Brasil e China unem forças para capacitação inédita em computação quântica
Jornal da Ciência - 8/4/2025 - [gif]
Autor: Daniela Klebis
Assunto: Computação quântica
NIC.br e CGI.br promovem semana de imersão com cientistas chineses para impulsionar o domínio brasileiro nessa tecnologia
Na última semana, o Brasil deu um passo importante em direção à vanguarda da tecnologia. Entre os dias 31 de março e 4 de abril, em São Paulo, o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), em parceria com o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), promoveu uma capacitação em computação quântica, com o apoio de cientistas chineses do Suzhou Quantum Center (Centro de Ciência, Tecnologia e Inovação Industrial do Delta do Rio Yangtze), ligado à gigante CETC (Electronics Technology Group Corporation, uma estatal chinesa que abrange diversas áreas da eletrônica).
Organizado por Antonio Moreiras, gerente de Projetos e Desenvolvimento do NIC.br, e Percival Henriques, conselheiro do CGI.br, o curso ofereceu uma imersão no universo quântico, com a oportunidade de utilizar uma plataforma real, na nuvem, de computação quântica, acessada remotamente na China. “O pessoal do NIC.br pode ter esse treinamento, como fazer, como pensar uma programação, pensar algoritmos usando esse paradigma da computação quântica, que é diferente da computação clássica”, contou o físico Amílcar Rabelo de Queiroz, um dos mediadores do intercâmbio entre as instituições brasileiras e chinesas.
A conexão com a China, explicou Queiroz, surgiu por meio do projeto do Radiotelescópio BINGO, uma cooperação científica entre Brasil e China que ele coordena ao lado do físico Elcio Abdalla. “Em uma das viagens à China, fomos estimulados pelo secretário de estado de CT&I da Paraíba, professor Cláudio Furtado, a mapear o ecossistema quântico local, porque há um interesse do Estado da Paraíba de montar um Centro de Tecnologias Quânticas. Entrei em contato com o Suzhou Quantum Center, que pertence ao CETC e que está construindo o BINGO, e, na sequência, o Estado da Paraíba firmou um memorando de entendimento para o desenvolvimento de tecnologias quânticas com esse centro”, contou. A ponte então foi construída: o NIC.br pediu a intermediação de Queiroz para organizar o treinamento junto aos parceiros chineses, para apresentar essa plataforma e para que as pessoas aqui no Brasil conheçam o que vem sendo desenvolvido lá.
Para Amílcar Queiroz, a colaboração Brasil-China representa um modelo exemplar de compartilhamento de conhecimento. “O doutor Abdus Salam, Nobel da Física, dizia que o conhecimento científico é herança comum da humanidade. E é isso que tenho sentido bastante ao trabalhar com os colegas chineses: um compartilhamento aberto, transparente; uma troca de informação sem preocupações, medos ou qualquer coisa. É muito simples colaborar desse jeito.”
Em sua fala durante o encerramento do curso, Elcio Abdalla destacou o avanço acelerado da ciência e a importância estratégica dessa colaboração internacional. “Existe uma unicidade na ciência, a ciência é maiúscula. Desde que nós tivemos a Revolução Industrial, na verdade, tudo avançou de uma maneira muito mais rápida. Há cem anos, nós falávamos da mecânica quântica como algo transcendente, fora do atual, simplesmente para explicar partículas elementares. A gente aprende com a experiência dos primeiros, que aparentemente são coisas sem importância, e hoje temos o uso de todas as questões em computação quântica, que parecia também, até pouquíssimo tempo atrás, algo intangível.”
Com décadas de experiência em cooperação com a China, Abdalla falou com entusiasmo sobre a evolução dessa parceria. “É uma parceria digna, que contrasta com antigas dinâmicas de exploração colonial. E nós estamos aqui juntando esforços para o futuro, para o progresso de cada uma das nações.”
