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15 OUT 2009

Efeito Obama: políticos enfrentarão falta de cultura e desconfiança em 2010






IDG Now! - 15/10/2009 - [ gif ]
Autor :Guilherme Felitti
Assunto: Indicadores

IDG Now! avalia semelhanças e problemas no caminho de candidatos às eleições de 2010 ao tentarem replicar a estratégia online de Barack Obama

Após o presidente Lula sancionar a reforma eleitoral no final de setembro, candidatos brasileiros terão à frente um cenário bastante parecido para campanhas online na comparação com as eleições norte-americanas de 2008.

A liberação tanto de campanhas em blogs, páginas e redes sociais como do envio de mensagens de texto pelo celular, somados à oficialização de doações pela internet, equiparam o Brasil, pelo menos quanto às limitações impostas pela lei, ao cenário em que o democrata Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos.

Os números da campanha de Obama justificam a exagerada inspiração que o agora presidente norte-americano exerce sobre políticos no Brasil: doações de menos de 200 dólares feitas pela internet foram responsáveis por mais da metade dos cerca de 650 milhões de dólares arrecadados por toda a campanha de Obama, atingindo o ápice de um método explorado inicialmente pelo também candidato à presidência Ron Paul, em 2004.

Mas será que o modelo explorado por Obama se aplica ao Brasil, como seguramente sonham candidatos que já preparam suas estratégias de campanha em 2010? O IDG Now! ouviu especialistas de campanhas políticas na internet para avaliar as potenciais semelhanças e os problemas que postulantes a cargos públicos podem enfrentar ao tentarem replicar a vitoriosa estratégia online de Obama.

Exclusão digital dificulta

A primeira razão para acreditar que o fenômeno Obama não será facilmente reproduzido entre candidatos brasileiros está na adoção de internet pelos dois diferentes mercados - enquanto o Brasil conta com 130 milhões de eleitores e cerca de 46,6 milhões de internautas, nos Estados Unidos, onde o voto não é obrigatório, há mais internautas que eleitores, segundo dados da consultoria Ibope Nielsen Online.

Em 2002, cerca de 13% dos brasileiros tinham acesso à internet. Segundo cálculos feitos pelo consultor e professor de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas Marcelo Coutinho para o IDG Now!, a participação dos eleitores com acesso à rede atinge cerca de 30%, ou 39 milhões de brasileiros.

As contas foram feitas pelo cruzamento do número de eleitores registrados no Tribunal Superior Eleitoral em agosto de 2009 frente aos números de acesso à internet do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), ambos filtrados apenas para brasileiros acima dos 16 anos de idade. Há, no entanto, ressalvas que devem ser consideradas.

"Podemos supor que esta cifra será maior em 2010, pois o número de usuários de internet cresce com uma velocidade maior que o número de eleitores. Mas é preciso lembrar que, no Brasil, o índice de abstenção é elevado (nas eleições presidenciais de 2006, chegou a 16%) e ainda não sabemos se eleitores com acesso se abstêm mais ou menos que os eleitores sem acesso", detalha Coutinho.

Ainda que a participação dos que têm acesso à internet tenha quase dobrado de 13% em 2002 para cerca de 24% em 2009, o abismo digital que ainda assola o Brasil deve ser levado em conta para impossibilitar a mobilização registrada nos EUA - vale lembrar que 61% dos brasileiros ouvidos pela pesquisa TIC Domicílios 2008, do NIC.br, afirmaram nunca terem acessado a internet.

"A penetração (da web) é muito baixa longe das capitais, onde você tem pessoas historicamente menos informadas. É possível dizer que o voto já está meio sedimentado pela questão geográfica - quem vai conversar com um cara que está no interior do Pernambuco (além da televisão)?", questiona o diretor de criação da agência Talk Interactive, responsável pelas ações online na reeleição do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

A exclusão digital tem ligação direta com a baixa participação da internet como fonte primária de informações políticas para o brasileiro - estudo conjunto entre o Centro de altos estudos de propaganda e marketing da ESPM (Caepm) e o Ibope Inteligência descobriram que apenas 2% dos brasileiros se informaram primordialmente pela internet durante as eleições municipais de 2008.

