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19 MAI 2023

Entenda como funciona a remuneração do jornalismo por plataformas digitais em outros países


Lupa - 17/5/2023 - [gif]


Autor: Iara Diniz
Assunto: CGI.br

Não há unanimidade sobre a remuneração de veículos jornalísticos pelas plataformas digitais, mesmo em países que já legislam sobre o assunto. Relatório inédito produzido pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br), e divulgado pela Agência Bori, mostra que as soluções adotadas para fazer essa regulamentação incluem barganha direta entre veículos de comunicação e plataformas digitais, presença mais forte do Estado ou criação de um fundo público para o jornalismo com financiamento das big techs.

Ponto polêmico no Projeto de Lei nº 2.630/2020 (PL 2.630), a remuneração de veículos jornalísticos pelas plataformas digitais vai ser transferida para o PL 2.370/2019, que trata de direitos autorais nas redes sociais. O trecho era alvo de resistência na Câmara dos Deputados e, por isso, foi retirado da proposta original do “PL das Fake News”.

O debate em torno desse tema não é novo, nem exclusivo ao Brasil. A Austrália e a União Europeia, por exemplo, têm iniciativas que se tornaram referência no assunto, com implementação de regulação específica, mas divergem ao definir o ator responsável por essa remuneração. Enquanto na Austrália são as plataformas digitais, na União Europeia a responsabilidade é dos prestadores de serviços de compartilhamento de conteúdos online, que abrangem empresas que têm como principal objetivo armazenar a facilitar o acesso público a materiais protegidos por direitos autorais.

No Brasil, o trecho do PL 2.630 que falava sobre a remuneração do jornalismo estipulava que ela deveria ser feita por provedores de redes sociais, ferramentas de busca e serviços de mensageria instantânea.
Para Rafael Evangelista, pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e conselheiro do CGI.br, analisar como essa discussão tem sido feita em outros países é importante. “Não podemos deixar de olhar para as especificidades do Brasil”, diz.
É preciso falar de concentração de poder em grupos maiores de comunicação, deserto de notícias, desinformação. A regulação da remuneração de conteúdos jornalísticos deve ser feita do ponto de vista do interesse público."

– Rafael Evangelista, conselheiro do CGI.br

O CGI.br mapeou projetos sobre o tema que foram aprovados ou estão em tramitação em outros países desde 2019. Confira como funciona a remuneração do jornalismo pelas plataformas digitais ao redor do mundo:

AUSTRÁLIA

Pioneiro em regular o pagamento pelo uso de conteúdo jornalístico em plataformas digitais, o Código/Lei australiana de observância obrigatória Treasury Laws Amendment (News Media and Digital Platforms Mandatory Bargaining Code) é fruto de uma proposta apresentada pela agência de concorrência, a ACCC, e está vigente desde março de 2021.

O modelo tornou-se referência em debates sobre o tema no mundo, recebendo elogios e críticas. Um balanço publicado pelo governo australiano em novembro de 2022 destacou que um dos pontos positivos da lei é que, desde sua implementação, mais de 30 acordos foram firmados entre Google e Meta e empresas de jornalismo australianas. Além disso, algumas empresas relataram que, graças aos acordos de remuneração, puderam investir na criação de conteúdos locais e contratar mais jornalistas.

Já entre os pontos negativos está o fato de que grandes produtores de conteúdo jornalístico são os mais beneficiados pela lei. Isso porque a legislação propõe um piso mínimo de 150 mil dólares em receita anual para tornar as empresas elegíveis a fechar acordos de remuneração de seus conteúdos com as plataformas.

Como funciona:

O Código australiano busca aumentar o poder de barganha dos jornalistas perante as plataformas digitais a partir da instituição de negociações pela remuneração do material utilizado. Se o veículo de mídia optar por notificar a plataforma digital, as partes entram em negociação, pelo período máximo de três meses, e podem chegar, ou não, a um acordo. Em caso positivo, as partes devem notificar, no menor prazo possível, a ACCC, com envio de cópia do termo de ajuste.