Abdalla também reforçou o impacto prático dessa parceria no sertão nordestino, especificamente, com a criação de museus, escolas de ciência e infraestrutura científica na região do BINGO. “Estamos levando ciência de ponta ao sertão paraibano. Não só com o radiotelescópio, mas com ações que envolvem a comunidade, promovem educação científica e plantam as sementes para um futuro tecnológico no país.”
Desafios e oportunidades da computação quântica
A programação do workshop foi intensa, com palestras, análise de problemas reais, trabalho em grupo e uso prático da plataforma quântica desenvolvida pelo Suzhou Quantum Center. Segundo o gerente de Projetos e Desenvolvimento do NIC.br, Antonio Moreiras, o curso marca um novo momento na preparação da equipe técnica para desafios emergentes. “Um dos principais impactos dos computadores quânticos para a internet é a ameaça à criptografia atualmente utilizada, como RSA, DSA e ECC, tudo que é baseado em números primos. Esses algoritmos, que são amplamente utilizados em internet, em protocolos como HTTPS, VPNs, DNSSEC, blockchain, etc., vão se tornar vulneráveis a ataques assim que computadores quânticos com certo grau de eficiência se tornarem de uso comum”, alertou. “Já iniciamos um processo de transição global para tecnologias pós-quânticas, e eu acho que faz parte do nosso trabalho no NIC.br alertar a comunidade técnica do Brasil e participar desse processo de transição, de mudança de tecnologia criptográfica, de mudança de chaves”, disse.
Contudo, Moreiras apontou também que os desafios vêm acompanhados de oportunidades, e entender essas tecnologias, permitirá uma melhor atuação nos próximos anos. “As redes quânticas, que são baseadas em fenômenos como entrelaçamento, prometem trazer um grau de segurança maior para a internet, porque a gente pode usar propriedades quânticas para transmitir a informação de uma forma que ela não pode ser alterada, que ela não pode ser interceptada”, comentou.
O curso contou com a participação de cerca de 25 profissionais do NIC.br, além de pesquisadores ligados ao projeto BINGO. A diversidade dos perfis — desde especialistas em redes de internet até físicos e astrônomos — contribuiu para resolver problemas complexos durante a semana. “A interação entre áreas foi muito rica. Teve estudante que me disse que conseguiu resolver questões difíceis justamente pela colaboração interdisciplinar”, relatou Queiroz.
Para ele, vivemos hoje uma nova revolução, assim como foi com a inteligência artificial. “O presidente Lula lançou a Estratégia Brasileira de IA no ano passado. E IA já está em tudo: no celular, nos serviços, nas pesquisas. Agora é a vez da computação quântica. Ainda não está no nosso dia a dia, mas vai chegar. E precisamos nos preparar para isso”, enfatizou.
Troca e aprendizado
Um dos três especialistas convidados para ministrar o curso, o físico chinês Dr. Zhao Dafa, do CETC destacou o espírito de colaboração e a importância do intercâmbio com o Brasil. “Na China temos uma frase que diz que quando um professor ensina, ele também aprende. E foi isso que vivemos esta semana. Precisamos dessa troca para que a gente consiga estar sempre nesse processo de melhoramento. Dar as mãos para buscar um futuro melhor.”
Dafa lembrou que a parceria entre os dois países foi reforçada ano passado, com a visita do presidente da China, Xi Jinping, ao Brasil, em novembro: “Naquela ocasião, foram assinados 37 memorandos de entendimento com o presidente Lula, formalizando uma grande parceria para o futuro. A troca desta semana foi uma consequência direta daquele encontro.”
Para Dafa, tanto o curso como o que será criado a partir dele trazem benefícios para todos, mas em especial para um desenvolvimento mais consciente dessa nova tecnologia. “A computação quântica está muito no início ainda. O projeto BINGO precisa de muita computação quântica. E essa parceria pode ser muito interessante para fazer a computação quântica crescer de forma saudável no Brasil.”