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08 DEZ 2006

Como levar conexão veloz a todo o país






Arquivo do Clipping 2006

Veículo: A Rede
Data: 08/12/2006
Assunto: Governança

Há consenso de que o país precisa de uma política de banda larga. Mas as posições sobre como fazer isso e de que forma usar os recursos do Fust são divergentes. A boa notícia: a Anatel encontrou um caminho legal para que as prefeituras possam usar freqüência desregulamentada para oferecer acesso à internet aos cidadãos. Mas o serviço tem de ser gratuito.

Se já há um consenso nas diferentes instâncias do governo - Executivo, Legislativo e agência reguladora - de que o Brasil precisa de um projeto ambicioso de massificação da banda larga, ainda não se sabe qual o melhor caminho para a implementação desse programa. Essa é a constatação a que se chega, depois de um dia inteiro de debate, promovido, em novembro, pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados.

Embora os diferentes interlocutores defendam a universalização do acesso à internet em alta velocidade, diversas são as análises dos problemas que precisam ser resolvidos e, conseqüentemente, também as propostas de solução são as mais distintas possíveis. O que remete à constatação de que o governo Lula, em seu novo mandato, terá que não só incluir a massificação da banda larga entre suas prioridades, como indicar um coordenador, suficientemente representativo, para formular uma política que consiga aglutinar os diferentes agentes.

Para o secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna, a disponibilidade de infra-estrutura é a chave para que o governo consiga implementar o plano de universalização que pretende oferecer acesso em banda larga a todos os municípios brasileiros; todos os órgãos de segurança pública; todos os hospitais e postos de saúde; todas as escolas, universidades e bibliotecas públicas; e todos os prédios públicos federais. "Essa é uma infra-estrutura de caráter estratégico", afirma.

Para Santanna, o país está muito atrasado nessa questão. Ele mostra que, enquanto o país possui 14 usuários de internet por cada cem habitantes, a densidade da banda larga, também por cem habitantes, é de 6,7. Em junho deste ano, o Brasil contava com 4,743 milhões de acesso banda larga, dos quais 86,3% eram clientes residenciais. Mas a sua distribuição é bastante desigual pelo território brasileiro. "Existem apenas 240 cidades brasileiras com oferta de banda larga, que representam 84% dos negócios do país. Se continuarmos com esse modelo, estaremos condenando mais de 5 mil municípios brasileiros à desconexão eterna", vaticina.

Mesmo entre aqueles que já possuem a conexão, a distribuição também é desigual. São Paulo concentra 40,9% dos acessos, seguido pela região Sul, com 20,8%; Sudeste (exceto São Paulo), com 18%; Centro-Oeste, com 9,7%; Nordeste, com 7,3%; e a região Norte, com 3,4%.

Para o secretário, além da falta de infra-estrutura, o preço cobrado pelas prestadoras brasileiras também é muito alto. Segundo levantamento do Ministério do Planejamento, apesar de ter aumentado a competição nesse segmento, com a presença mais agressiva da tecnologia de cable modem (acesso banda larga oferecido pelas operadoras de TV a cabo, que compete com o ADSL das concessionárias de telecom), o preço da banda larga chegou a aumentar este ano. Para as três faixas de velocidades onde se concentra o maior número de clientes brasileiros (128k a 256k; 256k a 512k; e 512k a 1M), o preço pago pelo consumidor brasileiro, no primeiro trimestre de 2006, aumentou entre 7% a 15%, em relação ao ano passado. Somente nas velocidades acima de 1Mb é que se verificou queda de preços. Em média, uma conexão de 256k a 512k (usada por 51% dos clientes brasileiros) custava, no ano passado, R$ 55,00 por mês e, em março deste ano, valia R$ 65,00.

Para mudar esse cenário, a proposta de Santanna é que o Estado assuma o papel de condutor dessa política, seja resgatando a sub-utilizada grande rede de fibra ótica hoje existente no país, seja destinando faixas de freqüências gratuitas para a implantação de soluções de banda larga sem fio (com tecnologias como Wi-Fi e WiMAX) aos municípios, estados e órgãos federais. "Teremos que usar todas as alternativas", afirma ele.

Já para a Anatel, defende o seu presidente, Plínio de Aguiar Jr., a melhor solução seria transformar a banda larga em um novo serviço público de telecomunicações. Atualmente, somente a telefonia fixa é classificada como serviço público, e Aguiar entende que, se a banda larga também for enquadrada como tal, o governo poderá imputar metas de universalização a essas novas concessionárias, ampliando, assim, a área de cobertura. "O mercado sozinho não consegue atender às prioridades nacionais", pondera.

