NIC.br

Ir para o conteúdo
11 DEZ 2006

Ele jura que não controla a internet






Arquivo do Clipping 2006

Veículo: Link
Data: 11/12/2006
Assunto: Governança

Executivo afirma que Icann cuida apenas de aspectos técnicos da rede

Considerado um dos maiores 'chefões' da internet no planeta, o australiano Paul Twomey deixa de lado por um momento a expressão compenetrada e sorri ao contar que recentemente teve alguns agradáveis jantares em família. Seus pais, que moram a quilômetros de distância, participaram dos encontros - mas sem precisar se deslocar um milímetro até a casa do filho. 'Agora temos uma conexão de banda larga ultraveloz. Víamos as imagens deles, na nossa frente, em um monitor', explica. 'Tudo em tempo real.'

Enquanto comiam, conversavam sobre amenidades. 'Era como se eles realmente estivessem ali', diz o executivo. A situação, digna de filme de ficção científica, serve como exemplo do papel crescente que o vídeo pela rede passará a ter em nossas vidas no futuro. 'A geração do Napster, do iPod, está começando a se tornar a geração do compartilhamento do vídeo', prevê. 'Isso ocorrerá mais rápido do que muita gente imagina.'

Momentos de descontração como o do jantar virtual são raros na vida de Twomey. Ainda mais quando proporcionados pela web. Internet, para ele, é motivo de uma preocupação constante que às vezes se transforma em dor de cabeça. Desde 2003, o executivo ocupa o cargo de presidente da Corporação da Internet para Nomes e Números Designados (Icann), organização sem fins lucrativos ligada ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

Sob o controle da entidade estão alguns dos principais pilares da rede mundial de computadores. A Icann estabelece as regras mundiais para o uso de domínios - aquelas terminações que digitamos no endereço de um site, como '.com' e '.org' - e também define os parâmetros técnicos que permitem que um computador converse com outro em um ponto distante do planeta. Twomey falou ao Link na semana passada, durante uma reunião internacional da Icann no Brasil.

Como está localizada na Califórnia e foi criada pelo governo dos EUA, ao qual ainda se mantém vinculada, a Icann passou a ser vista pela comunidade internacional como um instrumento usado pelos norte-americanos para controlar a internet. Desde o ano passado, dezenas de países, incluindo o Brasil, passaram a pressionar para que outro organismo fosse criado no seu lugar, de preferência sob supervisão da Organização das Nações Unidas (ONU).

Os ânimos na guerra por uma rede sob controle global esfriaram um pouco com a criação do Fórum de Governança da Internet (IGF), entidade com papel consultivo que nasceu após a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação da Tunísia, em 2005 (veja texto ao lado). Mas a polêmica está longe de terminar. E ainda rende uma boa enxaqueca a Twomey, que jura que a Icann não controla a rede.

Seria bom se ele pudesse desligar a cabeça por uns tempos. Mas dificilmente o executivo conseguiria. 'Toda hora na minha vida estou conectado, principalmente aos meus e-mails', garante. Um BlackBerry, para ele, não é o bastante. O smartphone - mistura de celular com computador de mão - tornou-se mania entre os executivos por receber mensagens de e-mail em tempo real. Twomey tem dois desses aparelhos, um com número telefônico dos EUA e outro pronto para receber chamadas da Austrália. 'Adoraria que inventassem um modelo que funcionasse das duas formas', afirma.

Outros equipamentos eletrônicos também fazem parte da sua vida. 'Tenho uma câmera digital que carrego o tempo todo', ressalta. O notebook é outro companheiro fiel. Quando conectado à internet, o presidente da Icann costuma verificar e-mails, usar comunicadores instantâneos, fazer buscas e ver notícias de canais de TV tradicionais transmitidas pela web. 'Também uso muita videoconferência, no trabalho e com a minha família.'

Quando assiste a um vídeo pela rede, Twomey se preocupa com a qualidade da transmissão. Um comportamento que, sob seu ponto de vista mesmo, pode ser classificado como antiquado. 'Está havendo uma rápida mudança para o conteúdo criado pelos usuários', diz. 'E as pessoas estão deixando de lado a qualidade em troca de outras coisas, como mobilidade.'

Para o executivo, cada vez mais internautas têm procurado conteúdo com base no que é feito por outros usuários, amigos ou familiares. 'O modelo tradicional de difusão de informações está sendo desafiado.' Como o vídeo ganhará importância crescente na web, Twomey acha que as pessoas vão cada vez mais substituir a leitura por informações visuais na hora de tomar decisões.

Ao mesmo tempo, ficar desconectado será praticamente impossível. 'A internet estará presente em tudo: carros, trens, celulares e até nas máquinas de refrigerantes.' A onipresença da rede terá conseqüências negativas. Na opinião do presidente da Icann, principalmente a segurança será afetada. 'A internet é como o mundo', analisa. 'Todo o mal que existe está lá, e todo o bem também. As pessoas ficarão expostas mais facilmente. Vão perder a ingenuidade.'

Entidade ainda está vinculada ao governo dos Estados Unidos

Sempre que tem oportunidade, Paul Twomey faz questão de dizer que a entidade da qual é presidente não controla a rede mundial de computadores. De certa forma, ele está certo. A Corporação da Internet para Nomes e Números Designados (Icann) não tem nada a ver com o bloqueio de sites ou com a censura a usuários, por exemplo - isso vai da política de cada país que conte com computadores conectados à web.

Sob o ponto de vista de dezenas de nações, no entanto, o executivo está errado. No ano passado, países como o Brasil, China, Irã e Índia e também os membros da União Européia defenderam a criação de um órgão independente para gerenciar a web. Na visão deles, a Icann não consegue ter uma atuação isenta por estar ligada ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos - o que daria um poder exagerado ao Tio Sam sobre a rede.

Nessa briga de foice, todo mundo saiu cantando vitória. A comunidade internacional celebrou a criação do Fórum de Governança da Internet (IGF) - uma entidade sem poderes sobre a Icann ou sobre a web, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU) -, que reúne países do mundo todo para discutir os percalços da rede. E os EUA mantiveram seu controle sobre a Icann, que continuou vinculada ao governo norte-americano, pelo menos por mais um tempo.

Twomey garante, no entanto, que a organização será internacionalizada. "Os Estados Unidos estão comprometidos com a transição", assegura. Em setembro, a Icann e o Departamento de Comércio dos EUA assinaram um acordo em que este último reafirma sua intenção de dar independência à primeira - só que sem definir quando e como isso ocorrerá. "Ainda há algumas coisas nas quais temos de trabalhar, principalmente no campo da transparência", afirma o executivo.

De acordo com ele, a Icann já tem evoluído dentro desse quesito. "Somos como um contrato de uma empresa de cartão de crédito", compara. "Todas as informações estão ali, mas não de uma forma totalmente acessível." Enquanto não ocorre a "alforria" em relação aos Estados Unidos, a corporação tem procurado apoiar os debates do IGF. A nova entidade teve a sua primeira reunião este ano, em Atenas, na Grécia, e vai se encontrar de novo em novembro do ano que vem, no Rio.