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24 JAN 2009

Crescem os casos de calúnia na internet






A Cidade - 24/01/2009 - [ gif ]
Autora: Hélia Araújo
Assunto: Crimes

Crimes contra a honra, como calúnia, injúria e difamação, estão se tornando cada vez mais comuns na internet. Conhecido como cyberbullying, este tipo de crime acontece através de e-mails, torpedos, blogs, fotoblogs, Orkut e MSN, quando, de forma anônima, o autor insulta, espalha rumores e boatos cruéis sobre outras pessoas.

O cyberbullying é uma variação virtual do bullying, que são os atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por uma ou mais pessoas com o objetivo de intimidar ou agredir outra.

Até a prefeita de Ribeirão Preto, Dárcy Vera (DEM) sofreu com o cyberbullying durante a campanha eleitoral. Na ocasião, ela fez sete representações na Justiça por crimes contra a honra. Diversos e-mails circularam na cidade com ofensas à Dárcy, sua família e companheiros de partido.

O juiz João Agnaldo Donizete Gandini deferiu quatro pedidos em que o acusado era um pequeno empresário ligado a políticos. E, outros três, em que o acusado era um ex-vereador e ex-candidato à prefeitura. Em todos os deferimentos os acusados foram obrigados a suspender imediatamente o envio desses e-mails.

A prefeita foi procurada pela reportagem, mas sua assessoria afirmou que ela prefere não comentar mais sobre o assunto e não autorizou que seu advogado falasse.

Pesquisa aponta agressões
De acordo com pesquisa realizada pela ONG SaferNet Brasil - associação formada por diversos profissionais e referência no combate aos crimes que violam os direitos humanos através da internet - 46% dos 510 adolescentes e crianças analisados foram vítimas de agressões na internet ao menos uma vez.

A pesquisa ainda mostrou que 34,8% dizem que foram agredidos na rede por mais de duas vezes. Dos participantes, 31% são do Estado de São Paulo, onde há o maior número de relatos segundo a SaferNet.

Danos morais
De acordo com a psicóloga Sônia Camargo de Azevedo, a conseqüência dos crimes contra a honra, de calúnia e injúria na internet é desproporcional ao dano causado às vítimas.

"Infelizmente a tecnologia começa a ser usada para ameaçar, humilhar ou intimidar. O cyberbullying é um fenômeno sem rosto. O mal-estar pessoal e social pode ocasionar problemas de saúde física e mental e, em casos de extrema violência, chega ao suicídio", aponta.

Covardia
Para o psicólogo Carlos Henrique da Costa Tucci, os autores deste tipo de ação, além de agirem com violência e ilegalidade, são pessoas covardes.

"É muito fácil insultar o outro de maneira anônima, se escondendo da conseqüência de seus atos. O cyberbullying é ainda pior do que o já conhecido bullying, pois o autor age com covardia".

A psicóloga Sônia alerta que os pais de adolescente devem estar atentos ao uso na internet pelos seus filhos. São eles as principais vítimas e autores do cyberbullying.

"Normalmente, as crianças são vistas como vítimas e não como agressores, mas é importante ter a noção de que podem assumir estes dois papéis."

Susto
A vendedora Carla (nome fictício), de 46 anos, teve problemas no site de relacionamentos Orkut. Ela conta que alguém pegou sua senha, adicionou muitas comunidades e mandou vídeos pornográficos para os amigos de sua lista.

"Quando vi as comunidades e os vídeos que estavam sendo mandados em meu nome quase infartei. Tentei excluir o perfil na hora, mas não consegui porque alteraram a senha. Fiz a denúncia no próprio Orkut, através da página de uma amiga e depois de uns dez dias saiu do ar".

Sexo exposto
A situação da estudante universitária Fernanda (nome fictício), de 24 anos, foi ainda mais grave. Em 2007, ela perdeu seu pen-drive com fotos de relações sexuais com o namorado. O aparelho foi encontrado por um desconhecido, que era funcionário da administração de uma concessionária de veículos da região.

A pessoa usou o e-mail da concessionária para o envio de e-mails e criação de comunidade. Fernanda registrou queixa na polícia e contratou um advogado especialista em direito digital. Uma perícia computacional mostrou a empresa de onde partiram os e-mails e, como não havia controle de acesso à rede dos funcionários, a empresa teve que pagar uma indenização por danos morais à estudante.

Como se defender de virtuais caluniadores anônimos
No Brasil, ainda não há lei específica para punir o cyberbullying. Praticado quase sempre por jovens e adolescentes que se escondem através de identidades falsas, o crime parece fácil de permanecer impune.

Mas é possível, sim, identificar os autores através de rastreamentos realizados por profissionais capacitados.

