Do 'meu gerente' da agência do banco ao celular; como incluir os idosos nessa transformação?
Valor Investe - 7/2/2022 - [gif]
Autor: Júlia Lewgoy
Assunto: TIC Domicílios
Enquanto os bancos incentivam que tudo seja feito pelo celular, a realidade dos 32 milhões de idosos brasileiros é bastante diversa. Há idosos que não conseguem ou não desejam fazer transações bancárias pela internet, enquanto outros fazem questão de aprender.
Aos 80 anos, a professora aposentada Leda Rosa Longo faz todas as consultas, pagamentos e transferências no aplicativo do banco no celular. Isolada em casa, ela deixou de ir na agência desde que a pandemia de covid-19 começou e se acostumou bem ao hábito escolhido. Foi apenas mais uma tecnologia que ela decidiu aprender ao longo da vida, após a máquina de escrever, que ajudava a preparar as aulas, e o computador, por onde ela assiste vídeos de ciência e história no YouTube.
“Eu ainda não me sinto exatamente confortável com o aplicativo do banco no celular, mas a necessidade faz a gente andar. Eu não queria ficar para trás”, conta. “Eu tenho medo do futuro, mas do presente não. Ainda enxergo bem e consigo aprender”, diz.
Leda faz parte de um grupo que aumenta, mas ainda é minoria no Brasil: o de idosos que fazem consultas, pagamentos e transações financeiras on-line. Entre as pessoas com 60 anos ou mais, as usuárias de internet dispararam de 16% para 50% entre 2015 e 2020, conforme o dado mais recente da TIC Domicílios, um dos estudos mais importantes sobre o uso da internet no país, conduzido pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).
Entre os idosos usuários de internet, os que fazem consultas, pagamentos ou outras transações financeiras on-line avançaram apenas de 29% para 35% no mesmo período, ou seja, em ritmo mais devagar. O número ainda é baixo em comparação ao de pessoas com 60 anos ou mais que usam a internet para se comunicar, por exemplo. Entre os idosos usuários de internet, 90% enviam mensagens instantâneas e 74% conversam por chamada de voz ou vídeo.
Enquanto os bancos incentivam que as transações sejam feitas pelo celular, que já é responsável por mais da metade das transações bancárias no Brasil, a realidade dos 32 milhões de idosos brasileiros é bastante diversa.
A maior parcela não chega tão bem aos 60 anos ou mais e tem dificuldade para aprender a fazer transações bancárias no celular, conforme Mirian Goldenberg, antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de "A Invenção de uma Bela Velhice”. Enxergar os números pequenos dos boletos ou da tela pode ser difícil e aprender uma nova linguagem pode não ser intuitivo para todos, por exemplo.
O segundo maior grupo, conforme Goldenberg, simplesmente não deseja perder o seu tempo aprendendo a digitar números no celular. E há uma terceira parcela, de acordo com a antropóloga, que faz questão de aprender, porque se sente autônoma e dona das próprias responsabilidades.
“É um preconceito achar que a pessoa não tem capacidade de fazer as transações bancárias pelo celular porque é velha. Não existe apenas uma forma de envelhecer e essa pode ser uma escolha”, afirma.
Considerando que a expectativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é que a participação dos idosos entre os brasileiros salte dos atuais 15% para 29% daqui 30 anos, especialistas afirmam que os bancos precisam pensar em como atender essa população diversa em meio ao avanço da tecnologia, para não excluir quem não consegue ou não quer usá-la.
Afinal, é um público promissor, que cada vez demandará mais serviços financeiros. Os idosos são os chefes de família de quase um quinto dos lares brasileiros, conforme dados do IBGE reunidos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) Social.
“Às vezes, pequenas obviedades para usuários habituais de internet são barreiras que impedem o acesso aos serviços bancários”, afirma Fabio Storino, coordenador da TIC Domicílios. “Enquadrar o seu rosto em um quadradinho para alguém que tem menos firmeza na mão ou colocar a digital de identificação para quem sofre com alterações nas marcas dos dedos é muito difícil”, diz.
Sem falar no medo dos golpes financeiros, que explodiram na pandemia. É maior entre os idosos do que no restante das faixas etárias a percepção de que, ao disponibilizar dados para empresas on-line, os riscos são maiores do que os benefícios.
Quanto menor a renda do idoso, maior a vulnerabilidade, destaca Ione Amorim, coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). “A desigualdade social é um peso relevante. Quem tem padrão de renda maior costuma ter mais familiaridade com a tecnologia”, afirma.
Como os bancos devem atender os idosos
Alguns especialistas aconselham que os bancos chamem os idosos para opinar sobre o desenvolvimento dos aplicativos e criem canais de atendimento específicos, com um número de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) próprio, por exemplo. Essa seria uma forma de dar um apoio mais humanizado, sem robôs do outro lado da linha, para ajudar a fazer as transações bancárias pelo celular ou internet banking.
“Os idosos precisam de um canal de suporte específico, com um acolhimento mais sensível”, indica Storino. “Os bancos não podem desprezar esse contingente expressivo de consumidores, com impacto econômico, nem disponibilizar serviços apenas pela internet”, diz.
Amorim, do Idec, também defende a ideia de um canal específico para idosos. “Os idosos que têm dificuldade de audição não conseguem nem escutar as alternativas 1, 2 e 3 do SAC. Aqueles com mais autonomia podem não desejar usar um canal específico, mas é preciso dar essa opção para os que necessitam ou querem”, afirma Amorim.
Goldenberg, antropóloga, diz que, mais do que um canal para ensinar as pessoas a fazer transações bancárias digitais, os bancos devem criar um ambiente para que as pessoas se sintam seguras. “O difícil não é ensinar os idosos a usar, eles são inteligentes. O difícil é criar um ambiente em que as pessoas saibam que não vão perder o dinheiro delas se errarem ao digitar algo”, afirma.
No Itaú, maior banco privado do Brasil, os clientes idosos que usam canais digitais aumentaram 50% na pandemia, para 2 milhões de pessoas, e 90% dos que começaram a usar continuaram mesmo após a vacina, conforme Renato Mansur, diretor de canais digitais do Itaú.
Ele afirma que o banco está atento a essa mudança e que entrevistou 4 mil clientes dessa faixa para entender as principais dificuldades e melhorar a acessibilidade do aplicativo. Contudo, destaca que a estratégia do banco tem sido buscar melhorar tanto o atendimento digital quanto o físico. “O contato humano, não necessariamente dentro da agência, continua sendo super importante. O digital não supre tudo”, afirma.
Para isso, de acordo com Mansur, a central de atendimento tem pessoas especializadas para atender nichos de clientes, inclusive idosos, e periodicamente os operadores recebem instruções de como acolher clientes.