As crianças e as redes: uma luta entre Davi e Golias
Nexo - 15/5/2025 - [gif]
Autor: Januária Cristina Alves
Assunto: Crianças e adolescentes na Internet
“E, para a senhora, atualmente, qual é o maior desafio desta geração?”, perguntei eu a Sonia Livingstone, uma das mais renomadas pesquisadoras sobre a relação entre mídia, comunicação e sociedade com foco em crianças e jovens na era digital. E ela me respondeu, sem titubear: “Acredito que o maior desafio seja ser ouvida. Ser ouvida sempre foi uma dificuldade, assim como ser incluída. Mas hoje também envolve estar segura online e encontrar um caminho — é como a história de Davi contra Golias: as crianças são os pequenos e enfrentam as grandes empresas de tecnologia, sendo muito difícil encontrar formas de convivência e expressão”.
A especialista britânica foi convidada para participar do Seminário Internacional “Dados e análises para um futuro digital inclusivo”, promovido pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR, ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, para celebrar os seus 20 anos de existência. O Centro está à frente das pesquisas TIC Domicílios, TIC Kids Online Brasil, TIC Educação, TIC Saúde, TIC Cultura, TIC Governo Eletrônico, TIC Empresas e TIC Provedores, além de elaborar estudos qualitativos. E, ao longo destes anos, tem se dedicado a produzir conhecimento sobre o acesso, o uso e a apropriação das TIC (tecnologias de informação e comunicação) pela sociedade brasileira. Por meio do seu trabalho, temos compreendido como o Brasil está enfrentando os desafios e aproveitando as oportunidades trazidas pelo uso da internet, nas mais diversas áreas.
Sonia Livingstone esteve presente em um dos principais painéis do seminário, intitulado “Educação e bem-estar de crianças e adolescentes no ambiente digital”, que discutiu, a partir de evidências coletadas nas duas últimas décadas, como crianças e adolescentes podem se relacionar com as tecnologias digitais de uma perspectiva que garanta a promoção e a proteção de seus direitos, bem como do seu bem-estar. Em sua apresentação, ela abordou as diversas possibilidades que podem potencializar as oportunidades e mitigar os riscos do uso das tecnologias digitais. Em um momento em que diversos autores e pesquisadores se dedicam a apontar as mazelas do uso das tecnologias digitais – e em especial dos smartphones –, Livingstone, que também é professora do Departamento de Mídia e Comunicações da London School of Economics and Political Science, tem adotado uma postura mais equilibrada em relação a esta temática. Por meio de uma abordagem comparativa, crítica e contextualizada, sua pesquisa vem evidenciando como as mudanças nas condições de mediação – especialmente pelas plataformas digitais – estão remodelando e moldando as práticas cotidianas de toda a sociedade, bem como as possibilidades de ação, especialmente das famílias e dos educadores.
Sonia é uma das grandes entusiastas dos direitos das crianças na era digital, tendo participado ativamente da construção de um documento da maior relevância sobre esse tema, o Comentário Geral nº 25. Na entrevista que concedeu com exclusividade para esta coluna do Nexo, ela disse que acredita na importância da escuta atenta das crianças e adolescentes para que haja um equilíbrio entre os riscos e oportunidades do uso dos dispositivos digitais: “Em um evento do qual participei aqui no país, ouvi bastante sobre a consulta às crianças no Brasil para a formulação do novo currículo escolar, por exemplo. Fiquei extremamente impressionada. Acredito que há uma disposição política para considerar a inclusão. No ambiente doméstico, entre pais e filhos, muitas culturas estão passando de uma relação mais autoritária para uma mais democrática. Algumas pessoas acham que esse processo foi longe demais. Mas, pela minha experiência, as crianças sempre têm algo a dizer – e frequentemente nos surpreendem. E podemos aprender com elas”, afirmou.
Ela, que recentemente ouviu diversas crianças e adolescentes no Reino Unido sobre o banimento dos celulares das escolas, contou que “elas disseram que não querem uma proibição total, pois isso é muito restritivo. Desejam ter o celular com elas, mas não durante as aulas, nem ligado. Não querem que o aparelho atrapalhe o aprendizado, tampouco querem ser vítimas de bullying. Desejam conversar presencialmente entre si. Concordam com algumas restrições, mas gostariam que essas fossem negociadas com elas. Também acreditam que o celular pode e deve ser uma ferramenta extraordinária de aprendizagem. E, se o proibimos, perdemos essa oportunidade”. Eu também ouvi crianças e adolescentes de escolas públicas e particulares sobre esse tema no início deste ano, e a resposta deles foi na mesma linha. Sophie Costa, uma jovem de 14 anos com quem tive o prazer de dar uma aula no curso do Instituto de Tecnologia e Sociedade sobre o livro “Geração Ansiosa”, de Jonathan Haidt, resumiu bem essa questão: “Entender qual era o propósito das telas na minha vida não foi fácil, e peço que vocês, adultos, entendam que esse é um assunto extremamente complicado, e apenas querer proibir é uma atitude extremamente simplista para uma questão muito mais complexa. As telas não se baseiam apenas em benefícios e malefícios, e precisamos entender como lidar com isso”.