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02 JAN 2025

Como nossos pais: em escolas onde já há proibição, antigas brincadeiras substituem os celulares


O Globo Online - 1/1/2025 - [gif]


Assunto: TIC Kids Online Brasil

Iniciativas apontam caminhos que podem ser adotados em todos os colégios do públicos e privados do país

Escolas privadas que já proibiram o celular até nos intervalos das aulas criaram projetos para que os alunos interajam após a retirada dos aparelhos das mãos de crianças e adolescentes. Entre as estratégias, estão a instalação de bibliotecas de jogos e o resgate de brincadeiras do tempo de seus pais, como a amarelinha e pular corda. As iniciativas apontam caminhos que podem ser adotados em todos os colégios do públicos e privados do país, a partir deste ano, o primeiro em que os smartphones estarão banidos dos espaços de ensino.

Em dezembro, o Congresso aprovou a proibição, mesmo fora do horário de aulas, da utilização dos celulares em todas as unidades educacionais. Os estudantes poderão levar seus telefones com eles, mas deverão mantê-los na mochila. Para entrar em vigor, a lei só precisa da sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A proposta, porém, foi defendida pelo Ministério da Educação, o que sinaliza o apoio do governo à medida.

A maior parte das escolas particulares em que a restrição já está em vigor entendeu que seria necessário complementar a proibição com projetos de estímulos a interações pessoais e a brincadeiras presenciais, algo que era muito natural antes da proliferação de smartphones entre crianças e adolescentes no mundo.

Em São Paulo, o Colégio Visconde de Porto Seguro criou, em 2019, o Porto Disconnect, um projeto para estimular brincadeiras como futebol de botão, futmesa e pingue-pongue. No Rio, o Colégio Qi implementou o projeto "De Volta ao Básico" no intervalo para "promover atividades lúdicas da cultura e folclore brasileiro, como brincadeiras de elástico, amarelinha e corda para estimular a interação entre os alunos e o desenvolvimento de habilidades motoras". Em Porto Alegre e em Canoas, no Rio Grande do Sul, o Colégio Leonardo da Vinci criou o projeto Recreio Divertido, em que monitores incentivam brincadeiras como Twister, queimada e pique bandeira durante o horário do intervalo.

- Também criamos oficinas de jogos e brincadeiras, que são realizadas no turno inverso às aulas, oferecem oportunidades para estudantes de diferentes níveis se encontrarem e fortalecerem laços por meio de jogos sugeridos por eles mesmos - diz Márcia Andrea Schimidt, diretora-geral do Colégio Leonardo da Vinci.

Biblioteca Diferente O CEL e o Franco Brasileiro, colégios do Rio que fazem parte do mesmo grupo empresarial, fizeram o caminho inverso: em 2024, tentaram competir com os celulares com projetos de estímulo a brincadeiras tradicionais e de tabuleiro. Uma biblioteca de jogos foi criada como uma das alternativas.

- É igual a uma com livros: o aluno pega o jogo emprestado com seu cadastro e depois devolve - explica Lucimar Motta, diretora acadêmica do grupo Sinergia, empresa responsável pelas duas escolas.

Para Lucimar, esse movimento gerou interesse suficiente dos alunos a ponto da quadra da escola voltar a ser disputada por diferentes grupos - e, com isso, a direção precisou, novamente, dividir a utilização do espaço entre as turmas, o que foi considerado pela gestão como um sinal de sucesso.

- Antes só um grupinho usava. Agora os alunos estão saindo dos celulares e voltando a mostrar interesse nas atividades físicas - diz.

No entanto, uma parte dos jovens ainda resiste com os celulares em mãos. Por isso, os colégios decidiram, ainda antes da lei ser aprovada no Congresso, proibir o uso também no intervalo das aulas em 2025.

- Trabalho com educação há 22 anos. No começo da minha carreira, a gente precisava ajudar os na integração de diferentes grupos. Sem mediação, as crianças acabavam brincando sempre entre os mesmos. Mas tinham o tempo inteiro alguma atividade, diferente do que a gente vê hoje - compara Lucimar.

Especialista em neurociência aplicada à educação da Fundação Bradesco, Katia Chedid explica que quando a criança brinca de casinha, de futebol ou de outras atividades analógicas, tem uma série de aprendizados que não são obtidos no mundo digital.

- É fundamental incentivar as brincadeiras não tecnológicas. Elas estimulam o desenvolvimento da criatividade, da imaginação, da atenção, da organização, além de outras habilidades necessárias para o aprendizado e para a socialização - avalia a especialista.

Professora da UFPE que pesquisa infância e tecnologia, Viviane de Bona defende que a escola, mesmo com a proibição, siga com a tarefa de discutir a utilização de redes sociais por crianças e adolescentes.

- É preciso garantir educação midiática para os alunos, ensinar a eles as responsabilidades, o que é ético, como as pessoas devem se comportar nesse mundo virtual e o que podem fazer - afirma.

O projeto aprovado no Congresso libera o uso do celular para fins educacionais ou quando houver necessidade de garantir acessibilidade, inclusão, atender a condições de saúde do aluno ou "garantir os direitos fundamentais", que não é detalhado pelo texto.

Problema global Em todo o mundo, há evidências de que crianças e adolescentes estão cada vez mais trocando brincadeiras analógicas por telas. De acordo com o Pew Research Center, cerca de metade dos adolescentes nos Estados Unidos diz que estão on-line quase constantemente, patamar que é o dobro do registrado há uma década. Outros levantamentos com adolescentes americanos apontam que isso significa cerca de cinco a seis horas diárias nas telas, tempo equivalente ao que a maior parte dos jovens brasileiros passa nas salas de aulas.

No Brasil, a TIC Kids Online Brasil, uma pesquisa do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), aponta que mais da metade das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos acessam redes sociais todos os dias. Ainda segundo o levantamento, 45% afirmam que usam o Instagram várias vezes ao dia e 37% entram no Tik Tok nessa com essa mesma frequência.

Restrições a smartphones nas escolas têm sido aprovadas em países como França, Espanha, Finlândia, Itália, Holanda, Canada, Suíça, Portugal e México. Alguns estados dos EUA registraram até protestos de estudantes contra os banimentos. No Reino Unido, alunos declararam a uma reportagem da CNN que a medida, tomada no fim de 2023, foi " um choque", e que o que mais se ouviam dos colegas nos corredores era de que não poderiam viver sem os telefones nas mãos.