Estudantes fazem uso intenso de IA, mas têm medo, aponta pesquisa
Mobile Time - 25/11/2025 - [gif]
Autor: Isabel Butcher
Assunto: Inteligência Artificial na educação
Estudantes do Ensino Médio usam a inteligência artificial generativa de maneira indiscriminada e intensa para otimizar tempo, evitar tarefas repetitivas, e também para uso pessoal como organização, saúde, lazer, lembretes, procurar receitas de dieta e para suporte emocional. Mas, apesar do seu uso frequente e “para tudo”, os adolescentes estão preocupados com alguns riscos, como a dependência da ferramenta, o aprendizado superficial e o medo de desaprender.
Essas foram as principais questões identificadas na pesquisa qualitativa Inteligência artificial na educação: uso, oportunidades e riscos no cenário brasileiro, realizada com alunos do Ensino Médio sobre os usos feitos de IA em escolas das redes pública e privada de Recife e São Paulo e conduzida pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR).
“É um uso selvagem”, resumiu Graziela Castello, coordenadora de Estudos Setoriais do NIC.br, durante apresentação do estudo qualitativo no seminário Inova IA 2025 – Educação e Ciência: uso responsável da IA, que aconteceu nesta terça-feira, 25, no Centro de Inovação Senac, no Rio de Janeiro. “Usam o tempo inteiro, para qualquer coisa. Para buscar o significado de uma palavra e até para pesquisar sobre dores que estão sentindo”, resumiu.
Lembrando dados da TIC Educação 2024
Vale lembrar que o Nic.br apresentou em setembro deste ano os dados da TIC Educação 2024, estudo quantitativo sobre o uso de tecnologias no ensino e, pela primeira vez, a pesquisa fez perguntas sobre inteligência artificial generativa. Nela, viu-se que 70% dos alunos do Ensino Médio usam IA generativa para os estudos, o que representa um universo de quase 5 milhões de estudantes. Entre os professores o uso também acontece. No caso, 43% dos docentes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio fazem uso de IA para preparar suas aulas ou atividades pedagógicas. A porcentagem sobe para 58% quando o recorte se concentra em professores do Ensino Médio. A porcentagem representa 372 mil profissionais.
Uso da IA, riscos, medos e a falta de mediação
Referindo-se aos dados da TIC Educação 2024, Castello lembrou que o crescimento da utilização da inteligência artificial é muito mais intenso do que sua mediação. “O uso já está intenso e a mediação não está sendo realizada na mesma velocidade. E é o que os dados qualitativos também revelam”, apontou.
Os alunos brincam que existe um pacto silencioso: os professores fingem que não sabem e os alunos fingem que não usam IA. “E eles ficaram muito tempo nos contando as estratégias para burlar e enganar o professor de que o trabalho não foi feito por IA para que o conteúdo ficasse mais humanizado”, lembrou a pesquisadora. E os métodos para burlar são os principais desafios entre os adolescentes.
Entre os usos pontuais que fazem para os estudos estão: fazer resumos, fichamentos, anotações, pegar ideias para redação. Por outro lado, entendem também que o uso mais intenso gera dependência, como por exemplo quando pedem para a IA fazer a redação inteira, uma atividade completa ou todo o trabalho.
Entre as perguntas realizadas sobre os riscos, os entrevistados, apesar de usarem indiscriminadamente a IA, sentem medo de terem um aprendizado superficial e dependência. “Eles têm medo de desaprender, receio de perder a identidade e não se reconhecerem mais, ou seja, que aquilo que é deles não esteja mais visível”, explicou a pesquisadora, referindo-se aos trabalhos realizados por IA em que o “dedo” do estudante acaba por não aparecer. “Eles também se preocupam com privacidade, direitos autorais, o que estão fazendo com os seus dados e os dados de quem eles estão usando”, completou.
