Estrelas mirins podem transformar a internet em primeira tela
Veja - 13/09/2015 - [gif]
Autor: Raquel Carneiro e Luís Lima
Assunto: Comparativo TIC Kids Brasil e Europa
Atrizes como Larissa Manoela e Maisa Silva, do SBT, e pequenos youtubers conquistam números expressivos nas redes sociais e reforçam o êxodo de crianças da TV
Desde o sucesso da personagem Maria Joaquina, em Carrossel (2012), a atriz Larissa Manoela, 14 anos, ganhou um lugar cativo no coração e na grade do SBT. Rumores dizem que a Globo tentou tirá-la da concorrente, mas não conseguiu. A aposta da emissora de Silvio Santos nela é tão forte que a menina dominou a novela Cúmplices de um Resgate, na grade do canal desde o início de agosto. Na trama, Larissa interpreta duas garotas de personalidades opostas que, de vez em quando, trocam de lugar e fingem ser a outra. Ou seja, faz quatro personagens. "É um desafio muito grande. Nunca aconteceu de uma adolescente dar vida a gêmeas na teledramaturgia infantojuvenil no Brasil. Não é fácil", diz Larissa. E não parece mesmo. Ao menos, no estúdio, porque, quando vai ao ar, a novela surfa na audiência. A trama estreou batendo o fenômeno Os Dez Mandamentos, da Record, e hoje mantém média de 13 pontos no Ibope da Grande São Paulo, boa para o horário no SBT. Porém, o que tem vindo com facilidade mesmo para as mãos da emissora desde a estreia do folhetim é o sucesso... no YouTube.
O canal online do programa tem batido recordes e é hoje o melhor exemplo de uma migração que é tendência entre os espectadores mais jovens. Os números são expressivos. Os episódios postados no site de vídeos, cerca de uma hora depois da exibição no canal, somam mais de 60 milhões de visualizações. Outro reforço da novela são as canções da trilha sonora, que ainda não foram lançadas em disco, mas são divulgadas por fãs em vídeos que já atingiram mais de 27 milhões de cliques na rede. No total, o programa soma 90 milhões de views há apenas um mês no ar. O número é quatro vezes maior que o obtido em igual período de tempo por outro caso de sucesso da empresa, a novela Chiquititas, que em toda a sua duração arregimentou 660 milhões de visualizações. A expectativa de Cúmplices é superar e muito essa marca.
Cada dia mais presente na web, o público infantil elevou ao status de celebridade não apenas Larissa Manoela, que aparece todo dia na tela do SBT, mas crianças antes desconhecidas como Júlia Silva, 10 anos, youtuber (como são chamadas as estrelas projetadas pelo site de vídeos) mirim que possui dois canais na página. Juntos, eles somam 680.000 assinantes e um total de 200 milhões de visualizações. Logo atrás vem Isabel, 8 anos, do canal Bel para Meninas, com 638.000 inscritos e 216 milhões de views. Maisa Silva, atriz do SBT, também possui um canal próprio no YouTube, com 548.000 inscritos e 29 milhões de visualizações. A protegida de Silvio Santos, porém, supera as colegas no Instagram, com mais de 1 milhão de seguidores, e Facebook, onde possui mais de 3 milhões de curtidas e um alto engajamento de seguidores em suas publicações. Tais números se explicam com facilidade.
Um estudo feito pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Nic.br) comparou o comportamento do Brasil com o de sete localidades da Europa (Bélgica, Dinamarca, Irlanda, Itália, Portugal, Romênia e Reino Unido), entre 2013 e 2014. A conclusão é que as crianças brasileiras entre 9 e 12 anos são as mais presentes nas redes sociais - 75% dos entrevistados possuem perfil próprio. Outra pesquisa do Nic.br, que contabilizou os usuários da internet no Brasil a partir de 10 anos de idade, mostra que 20,5 milhões dos internautas brasileiros têm entre 10 e 17 anos, volume que representa 77% do total da população nessa faixa etária.
De olho nessa tendência, canais infantis e serviços de streaming, como a Netflix, se armam para caçar um público que representa o futuro da TV.
Interação entre telas - "O SBT foi a primeira emissora aberta do Brasil a firmar uma parceria com o YouTube, em 2010, para a distribuição do conteúdo da emissora", conta Fernando Pensado, gerente de interatividade e plataformas digitais do canal de Silvio Santos. Segundo ele, que não divulga números, o modelo de negócios apresentado pela rede permitiu dar sustentabilidade à parceria. "O conteúdo para o público infantojuvenil, quando bem feito, dá audiência na TV e na internet. Uma tela complementa a outra. Não há canibalização, pois são experiências diferentes. O público quer ver em primeira mão na TV e, depois, interagir com o mesmo conteúdo na internet."
Líder de audiência na TV paga entre crianças, o Cartoon Network também tem feito esforços para se firmar como marca multiplataforma. Para complementar a experiência com a TV, o canal possui jogos e vídeos exclusivos em seu site oficial, aplicativo, canal no YouTube e um streaming particular, o CN GO. Acessível por computador, tablet ou smartphone, o serviço é voltado aos assinantes da TV paga, aos quais disponibiliza a programação da emissora on demand. Uma criança que utiliza o serviço e assiste a um dos programas via tablet pode virar o gadget na vertical e dividir a tela em duas, entre conteúdo televisivo e jogo interativo.
