Gabs Entrevista: Iberê Thenório
Blog do Gabriel Ferreira - 8/10/2019 - [gif]
Autor: Gabs Ferreira
Assunto: Conferência Web.br 2019
Fui convidado pra cobrir a Conferência Web.br de 2019 sobre os 30 anos da web, que vai rolar nos dias 30 e 31 de Outubro em São Paulo.
Um dos palestrantes é justamente o ilustre Iberê Thenório!
O Iberê tem junto com sua esposa Mariana Fulfaro um canal incrível sobre ciência no Youtube: o Manual do Mundo.
Tive o privilégio de conversar com ele por 20 minutos e fazer perguntas sobre internet, criação de conteúdo e youtube.
Antes de você trabalhar com youtube você era jornalista, é isso mesmo?
Exato!
E trabalhava com o que especificamente?
A maior parte do tempo eu trabalhei no G1 com ciência.
E quando percebeu que poderia criar conteúdo, ser um youtuber e fazer vídeos?
A gente começou a fazer isso em 2008. Essa palavra, youtuber, simplesmente não existia: ela começou a surgir lá pra 2013, bem depois que tinhamos começado.
Começamos pensando em fazer um portal e ensinar as coisas com vídeo. E aí o youtube nessa época foi só uma forma de poder hospedar os videos em uma plataforma confiável e gratuita. Antes do youtube não tinha como colocar vídeo na internet a não ser que você tivesse um servidor parrudo.
Ninguém falava de canal, não era monetizado, era outro ecossistema.
E aí começaram a fazer os vídeos com a junto com o portal?
Nos preocupamos em fazer um site bem buscável, com as palavras-chave específicas e tudo mais. Por muito tempo, o site dava mais audiência do que o youtube.
O que vocês ensinavam nos vídeos lá no início eram coisas que vocês já sabiam fazer ou eram coisas que pesquisavam especificamente pra gravar?
No começo quase tudo que gravávamos, a gente já sabia fazer. Depois dos 50 primeiros tivemos que começamar a pesquisar porque uma hora esgota né? Hehehe.
E também porque tem uma necessidade de audiência: os vídeos precisam ser legais e chamativos. Nosso caminho foi sendo traçado ao longo do tempo, sabe? Não é uma coisa que você definimos no início e depois nunca mudou. Tanto que no começo a gente quase não falava de ciência: ensinávamos mais sobre coisas em casa, dar tipos de nós, dicas domésticas de como economizar água.
Com o tempo fomos entrando mais na seara e ciência porque as pessoas pediam, eprecebemos que era uma necessidade e deu certo.
Depois de quanto tempo de canal vocês começaram a olhar e perceberam que poderiam transformá-lo em um negócio e viver disso?
No início de 2012, quase 4 anos depois. Naquela época não era um caminho que alguém já tinha trilhado. Quem fazia youtube nessa época era o Felipe Neto, PC Siqueira e um ou outro.
Nada disso que a gente vê hoje não existia, devia ter meia dúzia de pessoas que viviam de youtube no Brasil. Nesse sentido somos muito pioneiros.
Apesar de tudo, o canal já tinha muita audiência: na casa dos milhões de views por mês. Ou seja, a gente sabia que a coisa ia esquentar e que estávamos no começo de uma onda que iria crescer muito.
Desde o início vocês tinham essa preocupação com gravar com qualidade?
*No começo a gente não tinha dinheiro pra gravar com qualidade audioviosal, as gravações eram feitas num ap de 25m quadrados que a gente morava. Tinhamos que desmontar a cozinha inteira e colocar as coisas no meio da sala pra conseguir gravar e fazer uma puta bagunça, era terrível. *
Nos primeiros 80 vídeos usávamos câmera emprestada hahaha, nem isso a gente tinha. Mas nessa época o público também não tinha tanta exigência audioviosal.
Melhormos bastante, mas mesmo hoje nosso setup é enxuto. Sempre gostamos de trabalhar com a qualidade satisfatória audiovisual, mas com uma qualidade incrível de conteúdo.
Nosso foco é o conteúdo.
Claro que queremos ter iluminação boa, som bacana e tudo mais para publico se sentir confortável assistindo. Mas takes deslumbrantes não são o foco do Manual do Mundo.
No início era você e sua esposa, como está isso agora?
Temos 15 pessoas na equipe hoje e uma casa que é nosso quartel general com vários cenários diferentes. Contratamos muito freela pra fazer roteiros e pesquisas pra gente. Temos também temos 2 físicos trabalhando aqui dentro diretamente: um que é nosso braço direito e ajuda em todas as explicações pautas, e outro tá me ajudando a construir um submarino.
Iberê, eu confesso que eu particularmente não sou usuário assíduo de youtube. Sempre vejo um vídeo ou outro, mas sou o tipo de pessoa que se inscreve em um canal e fica vendo todos os vídeos. E você, assiste e consome bastante youtube?
Pouco, muito pouco. Assisto pra procurar pauta e o youtube vai me levando por vários caminhos. São poucos canais que vejo com frequência. Assisto alguns que fazem parte de um selo chamado Science Vlogs, que são canais de ciência e que levam o assunto a sério. Eles têm mais de 40 canais e alguns assisto bastante.
Gosto muito também do Nerdologia e Ciência Todo Dia, mas ainda assim não são coisas que acompanho toda vez que tem lançamento.
Quando vou fazer uma viagem de avião, baixo e dou uma maratonada de 40 vídeos desses canais, mas no dia a dia não da tempo. A gente vive numa correria muito grande porque ss vídeos são muito complexos de produzir e às vezes as coisas dão errado. Hoje mesmo eu tô gravando 2 vídeos e a Mari tá gravando um. Tudo ao mesmo tempo.
