Dependência digital não está em seu auge mas pode piorar, diz psicólogo
Terra - 7/11/2023 - [gif]
Autor: Ingrid Oliveira
Assunto: Dependência digital
Cada vez mais cedo, crianças têm acesso à internet e aparelhos eletrônicos e os impactos são sentidos na saúde mental e física
Uma adolescente de 11 anos incendiou a casa onde vivia com suas avós, em Pato de Minas (MG). Tudo porque não podia mexer no celular. O incidente alertou para os efeitos do uso excessivo da tecnologia, especialmente entre os jovens. E o uso de aparelhos eletrônicos têm acontecido cada vez mais cedo.
A recente pesquisa da TIC Kids, realizada pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), divulgada em 25 de outubro, mostrou que uma a cada quatro crianças brasileiras começaram a se conectar à internet antes dos seis anos de idade.
A edição entrevistou presencialmente 2.704 crianças e adolescentes, assim como seus pais ou responsáveis, em todo o Brasil.
Estudos recentes revelaram que o uso excessivo de aparelhos móveis, como smartphones e tablets, pode ter impactos sérios na saúde mental e no comportamento dos adolescentes.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o impacto é tanto que esses jovens podem sentir mesmo consequências físicas, como ganho de peso e problemas na coluna.
O incidente da adolescente que incendiou sua casa, por exemplo, chama atenção para a importância de estabelecer limites saudáveis no uso da tecnologia, especialmente entre as gerações mais jovens.
Comparações
A dependência digital, em que o uso excessivo de smartphones e outras tecnologias se torna compulsivo, tem sido comparada ao uso de drogas, e essa comparação é relevante para entender os impactos desse impacto.
Segundo o psicólogo Eduardo Silva Miranda, professor da Universidade Multivx, no Espírito Santo, a dependência do uso do smartphone é muito similar aos demais vícios.
"A gente percebe quando o uso excessivo de celular atrapalha as relações quando em um almoço em família a pessoa não participa, ou deixa de fazer uma tarefa na escola ou no trabalho, e a pessoa não consegue parar", disse.
Ele destaca alguns elementos que caracterizam um dependente em tecnologia e seus paralelos com viciados em substâncias químicas:
Ativação do sistema de recompensa: o ato de usar o smartphone receber notificações ou curtidas em redes sociais, por exemplo, libera dopamina, o neurotransmissor do prazer. Da mesma forma, as drogas também afetam esse sistema, criando uma sensação de euforia.
Tolerância e abstinência: assim como os viciados em drogas desenvolvem tolerância e precisam de doses cada vez maiores para sentir os mesmos efeitos, os usuários compulsivos de smartphones frequentemente aumentam o tempo de uso para obter a mesma satisfação. Quando retirados dos aparelhos, eles podem experimentar sintomas de abstinência, como ansiedade e inquietação.
Impacto na saúde mental: tanto a dependência digital quanto a dependência de drogas podem levar a problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e isolamento social. Os indivíduos se tornarão obcecados por seus dispositivos ou substâncias, respeitando outros aspectos de suas vidas.
Impacto nas relações interpessoais: a dependência pode prejudicar relacionamentos, levando à alienação de amigos e familiares. As pessoas ficam tão envolvidas em seus smartphones (como com drogas) que permitem a participação em atividades sociais e familiares.
Dependência digital está no auge?
Pesquisadores chegaram a cunhar os termos “heroína digital”, “cocaína eletrônica” e “drogas virtuais”. Mas, o que marcou foi o termo “nomofobia”, que se refere ao medo ou à ansiedade de ficar sem acesso ao smartphone ou a uma conexão constante com a internet.
O termo é uma característica de "no mobile" (sem celular) e "fobia" (medo), e descreve as características psicológicas em que as pessoas se sentem altamente dependentes de seus smartphones e têm o hábito de ficar desconectadas.
Uma pesquisa realizada pelo Laboratório Delete-Detox Digital e Uso Consciente de Tecnologias da Universidade Federal do Rio de Janeiro durante o período de isolamento social, imposto pela pandemia da covid-19, mostrou altos níveis de dependência digital.
Dos 336 participantes do estudo, 62,5% adquiriram tecnologias por mais de três horas todos os dias, e 49,1% por mais de quatro horas. Além disso, 50,6% verificavam frequentemente suas mensagens, enquanto 56,3% retornavam ao uso após tentar se desconectar.
A pesquisa também destacou que 44,3% se sentiram mais felizes ao usar tecnologias, 26,8% ficaram tristes quando não puderam usá-las, 17,3% expressaram medo de não ter acesso e 29,5% experimentaram nervosismo devido à dependência.
Segundo Silva Miranda, apesar do momento atual do uso excessivo de telas, esse ainda não é um ponto sem retorno.
"Eu acredito que podemos encontrar maneiras de melhorar e maneiras de piorar. Mas vai depender muito da maneira como a sociedade vai perceber esse uso", afirma.
Ele explica que o aumento da dependência pode envolver muita coisa, como o modo que usamos, o tempo, a maneira como as empresas adotam smartphones e até mesmo como são desenvolvidos os aplicativos, jogos e redes sociais.
Outro termo cunhado que mostra a dependência, apontou o psicólogo, é o chamado "Fear of Missing Out" (FOMO), uma preocupação psicológica comum na era digital, onde as pessoas experimentam ansiedade de perder eventos, experiências ou informações que estão acontecendo nas redes sociais ou online.
"O modo como os celulares estão colocados, os tipos de programas, podem fazer com que a gente tenha uma ansidade no sentido de que sempre está contecendo alguma coisa. E a gente pode entrar nesse ciclo de sempre querer saber algo", avalia.
Esse medo de ficar de fora pode levar a um uso excessivo de eletrônicos, verificação constante das redes sociais e, em última instância, impactar qualidades o bem-estar emocional, pois as pessoas buscam incessantemente estar atualizadas em tempo real.
Como podemos melhorar?
A OMS fornece diretrizes importantes para melhorar questões de dependência digital. O órgão recomenda a promoção de um uso saudável da tecnologia, estabelecendo limites de tempo para dispositivos, incentivando a atividade física e o sono adequado.
A ideia é promover interações sociais offline e educação sobre o equilíbrio digital, garantindo apoio e tratamento para aqueles que lutam contra a dependência, isso inclui leitura, arte, música e atividades físicas.
Estas diretrizes visam criar conscientização, reduzir os riscos e promover uma relação mais equilibrada com a tecnologia.
Segundo Miranda Silva, uma das primeiras coisas para atingir esse equilíbrio é desativar determinados tipos de aplicativos e funções que gerenciam o celular.
"Desativar as notificações, escolher um momento do dia para verificar redes sociais e coisas do tipo e não olhar após isso, ou seja, encontrar maneiras de diminuir a quantidade de tempo dedicada aos smartphones", avalia o psicólogo.
Se isso não for suficiente, o recomendável é buscar ajuda de um profissional da saúde para tratamento adequado e práticas de autocuidado.