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24 SET 2021

Fundador da Internet nacional relembra criação da rede


Abranet - 23/9/2021 - [gif]


Assunto: História da Internet no Brasil

Considerado o "pai" da Internet no Brasil, Demi Getschko é personagem fundamental na história da Internet. Em entrevista para o especial de 25 anos da Abranet, o atual presidente do NIC.br falou sobre os principais marcos dessa trajetória.

Por volta de 1988, contou Getschko, começou uma grande pressão pela conexão brasileira às redes acadêmicas. Uma pressão que tinha dois focos importantes: o Laboratório Nacional de Computação Científica, no Rio, o LNCC, e a Fapesp, que era comandada pelo professor Oscar Sala. Sala havia montado um grupo, do qual Getschko era integrante e cujo objetivo era conseguir uma conexão brasileira ao exterior.

A primeira rede visada foi a Bitnet, e o LNCC foi o primeiro ponto brasileiro a se conectar a ela, em setembro de 1988. Um mês depois, a Fapesp também conseguiu se conectar à rede Bitnet, mas com uma diferença: a conexão se deu via um laboratório de física chamado Fermilab. Com isso, o grupo pôde acessar uma outra rede, a HEPnet [High-Energy Physics Network], frequentada por físicos. 

“Nós passamos a ter de cara duas redes em acesso, a Bitnet e a HEPnet e, mais do que isso, em nossa conexão à Bitnet, criamos uma rede local em São Paulo chamada ANSP, que unia as quatro universidades estaduais de São Paulo mais a Fapesp e o IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas]. Era uma rede de cinco nós, e este foi o começo das conexões brasileiras”, relatou Demi Getschko.

O primeiro “.br”, um marco importante para a internet brasileira, foi registrado em 1989 e, a partir dali, o Brasil passou a ter um sobrenome para usar nas máquinas nacionais, mesmo sem ter ainda a internet. “No fim de 1989, o Fermilab nos disse: ‘olha, a Bitnet não parece ter muito futuro, nós estamos começando a migrar a nossa estrutura para a internet e a gente vai fazer parte de uma rede chamada ESNet, Energy Science Network, e essa rede vai ser de nosso principal interesse’. Nós falamos: “poxa vida, mas, então, já que estamos juntos até aí com Bitnet/HEPnet, dê-nos uma carona para a internet’. Aí começamos a ver qual seria a necessidade de equipamentos, máquinas e software para poder fazer essa conexão à internet. Em fevereiro de 1991, os primeiros pacotes de internet começaram a funcionar, e nós passamos então a ter Bitnet, HAPnet e internet”, lembrou, acerca do começo da internet no Brasil.

Aquela conexão foi essencial, uma vez que, em 1992, ocorreu no Rio de Janeiro a ECO-92 e os pesquisadores que participaram do evento queriam manter contato com as bases.  

A internet, então, foi absorvendo as outras iniciativas, como as BBS – Bulletin Board System, que eram redes de interessados em algum tema unidos em volta de um número telefônico para trocar dados. Em 1994, o Brasil contava com várias BBS. “Eles decidiram que era muito melhor expandir essa ‘ilha’ de conectividade que cada um tinha, integrando-as ao ambiente de internet. Eu me lembro do Canal VIP do Mandic, do Dialdata do Tavares e um monte de outras BBS, que, imediatamente, resolveram que valeria a pena ter um gateway, uma conexão da ilha de usuários deles para poderem acessar a internet como um todo. Então, estava visível, em 1994, que a coisa ia se expandir”, relatou.

Um dos principais marcos da internet brasileira também se deu naquele ano. “No fim de 1994, depois de longas negociações, a Embratel, que era estatal, topou dar acesso TCP IP aos usuários, e se criou uma fila de pessoas interessadas em usar o protocolo. Na época, o ministro Sérgio Motta foi muito importante para isso, e todo mundo fez muita pressão para conseguir esse tipo de conexão. Em seguida, já em 1995, ficou claro que o ideal não seria que a Embratel fizesse a conexão de todo mundo, mas que, na verdade, ela fosse a fornecedora atacadista para as teles, que seriam as fornecedoras aos provedores e os provedores seriam fornecedores para o usuário final. Com isso, nós criamos teoricamente o círculo virtuoso no Brasil, iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia e também do Ministério das Comunicações, que fizeram a portaria criando esse tipo de mecanismo, a Norma 4”, destacou.

A Norma nº 4/1995 estabeleceu uma importante separação entre infraestrutura e serviço de valor agregado. Ao regulamentar o uso de meios da rede pública de telecomunicações para o provimento e utilização de serviços de conexão à internet, a medida foi crucial para o crescimento da internet brasileira livre de amarras.

A partir daí, o crescimento dos provedores era esperado. Muitos foram oriundos de empresas de mídia, como o BOL Online, UOL, Globo, Estadão. “Todo mundo criou provedores na área e evidentemente os provedores adicionais entraram rapidamente no jogo, provedores privados, todos eles. Com isso, nós tivemos um crescimento muito bom da internet brasileira, especialmente em conteúdo. No começo, a gente pensava, como acadêmico, que o problema da internet é que era tudo em inglês e teria dificuldade para o brasileiro normal usar a rede adequadamente porque precisava se virar em inglês. Mas com a existência dos provedores, rapidamente tivemos conteúdo, porque boa parte dos provedores também eram empresas de mídia”, disse. 

