Jovens sem aula ganham ajuda de atleta olímpica: "Para pagar Internet, tenho que abrir mão de água ou luz"
Globo Esporte - 15/7/2020 - [gif]
Autor: Denise Thomaz Bastos e Marcel Merguizo
Assunto: TIC Educação 2019
Além de arrecadar dinheiro para pagar Internet a alunos de projeto social, Aline Silva pede doação de celulares usados para jovens terem acesso às aulas durante a pandemia
Expectativa: aulas à distância na quarentena. Realidade: crianças e jovens no país não têm acesso à educação online em suas casas. Basta olhar uma pesquisa feita pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil, chamada de TIC Educação, em 2019, que mostra que 39% dos alunos de escolas públicas do Estado de São Paulo não têm acesso a um computador ou tablet. Os números são similares em todo o Brasil. Em São Paulo, dos 3,5 milhões de alunos da rede estadual, apenas 1,6 milhão, ou seja, menos da metade, está conseguindo acessar as plataformas de ensino criadas pelo governo.
"Para eu poder pagar Internet eu tenho que abrir mão de pagar uma água ou uma luz, e sem água e sem luz não tem condições, né? - relata a mãe de duas alunas do projeto"
Para ajudar uma parte desses alunos, os do projeto social Mempodera, a atleta olímpica Aline Silva, da luta, criou uma campanha para arrecadar dinheiro para pagar acesso à Internet e também está pedindo a doação de celulares usados para dar a essas famílias que não conseguem nem sequer prover esse direito às crianças e jovens.
- Na verdade, é um fato: pouquíssimos alunos lá na região, no bairro Bolsão, em Cubatão, onde o projeto está, tem acesso à Internet de banda larga, essa Internet que a gente está acostumado a contratar, o WiFi é de uma Internet via rádio. Eu morei lá no bairro e eu posso dizer que não funciona bem, até mesmo porque é uma cidade no pé da serra e via rádio depende desse sinal. Então, choveu, nublou, já não vai funcionar. E ela não tem planos tão acessíveis, então não é todo mundo que tem acesso. E vou para outra situação, eu tenho alunos que não tem aparelho celular, que nunca tiveram computador, alguns que tem o aparelho mas ele não comporta o download do Whatsapp - explica Aline Silva, que já foi vice-campeã mundial de luta olímpica, hoje chamada wrestling, e representou o Brasil nos Jogos Olímpicos Rio 2016.
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Aline Silva e Rayane Lima, com a medalha dos Jogos Escolares Nacionais — Foto: Divulgação
Um dos exemplos é o da Jeane. Ela tem duas filhas que participam do projeto social em Cubatão. E agora, sem poder ter as aulas presenciais, devido à pandemia do novo coronavírus, elas não conseguem acompanhar nem a escola nem o projeto.
- A Mikaele e a Rayane já foram para o Rio de Janeiro. Rayane foi para o Rio Grande no Norte, Brasília e também já foi para outro lugar que eu não lembro o nome. Para mim é um orgulho, né? Elas estão tendo uma oportunidade que na minha época eu não tive. Eu queria poder fazer mais por elas, poder ter uma ajuda de um lado ou do outro, algum serviço mesmo, se eu estivesse empregada me ajudaria e eu poderia colocar Internet para elas poderem estudar, comprar um notebook na prestação para poder usar dentro de casa. Meu marido está desempregado. Mesmo sendo tão importante para o estudo das meninas, acaba sendo um luxo. Não dá para priorizar isso, certo? Para eu poder pagar Internet eu tenho que abrir mão de pagar uma água ou uma luz, e sem água e sem luz não tem condições, né? - diz Jeane.
- Eu me sinto triste, né, eu não estou conseguindo acompanhar as aulas. Mas desistir nunca, se depender de mim eu vou fazer isso até minha morte - afirma Rayane Lima, que viajou pela primeira vez de avião para os Jogos Escolares Nacionais e ainda conquistou uma medalha na competição.
Para que os alunos voltem a participar do projeto e consigam também assistir às aulas da escola, o Mempodera criou uma vaquinha virtual para arrecadar R$ 7.934,00, dinheiro que vai garantir seis meses de acesso à Internet para os mais de 80 alunos. Dentre esses, menos de dez estão acompanhando o projeto atualmente. O que exceder esse valor vai ser transformado em cestas básicas, produtos de higiene e material de limpeza e cuidados básicos para as famílias até quando o projeto voltar a ser presencial.
Maria Isabel, de 14 anos, está no projeto desde 2018, têm acesso à Internet em casa e está preocupada com amigas como a Rayane.
- Não só por conta das notas, mas ela não vai conseguir aprender nada, evoluir nada nessa quarentena, então ela não vai conseguir estar por dentro das coisas que estão acontecendo, estar por dentro das aulas, conversando com os professores, conseguindo tirar as dúvidas de coisa que estão aí no dia a dia - diz.
- O que a gente pode fazer hoje de melhor é ressignificar nossa casa, é aprender, é fazer curso online, todo mundo fala isso nas lives, mas e quem não tem essa condição, então é importante ajudar na campanha, porque é isso que quem contribuir vai estar oferecendo acesso, acesso a educação, acesso a Internet para jovens que precisam. E às vezes o celular, para você, não tem mais valor monetário ou não dá para usar porque muitas vezes não comporta mais o teu dia a dia. Mas para outra pessoa ele vai servir e muito, eu mesma tinha uma aparelho que eu não estava usando e eu já doei. Isso pode fazer uma diferença gigante na vida de um jovem agora, durante a quarentena, né? Você pode abrir as portas do mundo para ele através de um aparelho usado - conclui Aline.