Caminho parecido segue a Nicklelodeon, que recentemente lançou um aplicativo oficial onde se pode baixar conteúdos sem custos, entre eles títulos como Bob Esponja e as séries Toni La Chef, Henry Danger, Bella e Os Bulldogs. O app também oferece jogos e vídeos exclusivos diários. "No aplicativo, há uma curadoria especial. Não mostramos a temporada toda que está no canal. A TV ainda será o destino principal para se conferir as estreias. Embora alguns episódios e séries sejam produzidos apenas para o app e para o site", diz Jimmy Leroy, vice-presidente criativo da Nickelodeon na América Latina.
Segundo pesquisa da TV RE[DEFINED], conduzida pela Viacom International Media Networks em catorze países, incluindo Brasil, a TV regular ainda é a fonte de conteúdo da maioria. Na faixa entre 6 e 12 anos, 76% do público entra em contato primeiro com a TV, antes de migrar para outra tela, suporte que oferece atualização, reprises e o mergulho em "maratonas". Porém, a popularização de serviços como a Netflix tende a diminuir essa porcentagem.
"Dizer para uma criança que ela tem que esperar um horário certo para assistir a um programa não faz mais sentido. Eles escolhem a hora e o que querem assistir. Têm o poder na mão", diz Amanda Vidigal, gerente de comunicação e relações públicas da Netflix Brasil. O serviço criou em 2011 a barra especial Kids, para crianças até 12 anos, com funcionalidades especiais para esse público. Entre 2014 e 2015, as produções originais para a faixa etária dobrou. "Enquanto os canais lineares passaram a investir menos em conteúdo infantil, nós decidimos crescer", conta. O consumo vale o investimento: 70% dos 65 milhões de assinantes do serviço no mundo afirmam que assistem a conteúdos infantis na Netflix.
Produtores de conteúdo - "Essa nova geração nasceu cercada por telas. É difícil distinguir uma da outra", diz Eduardo Brandini, diretor de conteúdo do YouTube Brasil. "O diferencial é que essas crianças estão muito mais engajadas com o conteúdo, já que existe essa facilidade de consumir e interagir na hora em que desejarem", conta. Esse engajamento é um passo inicial para o fenômeno recente dos youtubers mirins.
A mineira Júlia Silva, principal representante do segmento, criou seu canal em 2012, aos 6 anos. O motivo foi uma viagem para a França com a família. Ela não gostava do conteúdo televisivo do país e passou a pesquisar no YouTube crianças americanas que produziam vlogs. Hoje, a jovem tem dois canais, um em que dá dicas de moda, maquiagem, brinquedos, literatura, cinema e culinária, entre outros assuntos do universo infantil, e outro com tutoriais e uma "mininovela" em que utiliza bonecos para interpretar histórias.
"Os temas dos vídeos são pensados em conjunto comigo", diz Paula Queiroz, mãe de Júlia. "Há vídeos que ela faz completamente sozinha, desde o tema até a edição, no smartphone." De acordo com Paula, os ganhos da filha com o YouTube têm dois destinos: o próprio canal e a poupança de Júlia. Apesar do sucesso na internet, a garota, que diz consumir séries na Netflix e no YouTube, também tem interesse na TV. "Eu gostaria de fazer conteúdo para TV um dia, acredito que é o próximo passo. Tenho muita vontade de ser apresentadora ou repórter", diz a jovem celebridade.
Enquanto o desejo não se realiza, Júlia se mantém protegida de outra caçada que atinge a TV: o trabalho artístico infantil. Caso que atingiu os apresentadores, Matheus Ueta, 11, e Ana Julia, 8, do Bom Dia & Cia, no SBT, proibidos pela Justiça de apresentar a atração por um tempo. Logo, a liberdade de redes como YouTube se mostra um campo fértil para pequenos criativos.
"As crianças continuam gostando de histórias bem contadas, como sempre gostaram. Porém, hoje elas também querem fazer parte da produção do que consomem, ao invés de simplesmente assistir passivamente aos conteúdos que são envelopados para elas", diz Brandini. No que depender da nova geração, equipada de smartphones e tablets, em breve, a segunda tela pode ganhar status de primeira.
Pequenos grandes consumidores
A força de youtubers mirins tem atraído a atenção das marcas, que vivem uma fase de migração para as redes sociais. O movimento acompanha os hábitos de consumo dos pequenos e também é reflexo da caça encabeçada pelo Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) contra a publicidade infantil. As restrições levaram à diminuição de patrocinadores e, como consequência, à redução do investimento das TVs convencionais em conteúdos infantis.
Luciana Correa, pesquisadora do ESPM Media Lab, estuda questões relacionadas à publicidade infantil e aos conteúdos online. Para ela, um exemplo bem-sucedido é o da marca de calçados Pampilli, que, em vez de patrocinar publicidade na linha unbox - em que os youtubers tiram da caixa o brinquedo para mostrar como ele funciona nos vídeos -, preferiu apostar em produções relacionadas ao universo da criança, no canal Mundo da Menina. "Segundo dados preliminares, dos cem maiores canais em visualizações na rede, trinta são voltados ao público infantil. É um número bastante expressivo", avalia Luciana.
De acordo com o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar), fazer publicidade em redes sociais, inclusive para crianças, não é proibido, desde que a intenção seja explícita - e não disfarçada de "recomendação" ou "dica". Segundo a assessoria de imprensa do órgão, até o momento não houve nenhuma reclamação de consumidores direcionada a youtubers mirins.