Caso a negociação não seja bem-sucedida, a empresa de notícias deverá notificar a Comissão, que instaura um processo de mediação. O mediador será uma autoridade indicada pela Autoridade Australiana de Comunicações e Mídia. As partes têm um prazo para apresentarem a oferta final que mais se adequa aos interesses e perspectivas. O painel, então, fixará um valor fixo de remuneração que valerá pelo prazo de dois anos.

Quem deve remunerar:
O modelo australiano estabelece que a remuneração deve ser feita pelas plataformas digitais. O Código australiano deixou uma ampla margem para que os atores negociem por conta própria. O Estado teria, assim, apenas o papel de impulsionador do processo, por meio da aprovação de uma lei que preveja arbitragem compulsória, mas que poderá ou não ser ativada.

UNIÃO EUROPEIA

O conjunto de normas aprovadas em 2019 na União Europeia é referência para países que buscam legislar sobre o tema, entre eles o Brasil. Em seu relatório final sobre o PL 2.630, o deputado Orlando Silva (PCdoB) destacou as medidas implementadas pela União Europeia como um espelho para regulamentar as redes sociais em território brasileiro.

No que se refere à remuneração de conteúdos, a principal norma é a Diretiva relativa aos direitos de autor e direitos conexos no Mercado Único Digital (Diretiva MUD). O objetivo dessa legislação é estabelecer padrões mínimos de proteção aos direitos autorais explorados por plataformas na internet.

Como funciona:

A legislação não define parâmetros de cálculo para a remuneração dos direitos autorais utilizados, mas estabelece o “princípio da remuneração adequada e proporcional” que estipula às legislações dos países-membros garantir aos titulares de direitos autorais um parâmetro de remuneração justo.

Além disso, a diretiva determina que os titulares de direitos autorais tenham acesso, ao menos uma vez ao ano, aos dados atualizados, pertinentes e exaustivos sobre a exploração de suas obras por parte daqueles que obtiverem as licenças.

A criação de um mecanismo de solução alternativa de acordo também é prevista na lei, desde que seja um interesse manifestado pelas partes. Assim, tanto os titulares de direitos autorais, como as entidades de classe que os representam, deverão ter poder de barganha para negociar diretamente com as empresas que prestam serviços de compartilhamento de conteúdo online os termos, as condições e a remuneração para a exploração do trabalho intelectual e artístico.

Quem deve remunerar:

Prestadores de serviços de compartilhamento de conteúdos online, definidos como “empresas cujo principal objetivo (ou um dos principais) seja armazenar e facilitar o acesso ao público a uma quantidade significativa de obras ou outros materiais protegidos por direitos autorais, postados por seus usuários, com fins lucrativos”.
O texto não protege a utilização de hiperlinks e trechos isolados ou excertos curtos de publicações de imprensa.

ESTADOS UNIDOS

O Journalism Competition and Preservation Act (JCPA) começou a tramitar em março de 2021 no Congresso americano. A proposta foi protocolada simultaneamente na Câmara e no Senado por um grupo bipartidário de parlamentares democratas e republicanos.
Inspirado no modelo australiano, o objetivo do JCPA é dar condições para que os produtores de conteúdo online negociem coletivamente com as plataformas digitais os termos para a divulgação remunerada de seus materiais.

Como funciona:

O projeto estabelece um prazo de 180 dias para negociação entre plataformas e os proprietários dos conteúdos. Caso não haja um acordo mutuamente benéfico, eles podem requisitar uma “arbitragem de preço final” que será conduzida por três árbitros licenciados. Eles serão responsáveis por receber ofertas finais das duas partes e, então, em um prazo máximo de 60 dias, selecionam uma delas para o acordo.

O JCPA tem sido objeto de muita polêmica e mobilização nos Estados Unidos. De um lado, a News Alliance, representando dezenas de veículos midiáticos, faz pressão por sua aprovação; de outro, plataformas digitais e algumas organizações da sociedade civil criticam a iniciativa.