Entre os medos está a confiabilidade nas respostas da inteligência artificial e, consequentemente, o que é fake news, informações enviesadas, o que são erros factuais, como checar esses dados, e, por fim, problematizam sobre riscos relativos e impactos sociais mais amplos. “Esses jovens têm muito medo do desemprego, muito medo do futuro com a IA, medo da desumanização das relações, da perda da identidade e como construir vínculos, além do receio sobre desinformações políticas”, resumiu.
“Os alunos veem a IA como um apoio complementar, mas que não pode substituir seus professores. Há uma crítica aos conteúdos e às plataformas de ensino online pelo receio de que a inteligência artificial torne ainda pior a massificação e o estudo mais pasteurizado. “Isso foi falado principalmente em São Paulo”, comentou Castello.
Conhecimento sobre a IA
A amostra detectou ainda que os estudantes têm uma visão parcial das ferramentas. Eles entendem o que são banco de dados, sistemas, processamentos e, de acordo com Castello, eles convergem para a ideia de que a IA se estabelece a partir da interação. “Para eles, a IA vai se construindo na medida em que vão interagindo. É uma meia verdade. Não é só isso, mas é assim que eles entendem”, disse. Os adolescentes até estão preocupados com isso, mas, ao mesmo tempo, acham que possuem algum controle sobre a ferramenta.
Castello também conta que os alunos reconhecem que a IA está presente em tudo – embutida em plataformas, dispositivos, sites etc. E citam nomes de IAs generativas das mais variadas, sendo o ChatGPT o mais mencionado, seguido por Gemini e LuzIA, além de entender as especificidades de cada uma delas – qual é boa para resumo, qual é a melhor para fazer imagens, por exemplo.
Alunos de escolas públicas reportam ausência de um debate sobre o uso da IA nas escolas. Já nas escolas privadas, os estudantes mencionam que já tiveram algumas discussões sobre o tema – como palestras ou o tema da redação era sobre IA. Mas, de um modo geral, dizem que os debates são incipientes.
Professores
Nas conversas, os professores despejaram uma enxurrada de preocupações, segundo Castello. “Os professores não conseguiram elaborar benefícios nesse momento, só muita preocupação, ainda que muitos reconheçam que a IA é inevitável para o estudante e para o futuro deles no mercado de trabalho. E eles reconhecem que seu uso ainda precisa de mediação forte e adequada”, explicou.
Sobre os impactos no aprendizado, os profissionais relacionam o uso da IA com preguiça e imediatismo. A IA serve para reduzir esforço e não para aprender. “Os professores acreditam que a inteligência artificial traz um aprendizado superficial e que os alunos têm uma confiança cega nas respostas, ainda que os alunos peçam para aprender como verificar”, contou.
Para eles, os alunos não checam fontes, não são críticos quanto ao uso e não confrontam informações que recebem por meio da tecnologia. “E, por fim, falam da mediação e do papel da escola. Reconhecem que a escola deve mediar o uso da IA, mas eles estão sobrecarregados, não têm conhecimento e nem tempo”, disse.
“Existe um desafio enorme para todos nós de superar esse medo (do uso da IA), mas ele é reflexo do desconhecimento do que veem e do que podem aproveitar desse universo. A gente pode fazer com que usem com cautela, mas não se paralisem. O desafio enorme de todos nós é pensar como garantir esse uso de modo que esses meninos e meninas se sintam com mais condições para o futuro e não com menos”, explicou.
Metodologia
A pesquisa qualitativa “Inteligência artificial na educação: usos, oportunidades e riscos no cenário brasileiro” ouviu quatro grupos focais com estudantes do Ensino Médio, sendo dois em São Paulo (um de escolas públicas e um de escolas privadas), dois em Recife (um de escolas públicas e um de escolas privadas).
O mesmo aconteceu entre os professores: foram quatro grupos focais, sendo dois em São Paulo (1 grupo composto por profissionais de escolas públicas e um de escolas privadas) e dois em Recife (um de escolas públicas e um de escolas privadas).
Cada grupo focal tinha entre oito e nove participantes.