"Todos os usuários que se conectam à internet recebem uma identificação única denominada endereço IP, que é como se fosse o 'chassi' do usuário na internet", explica o advogado José Antônio Milagre, especialista em direito eletrônico. Segundo ele, quando um praticante de cyberbullying acessa um serviço que não exige dados pessoais e lá ofende pessoas, publica fotos ou difamações, normalmente pensa que está amparado pelo anonimato, mas essa é uma sensação falsa.
"Serviços como orkut, myspace, blogs, wikis, embora não exijam cadastros dos usuários que criam comunidades e páginas com cyberbullying, registram os dados de conexão do usuário 'anônimo' que criou as paginas, dentre elas, o tal endereço IP".

Só judicialmente
Milagre explica que estes dados são protegidos judicialmente, e que, então é preciso ingressar com uma medida judicial compelindo os serviços, sob pena de multa diária, a indicarem o IP do usuário da internet que criou a página, na hora e datas da difamação.

"Pronto, pegamos o IP, vamos até o comitê gestor da Internet no Brasil e descobrimos qual era o provedor de acesso que o criminoso usou para entrar na rede".
Sabendo disso, segundo o advogado, é feito um pedido de instauração de inquérito e uma ordem para os dados do usuário que estava acessando a internet no dia e horas da ofensa publicada.

De acordo com o juiz Paulo César Gentile, tais atos quando praticados por menores de idade são tratados como infracionais equiparados a crime contra a honra, o que dá ensejo ao ajuizamento de ação que pode resultar na aplicação de medidas de proteção.

"Da mesma forma, a pessoa ofendida pode ajuizar uma ação de indenização por dano moral", afirma Gentile.

ENTENDA OS TERMOS Bullying: é um termo inglês utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (bully ou "valentão") ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou grupo de indivíduos) incapaz(es) de se defender.

Cyberbullying: é o bullying no mundo virtual. Praticado geralmente no anonimato, seu propósito é expor alguém de uma forma vexatória. Tem como canais os e-mails, blogs, comunidades de relacionamento, onde é comum a utilização de perfis múltiplos e, particularmente, falsos.

OS CRIMES Calúnia
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente crime. Calúnia só existe quando existe divulgação, logo é necessário que a falsa afirmação chegue ao conhecimento de uma pessoa que não seja o ofendido. Se for um e-mail ou mensagem eletrônica de conteúdo visto apenas pelas partes não há calúnia.
Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à reputação. O dano é ferir a reputação daquele para quem foi direcionada a acusação. A divulgação da acusação que uma pessoa traiu o cônjuge, mesmo que verdadeira, é considerada difamação.
Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa.

Injúria
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. Este crime trata do sentimento pessoal do acusado, logo não precisa ser divulgado para terceira pessoa para que ocorra, já que a mensagem direta entre dois internautas pode ser definida como injúria.
Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa.

Ameaça
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. O fato de alguém escrever um scrap no Orkut ou mensagem em fórum intimidando uma pessoa como por exemplo "eu vou te matar" ou "estarei de olho na sua família" são ameaças definidas como crime.
Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa.


Empresário é condenado a pagar indenização
Um empresário mineiro foi condenado a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil à ex-namorada, por publicar fotos dela durante relação sexual. As imagens, segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), foram divulgadas na internet e em panfletos.

De acordo com o processo, a mulher havia concordado com as fotos de poses eróticas feitas durante um relação sexual com o empresário. Mas ela afirma que o parceiro prometeu apagar as fotos de sua câmera digital. As imagens, entretanto, foram divulgadas em e-mails, sites pornográficos e também impressas em panfletos distribuídos em Teófilo Otoni (MG).

Na sentença, o juiz Ricardo Vianna da Costa e Silva, da 2ª Vara Cível da Comarca de Teófilo Otoni, entendeu que, "tendo o réu guardado as fotos, sem o consentimento da primeira autora, e não tomado os cuidados necessários para evitar que terceiros se apoderassem das mesmas, é certo que foi negligente, devendo, portanto, responder pela divulgação das imagens". A indenização fixada foi de R$ 60 mil. O réu recorreu e teve redução do valor.

Ofensas que acabaram em dor e suicídio
Os casos de cyberbullying, nem sempre terminam de maneira pacífica. Muitas vezes, o desfecho é dramático e imprevisível.

Em 2006, o estudante de Educação Física, Thiago Arruda, 19, foi alvo de uma comunidade no Orkut, criada apenas para inventar boatos sobre os moradores da cidade de Ponta Grossa, no Paraná.

Chamado de homossexual e pedófilo, o jovem foi agredido nas ruas por pessoas que acreditavam nas difamações.

Pressão insuportável
Por quase um ano a situação permaneceu, até que, em março do ano passado, ele escreveu na internet que caso as agressões não parassem, ele se mataria.
A resposta que teve dos membros da comunidade foi um incentivo ao suicídio, em que até mesmo o "melhor método" foi ensinado.

No dia seguinte às mensagens, Thiago foi encontrado morto sufocado dentro do seu carro, estacionado na garagem de sua casa. Ninguém foi preso.

PESQUISA 46% já foram vítimas de agressões na internet
pelo menos uma vez

34,8% sofreram agressões por duas vezes ou mais

31% dos agredidos são paulistas

Foram entrevistados 510 crianças e adolescentes
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