O Ministério das Comunicações, por sua vez, entende que só se conseguirá ampliar a oferta de banda larga a preços menores, se for construída a rede de transmissão capaz de transportar dados em alta velocidade. Conhecida como backhaul, essa infra-estrutura é escassa no país. "A universalização da telefonia foi feita em banda estreita. E, hoje, existem apenas 700 municípios com rede capaz de suportar a banda larga", afirma o diretor de indústria, ciência e tecnologia do Minicom, Igor Villas Boas de Freitas.

Fust
Qualquer que seja a modelagem proposta, ninguém acha que dá para abrir mão do uso dos recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que arrecada cerca de R$ 600 milhões por ano, já acumulou mais de R$ 6 bilhões, mas nunca foi usado. O problema, contudo, é como usar esse dinheiro nesse programa, já que as interpretações da lei que o criou são as mais díspares possíveis. Também aí as propostas são mais divergentes. Para a Anatel, a criação do serviço público resolveria o problema, sem precisar de mudanças na lei. "Dessa maneira, a banda larga poderia ser instalada nas escolas, os computadores comprados, e o Fust pagaria tudo", defende o conselheiro da Anatel, Pedro Jaime Ziller de Araújo.

Já o Ministério das Comunicações tem outra interpretação. Para que o dinheiro possa ser aplicado, sem que a lei do Fust seja alterada, explica Marcelo Bechara, consultor jurídico, basta que ela receba nova regulamentação. De tal forma que se diferenciem os serviços universais obrigatórios (prestados pelas concessionárias) dos serviços passíveis de universalização (a banda larga, que poderia ser explorada sob o regime privado). Com essa proposta, acredita o ministério, estaria aberta a possibilidade para muitos pequenos provedores oferecerem o acesso internet em banda larga com os recursos do Fust. Para o ministério, se for criada a concessão pública, somente as grandes operadoras terão condições de disputar as licitações.

De outro lado, amplia-se a pressão dos municípios. A partir das experiências bem-sucedidas de Piraí, no interior do Rio de Janeiro, ou Sud Menucci, no interior de São Paulo, cresce o movimento de prefeitos que querem freqüências gratuitas para poderem criar seus projetos de cidades digitais. Depois de muitas dificuldades - Sud Menucci chegou a ser "visitada" por fiscais da Anatel -, a agência, finalmente, parece ter encontrado uma alternativa para regularizar a atuação dessas prefeituras, que hoje não poderiam prover o acesso à banda larga por não terem licença de serviço de telecomunicações, obrigatória para todos.

A agência pensa em conceder uma licença de Serviço Limitado Privado para as administrações municipais, que só poderão oferecer o serviço à população se ele for gratuito, já que a Lei Geral de Telecomunicações e a Constituição federal proíbem que os entes do Estado tenham ganhos econômicos com atividades que não sejam de "relevante interesse coletivo". Ou seja, explica Ziller, para que as administrações possam prestar o serviço de telecomunicações sem ser de graça, teria que haver uma lei regulamentando que banda larga é de relevante interesse para o país.

E não é por menos que a deputada Luiz Erundina (PSB/SP) decidiu apresentar um novo projeto de lei aos inúmeros que tramitam na Câmara dos Deputados sobre o Fust, autorizando que os recursos sejam repassados para as administrações públicas, para que elas, com autonomia, implantem os seus projetos de inclusão digital. Mas, entre as muitas mudanças que a deputada sugere na lei do Fust, pelo menos uma poderá trazer mais problemas: ela propõe que o dinheiro seja gasto conforme a lei 8.666, a lei que trata das compras públicas, que havia sido revogada para o setor de telecom.

Municípios
Se a oferta de serviços pelas administrações públicas ganha simpatia em diferentes esferas do governo, essa proposta não é, no entanto, vista com bons olhos pelas empresas que querem competir com as concessionárias de telecomunicações. Para Luiz Cuza, presidente da Telcomp, entidade que representa as empresas que competem com as concessionárias, essa proposta pode até ser bem-intencionada, mas ele acredita que provocará ineficiência. "Entendo que essa re-estatização seria uma passo atrás, pois esse setor precisa de investimentos de longo prazo", avalia.

O presidente da Abramulti ( Associação Brasileira das Operadoras de Serviço de Comunicação Multimídia), Manoel Santa Sobrinho, bate na mesma tecla. Para ele, a atuação da iniciativa privada "sempre é mais recomendável." E, no seu entender, se o compartilhamento da infra-estrutura tornar-se obrigatório, as mais de 3 mil pequenas empresas com licença de SCM poderão estar presentes nas pequenas localidades brasileiras. "Para resolver o problema de falta de banda, o melhor seria que fossem criados mais pontos de troca de tráfego (PTTs)," defende.