a Liga Brasileira de Futebol (Libra) e a Liga Forte União (LFU). Apesar de possuírem estratégias comerciais diferentes, a finalidade era a mesma: arrecadar mais recursos. E nisso, acabaram se equivalendo nos valores de receita. Enquanto a Libra deverá distribuir um total de R$ 1,17 bilhão, a LFU deve investir pouco mais de R$ 1,3 bilhão.

Este texto apresenta um panorama atualizado sobre a distribuição das transmissões do futebol profissional masculino em 2025 no Brasil. Aponta-se a fragmentação do mercado e o impacto do consumo digital na experiência dos torcedores.

As transmissões esportivas em 2025

O Observatório das Transmissões de Futebóis tem se dedicado a realizar anualmente o levantamento dos dados das exibições dos principais campeonatos de clubes do Brasil e do mundo. Em 2025, o monopólio permanece, afinal, o Grupo Globo, que além da TV aberta, conta com o SporTV na TV fechada e com o Premiere no pay-per-view, continua liderando a corrida dos direitos de transmissão das principais competições: Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores, Super Mundial de Clubes, entre outros.

O ano de 2025 marca, porém, a consolidação de outras emissoras já conhecidas pelo público. O primeiro adendo da lista das transmissões é a Rede Record, que a partir do acordo com a Libra, pode transmitir um jogo por rodada do campeonato nacional – além de transmitir o principal campeonato estadual: o Paulista.

O segundo adendo dessa lista é a Cazé TV. Já bastante inserida na programação esportiva, transmite nesta temporada o Brasileiro (com um jogo por rodada), o Super Mundial de Clubes, além de promover as transmissões de algumas competições europeias como a Europa League e a Conference League – que além da transmissão do YouTube, contam com um jogo por rodada na Band.

O SBT também aparece na lista de emissoras com transmissões esportivas – por conta da UEFA Champions League – que também é transmitida pela TNT Sports e pela MAX, no streaming.

Por fim, vale menção a outros dois agentes importantes nas transmissões: o Amazon Prime Video e a ESPN. O Prime Video tem em seu catálogo de streaming duas importantes competições: o Brasileiro (onde transmite um jogo por rodada) e também a Copa do Brasil. Enquanto isso, a ESPN transmite a Libertadores, a Sul-Americana e a Copa do Nordeste (que divide com o Grupo Globo – através do Premiere).

Por fim, vale ressaltar a participação da TV Cultura, que mostrou a final da Copa Verde em cadeia nacional de transmissão, assim como o Nosso Futebol, que exibiu a Copa do Nordeste através do streaming.

As transmissões do futebol masculino desde 2012

O Observatório das Transmissões de Futebóis se dedica a levantar os dados das transmissões dos campeonatos dos futebóis masculino e feminino no Brasil ocorridos desde 2012. A partir da coleta dessas informações, alguns padrões e mudanças são possíveis de serem notados, como mostra o gráfico a seguir.

A Globo é dominante no mercado de transmissões de futebol masculino no âmbito nacional. Brasileirão e Copa do Brasil, desde 2012, são produtos do Grupo Globo e seus canais (o SporTV na TV fechada, o Globoplay no streaming e o Premiere no pay-per-view). Em alguns momentos, outros agentes dividem as transmissões com o Grupo – como a Band entre 2012 e 2015, a ESPN em alguns momentos da sua história também exibiu a Copa do Brasil (entre 2012 e 2017) e, atualmente, a LiveMode através da Cazé TV e a Amazon Prime Video.

As competições continentais, como a Libertadores, a UEFA Champions League, a Sul-Americana, além da UEFA Europa League e, posteriormente, a UEFA Conference League, foram exibidas por diferentes agentes transmissores.

Entre as competições sul-americanas, a dominação do Grupo Disney – agora composto por ESPN, a antiga Fox Sports e o Disney+ no streaming – acontece desde 2019. O Grupo Globo também transmitiu ou transmite alguns desses campeonatos, atualmente exibe a Libertadores; assim como o SBT exibiu a Libertadores e mostra a Sul-Americana; mas antes a RedeTV também mostrou a Sul-Americana e até mesmo o Facebook tentou se aventurar no mercado com a Libertadores.

Já entre as competições europeias, Grupo Globo e Grupo Disney dividiram o duopólio por um tempo, até a entrada do Grupo Warner Bros. Discovery (que possui a TNT Sports). A aquisição da UEFA Champions League desde a temporada 2017-2018, considerada a principal competição de clubes do mundo, pode ter iniciado uma era de mudanças em como as transmissões são feitas e como esses agentes podem dialogar no mercado. Outras emissoras cotidianas na vida dos brasileiros também contam com futebol nas grades televisivas. O SBT atualmente é detentor de um jogo da UEFA Champions League na TV aberta, enquanto a Band transmite a UEFA Europa League em escala nacional.

Como citado anteriormente, a TV aberta ainda é o principal meio de assistir uma transmissão do Campeonato Brasileiro – que hoje pode ser assistido na TV Globo e na Record, por conta dos acordos da LFU e da Libra com as emissoras. Mas meios alternativos, como o YouTube através da Cazé TV são meios importantes para uma mudança no panorama das transmissões esportivas no Brasil. Além disso, a Amazon Prime Video detém a exclusividade de exibição de um jogo por rodada, de clube da LFU como mandante, o único que não pode estar em nenhuma mídia do Grupo Globo.

Enquanto isso, a TV aberta também têm de se adequar à nova realidade tecnológica e do mercado. O Grupo Globo, enquanto conglomerado comunicacional, também utiliza o streaming (Globoplay) além de seu canal na TV por assinatura e também no pay-per-view com o Premiere para consolidar seu modelo de transmissões, mas vê a LiveMode e a CazéTV promovendo acordos com a Amazon Prime Video, com a Disney+ e até mesmo com a Sky para reprodução de seus conteúdos futebolísticos – ao menos, foi o que aconteceu durante as transmissões da Copa do Mundo de Clubes.

