A mais recente pesquisa TIC Kids Online, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), mostra que 93% das pessoas entre 9 e 17 anos usam a internet no Brasil, e 78% deles acessam redes sociais.
Somente em 2022, a Safernet registrou no Brasil 111.929 denúncias de abuso e exploração sexual na internet — uma média de 306 por dia — envolvendo 40.572 páginas (URLs) distintas, das quais 18.218 foram removidas. Além disso, foi o segundo ano consecutivo que a pornografia infantil bateu recorde. Foram 101.833 casos em 2021, um aumento de 9,9% entre os dois períodos.
A reportagem conseguiu acesso no Telegram a ofertas de pornografia infantil por meio da ferramenta de busca de grupos públicos do próprio app. Para isso, lançou mão de algumas siglas e termos usados neste meio — que não serão revelados aqui para não permitir que outras pessoas encontrem este conteúdo.
Além de fotos e vídeos diretamente no app de mensagens, os conteúdos traziam links para sites e perfis de plataformas como Instagram, TikTok e até do WhatsApp — que também permite criar grupos públicos — facilmente indexados na busca do Google.
As caixas de comentários dessas plataformas, na maioria das vezes, funciona como um bate-papo para pedófilos venderem e divulgarem "packs" (pacotes de diversas fotos e vídeos), "mais conteúdos", trocas e vendas. Também é usado o recurso de aviso "link na bio", ou seja, com o link para continuar as conversas de forma privada em apps de mensagens.
Há também uma busca por crianças e adolescentes vulneráveis para troca de pornografia infantil, por meio de uma frase de uso comum entre este nicho (que não citaremos aqui) para trocarem conteúdo por WhatsApp.
Muitos dos vídeos com pedofilia são postados em um site de relacionamento adulto pouco conhecido (ocultaremos o nome por motivos de segurança). A plataforma está apenas em versão web, sem apps para celular, e seu domínio está no nome de uma empresa sediada em Londres chamada TLD Registrar Solutions Ltd.
Os comentários e grupos na plataforma britânica, no entanto, não se restringem a números e perfis brasileiros. Um dos mais "famosos" por compartilhar conteúdos do tipo possuía 32 links ativos e disponíveis no Google até a publicação desta reportagem.
Até o dia 27 de fevereiro, alguns grupos continuavam no ar no Telegram divulgando links para sites com conteúdo de exploração infantil. Em 2 de março, esses grupos "não existiam".
Segundo Tavares, da Safernet, já é sabido que cibercriminosos usam essas plataformas maiores como TikTok, Instagram, Google e Telegram como "mural de anúncio para chegar na audiência, usando linguagem modificada, linguagem velada" e plataformas menores para a divulgação do conteúdo ilegal.
Sobre o site de relacionamento onde é compartilhada pornografia infantil, para a base de dados da Safernet este é um domínio novo e recente, com apenas duas denúncias em 2023.
O problema é que, segundo Tavares, essas plataformas menores não adotam ferramentas para barrar esses conteúdos.
O WhatsApp, por exemplo, possui um mecanismo para identificar esses criminosos. Segundo o presidente da SaferNet, “existem superfícies que monitoram o aplicativo com moderação humana e softwares que escaneiam imagem de perfil, números e outras informações. Com isso, produzem um relatório de combate à exploração sexual infantil e as polícias do mundo inteiro têm acesso ao documento”, disse.
Outro ponto é que, com esses códigos, perfis privados no TikTok ganham espaço em buscadores como o Google para a divulgação desses aplicativos menores que contêm o conteúdo ilícito.
Procuramos o Google para entender como a plataforma trabalha para identificar e bloquear esses materiais. Em nota, disseram que o motor de busca tem "proteções robustas" para limitar o alcance de conteúdo com abuso e exploração sexual infantil.
A empresa também afirmou: "Detectamos, removemos e denunciamos proativamente esse tipo de conteúdo e implementamos proteções adicionais para filtrar e remover resultados apontando para conteúdo que sexualiza menores."
O Google admite, porém, que "ocasionalmente os resultados podem conter conteúdo nocivo, ofensivo ou problemático. Isso pode acontecer especialmente se as palavras usadas em uma consulta corresponderem bastante com as palavras que aparecem no conteúdo problemático".
