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17 JAN 2005

Demi Getschko: "Queremos interferência mínima e autonomia"






Arquivo do Clipping 2005

Veículo: O Globo
Data: 17/01/2005
Assunto: Governança

A Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) é a organização internacional responsável pelo gerenciamento dos nomes de domínio da internet. Regido por um conselho formado por 15 representantes de todos os continentes, o ICANN sedia as discussões que, mais dia menos dia, afetarão a vida de todos os internautas. Pois no fim de dezembro o Brasil ganhou mais uma vaga no coração do ICANN: Demi Getschko, que já fazia parte do Conselho da Organização de Suporte a Nomes Genéricos (GNSO), um dos braços do ICANN, foi eleito para fazer parte do time principal. Nesta entrevista, ele fala de suas novas atribuições, do papel atual do ICANN e dos novos desafios da entidade.

O que significa para a internet brasileira ter um representante no ICANN? Quais são as atribuições agora que você faz parte do board?

DEMI GETSCHKO: O que eu gostaria que acontecesse com o ICANN, pelo menos em relação aos country codes (códigos de países, .br de Brasil, .it da Itália, etc): o que nós enquanto .países queremos é o mínimo. Queremos que o ICANN mantenha a raiz no ar com confiabilidade e disponibilidade, mas queremos também que o ICANN consiga fazer mudanças na base de dados da raiz com agilidade e flexibilidade. Se eu quero trocar os DNS do Brasil porque as máquinas estão velhas, ou se quero trocá-las de lugar, quero acesso à base de dados do ICANN e a operação da raiz de forma segura e confiável. O resto é soberania nacional. Não queremos palpites sobre como se resolve conflitos de domínios; se marca deve ganhar de domínio ou se domínio ganha de marca; se pede CNPJ ou não no registro; se deve ser aberto ou fechado ao mundo; se tem limite de registro por pessoa. Isso diz respeito a cada país. O ICANN não deve se envolver nisso. O ICANN em boa parte existe por causa dos problemas dos genéricos nos EUA, e sim pela disputa por marcas e propriedade intelectual do .com , do .net , competição que não existia, monopólio da Verisign. Não queremos ser tratados como genéricos, queremos ser tratados como países, o que significa que queremos um serviço confiável porém limitado, interferência mínima e autonomia.

O ICANN tem recebido críticas por estar sob o jugo do departamento de comércio americano. O ICANN pode ser mais independente?

DEMI: Sim, ele está debaixo do departamento de comércio americano. Quando alguma mudança grande é feita, ela passa por ele. Mas eles nunca interferiram em nada político. O .yu da Iugoslávia funcionou durante o ataque à Iugoslávia; o " .iraque " não foi mexido, não há interferência nisso. Eles têm se comportado eticamente. O que é desagradável é que isso esteja debaixo do departamento de comércio ainda . Teoricamente, em 2006 o ICANN vai virar uma ONG e ficar separado do departamento de comércio e aí a coisa fica mais transparente. Aí, então, o departamento de comércio vai liberar a ONG para alguém, provavelmente para o próprio ICANN, e sair do cenário. Mesmo assim há críticas, porque a sede é na Califórnia, ele segue as leis americanas, blablablá. Mas tem que estar em algum lugar, não pode ser em Marte (risos). Há uma longa polêmica com o ITU sobre a coisa da governança da internet. Spam é uma tragédia, insegurança de bancos também, mas isso não tem a ver especificamente com o ICANN, cujo escopo deveria ser reduzido e é reduzido por natureza, mas às vezes é visto como sendo o órgão de governança da internet. E não é. O ICANN não pode fazer nada contra spam, fraude, crime pela internet. Ele tem que manter no ar a raiz e permitir que o sistema de domínios e IPs funcione.

Entre as atribuições do ICANN está a implementação do IPV6. Temos ouvido falar em lobby de operadoras de telecom contra o IPV6, porque ele pode melhorar a Voz sobre IP...