Você vai participar desse evento sobre os 30 anos da web, né? E me conta uma coisa: o que acha que estaria fazendo se não fosse a internet e o Youtube? Continuaria sendo jornalista?
Olha, nem sei porque quanto trabalhava com jornalismo eu já estava na internet. Quando eu entrei na faculdade a internet já era muito importante. Tenho pouquíssimos colegas de lá foram trabalhar no impresso, e mesmo quem foi no impresso já migrou pro digital.
Meu sonho quando tinha 16 anos e pensei em fazer jornalismo era trabalhar em revista de aventura, essas de viagens ou algo do tipo. E hoje faço algo parecido com isso: viajamos muito, montamos coisas malucas e saímos por aí pra lugares que nunca imaginei ir.
Não sei se você já deu uma olhada no canal, mas temos uma série chamada Boravê, onde entramos em lugares que ninguém pode entrar: usina nuclear de angra, dentro da turbina de Itaipu, mostramos como é como é feito um caixão, como é feita a coca-cola e várias coisas interessantes.
Acabamos de voltar Manaus, onde gravamos como é feita a caneta Bic e as latas de aluminio, como funciona encontro das águas. É uma vertente bem forte do canal, hoje várias pessoas só conhecem o canal por causa desse quadro.
Não são videos de how-to, são vídeos mostrando lugares que são cientificamente interessantes. Na maioria das vezes são fábricas que são difíceis de entrar, mas como temos esse tempo de estrada e acumulamos um portifólio de entrar em outras fábricas o pessoal começa a abrir as portas.
O que você vê hoje em dia na internet com relação a criação de conteúdo que você vê como tendência?
Não sei hahahaha. A gente grava muito em um formato que nós mesmo criamos e vamos nessa direção. Hoje em dia parece muito mais fácil começar uma coisa e dar certo logo de início. Tem vários canais que falam de ciência e já estão vivendo disso e é muito bacana. Existe uma tendência de aparecer mais canais pequenos, com produções mais simples e que conseguem sobreviver só daquilo. Isso é muito legal mesmo, você tem conteúdo pra todos os gostos.
Mas ao mesmo tempo, nessa diversidade de conteúdo também existe um perigo: existem os canais de fake news científicas ou alguns só com muita informação ruim mesmo. Isso quando a pessoa não quer zoar o barraco e aí a gente fica lutando contra eles. São nossos inimigos mesmo hahahaha.
Às vezes escuto pessoas falando "ah, quero ser youtuber, trabalhar pouco e ganhar dinehiro fazendo vídeo" e sabemos que não é bem assim. Que dica você dá pra quem tem vontade de ter um canal no youtube ou pra criar conteúdo pra internet de alguma forma?
Em 2007 a Mari queria criar um blog. Ela tinha acabado de se formar em terapia ocupacional na USP e queria escrever sobre o assunto. E eu programava, sabia criar um blog tranquilamente mas dá um trabalho né?
Eu falei seguinte pra ela: só vou criar seu blog se você trouxer 50 temas que você acha que pode escrever sobre. Aí eu teria certeza que você vai ter pelo menos um post por semana pra escrever. E ela me trouxe a lista, criamos o blog e foi um baita sucesso na época: ela ganhou um monte de pacientes e até deu entrevista pra TV.
Acho que esse é um exercício muito importante. Se você está pensando em fazer isso como fonte de renda, tem que parar e pensar se dá conta de fazer e se tem assunto pra falar. Então, faça esse exercício: pare e anote 50 assuntos sobre posts, podcasts ou vídeos que você pretende fazer pra ter uma ideia se você dá conta. Se não der conta, é melhor fazer outra coisa, mesmo porque 50 é muito pouco.
A gente tem mais de 1500 vídeos no Manual do Mundo e temos uma lista de pauta de uns 5000 guardados pra fazer. E é isso, o exercício de criação de conteúdo é principalmente de criatividade. Se você quer fazer, tem que encarar essa dificuldade, essa dor de cabeça que é criar coisa nova o tempo todo e ter coisa na gaveta pra suprir os momentos de dificuldade.
E é muito difícil.
Essa história de "vou fazer um video aqui e ali e ficar rico" é uma ilusão sem tamanho, memo porque você não sabe o dia de amanhã. Muitas vezes eu imaginei que o youtube fosse acabar no ano seguinte. Tem sido mais estável do que eu imaginava agora, mas é uma coisa que pode mudar no outro dia.
Você precisa pensar muito bem se vale a pena fazer, o que vai falar, se você tem autoridade pra falar sobre aquilo, se não tem como vai lidar com isso.
Afinal de contas, pra criar conteúdo como fonte de renda uma das coisas mais importantes é a frequência, não é?
Sim. Acho que aqui a gente lida bem com isso porque eu me preparei pra essa situação. Fui fazer faculdade pra me ver ensinando mesmo. Então se eu não estivesse fazendo video, estaria fazendo materia na TV ou alguma outra coisa muito parecida com isso.
E não é uma coisa simples, as vezes você olha pra um ou outro vídeo no youtube e fala: ah, isso é fácil de fazer. Quando você vai ver não é beeeem fácil. Eu não conheço nenhum youtuber que tá fazendo que não seja rato CDF de analisar audiência, sabe? Todo mundo que tá indo bem no youtube é muito bom de olhar os números, ver como o negócio tá indo e pensar em ideias novas. Por mais que a gente discorde do conteúdo, ache ruim ou discorde do que a pessoa fala, quem faz sucesso é muito craque nisso.