Questionados sobre se há um filtro, além do algoritmo, para identificar os códigos específicos usados por cibercriminosos, o porta-voz informou que a empresa também conta com um trabalho manual, "com uma equipe de pessoas altamente especializadas e treinadas para avaliar conteúdos, além de especialistas que ajudam a garantir a precisão dos resultados da tecnologia".
O Telegram e o WhatsApp também foram procurados para comentarem sobre o combate a essas práticas, mas não responderam. Também foi tentado o contato com a TLD por e-mail, mas não obtivemos resposta até a publicação do texto.
Entramos em contato com o TikTok e o Instagram para esclarecer sobre os perfis que compartilham links com pedofilia. O TikTok ainda não respondeu.
Já o Instagram, por meio de uma nota, informou: "Trabalhamos de forma proativa para encontrar e remover esse tipo de material e encorajamos as pessoas a denunciar qualquer conteúdo que explore ou ponha crianças em risco."
A empresa disse também que revisa manualmente esses conteúdos e, em havendo violação das políticas de uso, é realizada denúncia ao Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC), dos Estados Unidos, e a conta em questão é removida.
O que diz a polícia
Uma das capturas de tela da apuração de Byte identificou um número de WhatsApp com DDD do Maranhão. A reportagem conversou com um agente da Polícia Civil do estado, que preferiu não se identificar.
Segundo ele, não há qualquer registro da tática de uso de códigos nas redes sociais nas investigações da PC-MA. "Os métodos comuns catalogados são o compartilhamento via rede P2P [ponto a ponto, ou seja, de um computador direto para outro, sem um servidor central] e em grupos de WhatsApp/Facebook", afirmou.
O agente disse ainda que uma vez identificados titulares de contas de redes sociais, é possível sua individualização e responsabilização por crimes cometidos.
Sobre os prints enviados e links encontrados pela reportagem, o porta-voz disse que havendo elementos suficientes que apontem um delito (e que este seja de responsabilidade da PC-MA), haverá investigação.
Com relação aos números de outros estados, cabe à jurisdição de cada região. A redação tentou contato com a Polícia Federal para entender o que está sendo investigado no âmbito nacional, mas ainda não obteve retorno.
Denúncia nos apps é ineficiente
O problema assusta, mas vem de alguns anos. No ano passado, uma reportagem do MobileTime denunciou a exploração sexual infantil no Telegram e apontou que a plataforma usa uma combinação de moderação proativa de conteúdo publicamente visível e relatórios de usuários.
"Cada denúncia recebida é cuidadosamente examinada pelos moderadores e o conteúdo que viola nossos termos de serviço é removido”, disse a empresa na época, que também destacou a remoção de 17.485 grupos e canais por denúncias de pornografia infantil no Stop Child Abuse.
Mas não é tão fácil banir um conteúdo no Telegram ou no WhatsApp. Quando tentei fazer a denúncia neste último, o link não estava mais no ar e o número vinculado não possuía mais uma conta no aplicativo.
Esse padrão é percebido em diversos links que não ficam no ar por muito tempo, talvez como estratégia de circulação para que não sejam pegos. Outros utilizam números de CPF falsos ou de terceiros para que não sejam identificados. Tavares, da Safernet, explica que esse método já é conhecido pelas autoridades.
Em fevereiro do ano passado, o site Núcleo também encontrou pelo menos sete grupos públicos no Facebook — acessíveis a qualquer usuário e com milhares de membros — que poderiam ser usados para aliciamento de menores e que mostravam conteúdo de conotação sexual referindo-se a crianças e adolescentes.
“O combate à difusão de imagens de abuso e exploração sexual infantil é um eterno enxugar de gelo. Essa luta exige o desenvolvimento de inteligência que impeça que o abuso ocorra e que caia a produção desse tipo de imagens”, afirma Tavares.
O agente da PC-MA disse a Byte que é muito difícil combater esses cibercriminosos porque há uma escassez de mão de obra qualificada nas estruturas de investigação das polícias judiciárias.