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15 MAI 2025

IA muda a cara da Web — nem o Google escapa das transformações impulsionadas pela Geração Z


Estadão - 14/5/2025 - [gif]


Autor: Flávio Pinto
Assunto: Inteligência Artificial

Pesquisador destaca, no Summit Tecnologia e Inovação, as transformações provocadas pelo uso da inteligência artificial e como até o principal buscador do mundo tem enfrentado dificuldades

De tempos em tempos, a mesma pergunta volta à tona: estaria a web tradicional em declínio? Esse foi o tema da palestra de abertura do Summit Tecnologia e Inovação, evento que faz parte da celebração dos 150 anos do Estadão, realizado nesta quarta-feira, 14, no Unibes Cultural, em São Paulo.

Convidado para refletir sobre o futuro da internet, Diogo Cortiz, professor da PUC-SP e pesquisador do NIC.br, destacou como a inteligência artificial está moldando um novo paradigma digital, com impacto direto na forma como acessamos e consumimos informações. Nos anos 2010, embalado pelo sucesso do iPhone, a revista Wired chegou a prever que os aplicativos substituiriam a navegação convencional.

Quase 15 anos depois, o debate ressurge — agora impulsionado pelo avanço da IA. Segundo Cortiz, essa transformação já é perceptível na mudança de comportamento de gigantes da tecnologia, como o Google. Antes praticamente soberano no campo das buscas online — com cerca de 95% de domínio nesse mercado —, o buscador agora enfrenta um processo inédito de antitruste nos Estados Unidos e começa a ver seu espaço ser ocupado por novas plataformas, como o TikTokespecialmente entre os usuários da Geração Z.

“Esse era o mundo digital como o conhecíamos, estruturado em um modelo consolidado. Mas esse modelo está sendo desafiado por novas formas de interação e busca de informação”, afirmou o professor. Ele cita como exemplo o crescimento do ChatGPT, que já figura entre os cinco sites mais acessados do mundo, segundo pesquisa feita pela Semrush, plataforma de SEO. “Estamos vendo uma transição: de um buscador que direciona para páginas, para uma plataforma que entrega respostas prontas.”

Em outro levantamento, que complementa os dados anteriores, a consultoria Bain & Company revelou que 80% dos consumidores já recorrem à inteligência artificial em aproximadamente 40% de suas buscas. Em outras palavras, quase metade do processo de pesquisa desses usuários está sendo direcionada para ferramentas de IA, em vez dos buscadores tradicionais ou sites convencionais.

A mesma pesquisa da Bain aponta que o tráfego orgânico da web já sofreu uma queda entre 15% e 25%. Isso se traduz em menos acessos a sites, menor dependência de links e uma crescente centralização das respostas em plataformas automatizadas — um movimento que tem potencial para redefinir todo o ecossistema digital, afetando desde a publicidade e a produção de conteúdo até os próprios modelos de negócio baseados na informação online.

Especialistas apontam que essa transformação vai além da tecnologia, indicando uma nova lógica de interação — mais rápida, personalizada e orientada por inteligência artificial. Ainda assim, o futuro da web segue indefinido e dependerá das decisões de usuários, empresas e reguladores.

Resposta do Google

Em meio a essas transformações, o Google não deixou barato. Em agosto de 2024, o buscador criado por Larry Page e Sergey Brin, lançou o AI Overview, uma funcionalidade que resume as buscas dos usuários. “Do ponto de vista da experiência do usuário, isso é incrível — você não precisa mais clicar em diversos links ou navegar por várias páginas para encontrar a informação que procura”, afirma Diogo Cortiz.

Ele destacou que essa mudança traz uma série de consequências. Cortiz aponta que um estudo da CIR Interactive, consultoria especializada em SEO, mostrou que, quando o AI Overview aparece nos resultados de busca, ele elimina até 70% do tráfego que iria para os sites. Ou seja, os sites que produzem o conteúdo deixam de receber visitas, resultando em perdas tanto de ganhos diretos — como anúncios e assinaturas — quanto de ganhos indiretos, como a construção de reputação e o engajamento com o público.