Na sequência, foi criado o Comitê Gestor da Internet (CGI), em 1995, pilar fundamental para a elaboração de normas. A Abranet surge um pouco depois, em 1996.  

A internet hoje

“Eu nunca imaginei que nós teríamos a internet que nós temos hoje”, respondeu Getschko, quando questionado se a internet de hoje é o que ele imaginava lá atrás, na criação dela. “Mas eu diria que a internet brasileira hoje é um ponto em que nós não temos problema nenhum em relação ao resto do mundo; a gente, em geral, é visto como modelo. Não só a legislação brasileira é muito boa. Tem o Marco Civil, que veio de uma longa discussão e que, de alguma forma, implementa o decálogo do CGI e é uma lei que, em vez de punir problemas, define a regra do jogo. E agora a adição da LGPD. Nós temos uma situação legal que, normalmente, é elogiada lá fora”, ponderou Demi Getschko.

Além disso, ele também pontuou que a parte técnica do “.br” funciona muito bem, tendo conseguido equilíbrio interessante entre transparência e segurança. “Nós, por exemplo, exigimos CNPJ ou CPF para registrar um “.br” e com isso o “.br” é um dos domínios menos abusados”, assinalou.  

Agora, o momento é de discussão da internet das coisas, advento de 5G, carros autônomos, uma evolução, mas com base na internet e para a qual o IPv6 é fundamental, uma vez que provê um novo esquema de numeração, da mesma forma que a telefonia teve de fazer, com mais números. “Sobre as coisas que se constroem sobre a estrutura, elas usam a estrutura, mas não precisam ser diretamente ligadas a ela”, ressaltou, completando que cada construção sobre a internet tem características próprias que não se misturam com a infraestrutura. 

“A gente defende que a estrutura seja mantida intacta, íntegra, sem rupturas e sem segmentações e, portanto, a internet tem que ser uma só, como é a telefonia e a luz elétrica. Se você usa a luz elétrica para fazer uma cadeira elétrica isso pode ser um mau uso, mas não é culpa da luz elétrica. Então, nós somos a favor de a infraestrutura se espalhar”, explicou Demi Getschko.

Cada vez mais, haverá plataformas baseadas em internet, de inteligência artificial a 5G. “A internet foi pensada como algo extremamente disseminado, em que cada um teria um ponto de acesso e cada um teria conteúdo próprio para ser acessado ou não, e com as plataformas, evidentemente, há uma concentração em alguns lugares. Essa concentração acontece porque os modelos de negócios são assim e porque é mais confortável você participar de um clubinho e receber as coisas por lá. Mas não devemos esquecer que a internet em si é para ser distribuída. Nesse ponto, os provedores têm um papel muito importante, eles dão acesso à internet e você vai para onde você quiser, do jeito que você quiser”, enfatizou.              

Justamente por isso, a separação do que é infraestrutura se faz importante. Com o decálogo, o CGI, que não é um órgão de regulação, nem de punição e nem de ação na área, tentou estabelecer os conceitos que deveriam ser preservados na internet. “Por exemplo, o conceito de rede única e não segmentável é um conceito a ser preservado. O conceito de intermediários, que não devem ser responsáveis pelo conteúdo, deve ser preservado, desde que se defina o que é intermediário. Quer dizer, o carteiro que me traz a carta não tem culpa se a carta me xinga ou se a carta é de boa ou má notícia. Isso é um problema que não tem a ver com o intermediário”, destacou.

O futuro

“Há muito tempo, quando me perguntaram o que iria acontecer com a internet, eu respondi e depois descobri que mais gente tinha respondido a mesma coisa. Não é nem criação minha a resposta de que a internet teoricamente vai sumir. Quer dizer, você vai parar de enxergar a internet como, em geral, você não se preocupa com a eletricidade; você liga o seu liquidificador na tomada e ele funciona. Como é que isso funciona, não interessa mais, quer dizer, a internet é algo que vai ser superado, porque todas as tecnologias que se interpenetram na nossa vida no dia a dia não são mais visíveis. O que são visíveis são as coisas sobre elas”, respondeu, quanto ao que esperar para os próximos 25 anos.  

Mas como chegar a essa internet onipresente, ubíqua, de uma maneira que a própria infraestrutura atenda a esse crescimento exponencial? “A tal da Lei de Moore, que foi feita há 50 anos, continua mais ou menos valendo, ou seja, a cada ano e meio a gente tem o dobro da capacidade com o mesmo custo que tinha um ano e meio atrás”, respondeu, dando como exemplo a fibra ótica. 

O risco, completou, é que você também delega muita coisa às ferramentas de informática e isso pode, eventualmente, sair de controle. Um problema que terá de ser enfrentado.