Quem deve remunerar:

O projeto estabelece que a remuneração deve ser feita pelas plataformas incluídas, definidas como aquelas que, nos 12 meses que antecedem o processo de negociação, cumpriram os seguintes requisitos:
têm, ao menos, 50 milhões de usuários ou assinantes ativos baseados nos Estados Unidos;

são de propriedade de uma empresa ou pessoa física que tenha: vendas anuais líquidas nos Estados Unidos; ou uma capitalização de mercado superior a US$ 550 bilhões ajustada pela inflação com base no Índice de Preços ao Consumidor; ou não menos de 1 bilhão de usuários ativos mensais em todo o mundo na plataforma online;

não sejam ligas ou organizações cívicas sem fins lucrativos, exclusivamente destinadas à promoção do bem-estar social; ou associações locais de trabalhadores, cujas receitas líquidas são dedicados exclusivamente a fins beneficentes, educacionais ou recreativos.

CANADÁ

O Online News Act é inspirado no modelo australiano, mas incorpora algumas lições aprendidas na Austrália a partir de emendas incluídas por parlamentares durante a tramitação na Câmara. A proposta foi enviada para o Senado em dezembro de 2022 e está em tramitação.

Como funciona:

Online News Act regulamenta a divulgação digital de notícias por meio de empresas intermediárias. O processo de negociação consiste em uma primeira tentativa de negociação – dentro de 90 dias – sem necessidade de intervenção do Estado. Caso a negociação não seja bem sucedida, é iniciado o processo de mediação, com intervenção do Estado.

A lei também estipula que a Canadian Radio-Television and Telecommunications Commission (CRTC) publique um relatório anual de dados agregados sobre o valor dos acordos comerciais, sem revelar informações comercialmente sensíveis. O objetivo é mostrar ao público o impacto da legislação sobre o mercado de notícias digitais canadense.

Quem deve remunerar:
Empresas intermediadoras de notícias digitais como plataformas de comunicação online que disponibilizam notícias produzidas pelas agências de notícias no Canadá. Estão excluídas as plataformas de trocas de mensagem online.

ALEMANHA

Emendado em 23 de junho de 2021, o German Act on Copyright and Related Rights tem como objetivo proteger os direitos autorais da imprensa, dos editores e dos jornalistas da exploração pelos serviços online operados pelas plataformas digitais. A emenda não protege direitos autorais de artigos científicos publicados em periódicos acadêmicos.

Como funciona:

É garantido aos autores o direito de remuneração equitativa pela exploração do conteúdo intelectual que produzem no patamar mínimo de um terço do valor auferido pelos serviços de sociedade da informação. A alteração do valor mínimo de um terço da renda só é possível mediante acordo coletivo ou negociação, desde que conduzida por um sindicato.
São titulares dos direitos autorais de imprensa as pessoas físicas ou as empresas, quando a publicação for por elas produzida.

Quem deve remunerar:

A emenda estipula que os “serviços da sociedade da informação” são responsáveis pela remuneração do jornalismo. Isso inclui qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, a distância, por via eletrônica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços.
FRANÇA

A Decisão 20-MC-01 aplicou a Lei nº 2019-775, de 9 de abril de 2019, para condenar o Google a pagar remuneração compensatória aos jornalistas franceses pela exploração de direitos autorais jornalísticos através da plataforma de busca.
Como funciona:

O artigo 218-4 da Lei nº 2019-775 garante uma remuneração pela exploração, reprodução e comunicação ao público de publicações de imprensa em forma digital. A remuneração deve ser calculada com base nas receitas obtidas com a exploração de qualquer natureza, diretas ou indiretas ou, em sua falta, avaliada de forma fixa.

As empresas que exploram o conteúdo jornalístico são obrigadas a fornecer aos editores de notícias e agências de notícias todas as informações relativas à utilização das publicações por seus usuários/consumidores, bem como todas as outras informações necessárias para uma avaliação transparente da remuneração.

Os jornalistas, pessoas físicas, têm direito a uma parte da remuneração recebida pelos editores e pelas agências de notícias das plataformas online.

Quem deve remunerar:

Embora não conste expressamente na Lei nº 2019-755 a possibilidade de responsabilização de empresas de tecnologia da informação pela utilização e exploração comercial de conteúdo jornalístico por meio de mecanismos de buscas, a Autoridade de Concorrência da França determinou que a empresa Google negociasse, “de boa-fé”, com editores, agências de notícias e sindicatos de jornalistas.

Assim, por extensão, entende-se que toda e qualquer empresa privada que administre mecanismos de buscas online, à semelhança do modelo de negócios da Google, também pode ser responsabilizada à luz da legislação francesa.