"No quadro político de uma eleição presidencial com duas figuras de projeção, a internet vai ter grande papel, mas não terá peso para decidir eleição. Até porque, nos Estados Unidos, não foi a web que decidiu a eleição para Obama. Do dinheiro arrecadado na internet, mais de 95% foram gastos em (propagandas na) TV", opina Moriael, cuja agência faz campanhas online para o PSDB e para o DEM.

Ainda que concorde que "a internet por si só não muda campanha no Brasil", Coutinho, que trabalhou nas campanhas de Luiza Erundina em 1989 e Fábio Feldmann em 1992 para a prefeitura de São Paulo, defende seu potencial para mudar uma eleição, principalmente em competições mais acirradas. "Se 5% dos eleitores tenham mudado seus votos baseados em informações colhidas na internet, (este grupo) pode indicar quem vai pro segundo turno", defende ele, citando a cifra referente ao uso da web como fonte primordial de informação política em São Paulo.

A maior influência de rádio e TV

Ambos concordam que mídias analógicas, como rádio e TV, terão ainda, em 2010, uma relevância muito maior que a internet, em algo que aproxima o cenário brasileiro do norte-americano. Investimentos como o comercial de 30 minutos ou compra de espaços em rádios regionais pela campanha de Obama foram feitos com a verba acumulada pelas pequenas doações na internet. A campanha do norte-americana usou muito o que Coutinho chamou de "mecanismo de eco": pautar mídia tradicional pela internet e reaproveitar conteúdo na internet, em um ciclo que garante visibilidade e se autoalimenta.

Outro problema que candidatos enfrentarão não tem relação com a internet, mas com uma questão de política: ao contrário dos Estados Unidos, onde existe a cultura de envolvimento com campanhas, o Brasil não se destaca pela mobilização orgânica dos cidadãos para o candidato a algum cargo. Some-se a isto a figura carismática de Obama em um cenário combalido pela crise financeira e por um presidente com popularidade em declínio, fatores que ajudaram na popularização da campanha do atual presidente.

"É uma situação muito diferente em relação à brasileira: aqui, a política não está em alta. As pessoas não têm respeito e não dão importância no dia a dia. Muitos brasileiros veem como um mal necessário. Isto representa a maior dificuldade que qualquer campanha terá aqui", afirma Paiva. Se uma população gerencia sua expectativa rondando uma eleição baseado nas desilusões anteriores, como esperar grandes montantes doados por correligionários?

"Em questão de arrecadação, pra quem você doaria dinheiro? Eu chutaria que alguém com a figura da (senadora) Marina (Dias, não oficializada como pré-candidata pelo Partido Verde) de ganhar dinheiro que qualquer outro candidato. Se doar. Não acredito que teremos doações fantásticas como nos EUA", diz Paiva, em posição ecoada por Coutinho. "Muita gente ainda tem receio até de fazer compra num site de compra que é absolutamente conhecido e seguro. Imaginar que farão isto em um site de político é forçar a barra".

A importância da internet nas eleições no Brasil em 2010 estará concentrada principalmente na sua capacidade de ativar eleitores orgânicos - "aquele com tendência acima da média de mobilização", segundo Coutinho - a arregimentarem novos eleitores para as campanhas, em uma versão mais integrada do tradicional boca-a-boca, modelo já explorado por Paiva com o "Pelotão 45", iniciativa de mobilização para a campanha online de José Serra em 2002.

A iniciativa, que juntou mais de 30 mil eleitores que apoiavam o então candidato à Presidência da República derrotado, emula o sucesso dos "Camp Obama", eventos organizados por eleitores do político que juntavam voluntários em busca de votos de indecisos ou norte-americanos que não votavam em seus condados. Seja no Brasil em 2002 ou nos EUA em 2008, as iniciativas dão uma boa ideia da importância da internet em campanhas eleitorais: por mais que comece online, inevitavelmente seu sucesso depende de atividades offline.