Streaming, TV aberta e considerações para quem consome o programa futebol ao vivo

Enquanto clubes como Flamengo, Palmeiras, Atlético-MG e Bahia, da Libra, buscaram a exclusividade de seus jogos com o Grupo Globo, as equipes da LFU, como Corinthians, Internacional e Fortaleza, resolveram pulverizar a transmissão, algo que representa sinais de uma alteração no consumo do futebol. O que conhecíamos como modelo de transmissão mudou, pois nem sempre a partida está passando no lugar que estaria há cinco anos.

Isso pode se tornar um golpe pesado para o torcedor e para a torcedora, que além de encontrar uma realidade onde o ingresso no estádio está mais caro, precisa considerar para o consumo do futebol no audiovisual os preços dos streamings, mais um empecilho para ver seu time. Assim, como destacam Fernandes e Ferreira (2024), “o controle das transmissões, antes concentrado em poucas emissoras de televisão, hoje está disperso entre um número crescente de atores1”.

O consumo de conteúdo via streaming se expandiu significativamente nos últimos anos. Plataformas como Amazon Prime Video, HBO Max, Paramount+, Disney+ e YouTube estabeleceram um novo paradigma na distribuição audiovisual. Contudo, o acesso a esses serviços requer, no mínimo, uma conexão de internet estável – muitas vezes de alta velocidade – e equipamentos compatíveis, além do pagamento de assinaturas.

Sobre isso, é preciso considerar que a realidade brasileira ainda é marcada por desigualdades. Segundo a Pesquisa TIC Domicílios 2024, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), cerca de 10% da população não possui acesso regular à internet, sendo esse índice mais elevado nas regiões Norte, Nordeste e em áreas rurais. Fatores como renda familiar, escolaridade e localização geográfica interferem diretamente nessa exclusão.

Nesse contexto, a televisão aberta continua sendo fundamental. De acordo com dados da PNAD Contínua (2023), cerca de 94,3% da população brasileira têm acesso à TV aberta2. Apesar do crescimento do uso da internet e, consequentemente, sites de redes sociais, aplicativos de audiovisual e de streaming, a TV permanece como um dos meios de comunicação mais relevantes dada a sua penetração nacional.

A televisão aberta, especialmente representada pela TV Globo que lidera o mercado no Brasil desde a década de 1970, ainda exerce papel central na mediação de grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo e o Campeonato Brasileiro. Isso se deve à sua gratuidade e abrangência nacional. De acordo com o relatório Inside Video 2024, da Kantar IBOPE Media3, os brasileiros dedicam, em média, quase cinco horas diárias ao consumo de televisão. Isso mostra que a audiência ainda continua grande e evidencia uma construção cultural e social do objeto no cotidiano do brasileiro.

Embora essa forma de mídia ainda domine em termos de audiência, novas plataformas vêm conquistando espaço, especialmente entre os públicos mais jovens e conectados. Serviços de streaming, canais fast e no YouTube oferecem conteúdos sob demanda, bastidores, análises técnicas e transmissões ao vivo. No entanto, seu acesso depende de conexão à internet — recurso ainda inacessível para parte da população.

O acesso ao streaming depende de infraestrutura, dispositivos e pagamento de assinaturas. O YouTube, embora gratuito, também exige conexão estável à internet e disponibilização dos dados pessoais. É importante ressaltar ainda sobre este que o modelo de publicidade para quem não tem assinatura interrompe as transmissões de surpresa, algo ruim para um programa ao vivo.

Assim, discutir os direitos de transmissão não é apenas uma questão técnica ou comercial, mas também estrutural: envolve inclusão digital, políticas públicas e equidade no acesso à cultura e ao lazer. Além disso, embora as plataformas digitais estejam moldando um novo ecossistema midiático, é improvável que a TV aberta desapareça no curto ou médio prazo. Sua permanência reflete desigualdades persistentes que também influenciam o acesso ao esporte e ao entretenimento.

Mesmo diante do crescimento das plataformas digitais, a TV aberta mantém sua relevância, especialmente na cobertura de grandes eventos e no acesso a públicos diversos. Trata-se de um meio gratuito, acessível mesmo aqueles que não dispõem de internet, TV por assinatura ou dispositivos digitais.

Diante desse panorama, o mais provável é que se consolide um modelo de coexistência entre as diferentes formas de transmissão. A TV aberta deve continuar exercendo protagonismo nos eventos de maior apelo popular, enquanto as plataformas digitais ganham espaço com formatos segmentados e interativos. Cada meio atenderá a demandas específicas, compondo um ecossistema mais diversos e adaptados à realidade brasileira.

O que é possível concluir

A permanência da televisão aberta como principal meio de transmissão esportiva no Brasil é reflexo direto das desigualdades estruturais. Embora o avanço das plataformas digitais possa representar inovação e personalização na experiência do torcedor, sua universalização esbarra em barreiras socioeconômicas e até mesmo tecnológicas. A discussão das transmissões esportivas continuará por muitos anos até por conta dos diversos fatores culturais envolvidos em apenas uma partida de futebol.

Por fim, apesar das transmissões esportivas estarem espalhadas pela TV aberta, pela TV fechada e pelo streaming, a situação das exibições das partidas de futebol mudou, mas o Grupo Globo continua com os principais torneios, ainda que agora encontre na LiveMode, a partir da CazéTV, e no Amazon Prime Video novas concorrentes que adentraram ao mercado e estão em parceria ou na disputa pela transmissão de futebol masculino no Brasil.