“Se ninguém acessa o conteúdo, como esses sites vão vender anúncios? Como vão atrair novos leitores, assinantes ou seguidores nas redes sociais? O que acontece é que os grandes modelos de IA estão acessando, resumindo e entregando o conteúdo diretamente ao usuário, sem a intermediação dos criadores originais”, explica.

Cortiz também levanta uma reflexão importante: “Como será o comportamento de busca e acesso à informação daqui a cinco ou dez anos, especialmente considerando que a Geração Z estará no centro desse universo digital? É possível que essa nova geração já não queira mais acessar links ou navegar como fazíamos antes.”

O papel do jornalismo na era da IA

Sobre o papel do jornalismo na era da IA e como reavivar o caráter comunitário da profissão, Diogo Cortiz destacou que a apuração continua sendo a base fundamental do jornalismo, algo que a inteligência artificial – ainda – não é capaz de realizar.

“Esse é o ponto inicial”, afirmou. “Assim como a maioria dos influenciadores, que não faz apuração, a IA também não realiza esse trabalho. Muitas vezes, as pessoas acabam consumindo conteúdo originado de veículos de informação apenas porque há um link direto para ele. Esse consumo direto da fonte é extremamente valioso e sempre enfatizo essa importância.”

Ele destacou que o jornalismo enfrenta o desafio de se adaptar ao novo comportamento dos usuários, que agora buscam informações de maneira mais rápida, mas nem sempre assertiva. Para Cortiz, há um impacto no modo como a notícia é consumida. Apesar de o especialista ser otimista em relação à IA como tecnologia, ele foi pragmático quanto aos seus impactos econômicos e sociais.

“A IA vai melhorar com o tempo, mas o maior obstáculo que vejo é de ordem econômica e financeira”, disse Cortiz. Ele destacou que, a longo prazo, se desenha uma grande concentração de poder nas mãos de poucas plataformas e players. Por isso, enfatizou a importância de discutir o acesso à informação e a remuneração dos produtores de conteúdo, especialmente em um contexto de grande concentração de dados nas mãos das grandes empresas de tecnologia.

A tecnologia não é a inimiga

A palestra “A Web está desaparecendo? Como a IA redesenha o mundo digital” foi o painel de abertura do Estadão Summit Tecnologia e Inovação. O CEO da S/A O Estado de S. Paulo, Erick Bretas, enfatizou que a tecnologia não é inimiga do progresso social, mas seu impacto depende de como os seres humanos a utilizam.

“Assim como a tecnologia pode conectar pessoas ao redor do mundo e gerar oportunidades tanto positivas quanto negativas, a manipulação do átomo ilustra bem isso: ela pode ser usada para produzir energia e aquecer nossas casas ou, por outro lado, ser aplicada na criação de bombas nucleares”, ressaltou.

Bretas também ressaltou a importância de se adaptar às mudanças, mencionando que o uso de IA pode automatizar tarefas repetitivas e permitir mais foco em atividades criativas.

O secretário municipal de Inovação e Tecnologia de São Paulo, Milton Vieira, também esteve presente no evento e abordou o avanço da cidade em direção a um modelo digital.

Em sua fala, Vieira comparou o serviço público a um carro, destacando a evolução dos processos. “Antigamente, para dirigir, era necessário seguir vários passos: pisar na embreagem, desengatar a partida e travar as portas. Hoje, basta apertar um botão, pisar no freio e colocar o cinto de segurança. Em alguns países, o carro até trava caso o cinto não seja colocado”, explicou.

Vieira ressaltou que o serviço público deve seguir a mesma lógica: ser inteligente e eficiente, sempre com foco nas pessoas. “Uma cidade inteligente só pode ser realmente considerada assim se levar em conta as necessidades e a experiência de seus cidadãos”, concluiu.