DEMI: Na raiz do ICANN há "raízes de cola" do IPV6. O problema é que a expansão do IPV6 exige trocar toda a infra-estrutura, isso demora. Há linhas e roteadores rodando IPV4. Se você lança o IPV6 sem uma grande uniformização você cria ilhas que não se falam. Há um fenômeno que a internet sempre apresentou: a revigoração de coisas que parecem exauridas. O TCP/IP parecia exaurido em termos de alta velocidade quando se falava em fibra óptica, mas não só não ficou exaurido como rodou em alta velocidade. Eu tive uma reunião de emergência em 1997 porque estavam acabando os endereços IPV4. Daí apareceram proxys e ferramentas que permitiram usar um endereço e botar dez mil máquinas atrás daquilo.

Mas o que vai acontecer quando os celulares ganharem IP?

DEMI: É possível usar o IPV4. Fazendo um mascaramento dos celulares da área X ou Y, um celular de uma área pode usar o mesmo número de um de outra área, porém saindo para a rede através de um endereço válido. Existem formas de contornar isso, o que acaba desestimulando a migração maciça. Claro que seria bom para todos se o IPV6 fosse adotado rapidamente, mas isso exige grandes investimentos e ninguém está disposto a trocar todos os roteadores agora. As operadoras de telecom certamente neste ponto são inertes porque não vão querer trocar toda a estrutura. A mudança vem vindo, mas de forma lenta, e não é o ICANN que vai mudar isso. O que ele deve fazer é prover estrutura para que quando o IPV6 estiver em condições de funcionar, não seja brecado por falta de estrutura na raiz.

Você falou que não cabe ao ICANN discutir spam, mas uma de suas atribuições é zelar pela estabilidade da rede. O que o board vê como ameaças?

DEMI: Os servidores-raiz - treze espalhados pelo mundo, dois na Europa, um no Japão, os outros nos EUA - são operados por voluntários, em universidades, no departamento militar americano, dentro da Verisign. Será que eles são pontos de segurança? O ICANN uma vez tentou fazer contrato com essas operadoras, mas houve uma grita geral da comunidade mais tradicional. Não há instabilidade ou risco por esses 13 servidores estarem onde estão hoje porque eles podem ser facilmente operáveis e o sistema é confiável. No 11 de setembro, por exemplo, houve ataques de denial of services em alguns servidores-raiz, mas nunca tivemos ocasiões em que um deles tenha ficado fora do ar. O que o ICANN deve fazer, e já está fazendo, é exercer maior controle sobre os domínios genéricos. A Verisign, por exemplo, lançou um serviço chamado site finder, que funcionava assim: quando você escrevia um nome errado, como www.embrotel.com.br, em vez de www.embratel.com.br, quando caía na Verisign, ela dizia: "Olha, não encontrei isso aqui, mas tenho estas tais alternativas". Isso fura as normas básicas da internet porque você tem que responder que aquele endereço não existe, e não encaminhar o cara para outro lugar. Por que isso é um problema? Se você tem um mecanismo anti-spam que checa a existência de determinado nome, você está esperando a resposta "este nome não existe". Se em vez dessa resposta vier "veja aqui a busca para achar não sei o que", seu sistema pára de funcionar, porque veio uma resposta inesperada. Por isso o ICANN se posicionou duramente contra e mandou tirar do ar. Outra coisa que o ICANN poderia controlar em relação aos nomes genéricos: quando a gente registra aqui no Brasil, pede nome, endereço, CNPJ, etc, para tentar preservar uma base confiável e poder responsabilizar alguém por um problema. Mas ao se registrar num .com , você pode estar em qualquer lugar do mundo. Uma grande discussão no ICANN é o que você vai exigir e expor dos donos de domínios. Há discussões sobre transparência e privacidade. Se o cara diz que o nome dele é Pato Donald e que mora na Disney, vale ou não vale? Essa é a discussão chamada "who is?". Discute-se o que o ICANN pode exigir dos registradores genéricos e estes dos clientes.

Qual é sua opinião?

DEMI: Quero mão leve com os country codes e mão pesada com os genéricos, porque eles não respondem a ninguém. Se o .br fizer uma besteira, a legislação do país cai em cima. Se o .com faz uma besteira, você não tem acesso a ele. Como .br , eu nem queria que existissem os genéricos, porque nem são necessários. Mas eles existem e, se existem, que se comportem.