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08 DEZ 2006

Anonimato na web sob pressão






Arquivo do Clipping 2006

Veículo: A Rede
Data: 08/12/2006
Assunto: Legislação

Substitutivo do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) recebeu críticas a diversos pontos, entre eles à obrigação de o usuário se identificar a cada conexão à internet. Especialistas afirmam que há o perigo de se instaurar um clima de insegurança e inversão de princípios do Estado de Direito.

No dia 14 de novembro, durante seminário na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), o senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG) comemorava: "Eu já estou feliz, pois um dos objetivos foi atingido: o projeto está sendo discutido". Ele se referia à polêmica criada em torno do substitutivo que engloba os projetos de lei 76/2000, 137/2000 e 89/2003, todos sobre crimes e segurança na internet. Muitos artigos geraram polêmica, acusados, principalmente, de ferir os preceitos de liberdade - uma das premissas no desenvolvimento da internet - e de dar margem a múltiplas interpretações, que se construiriam de acordo com o interesse de cada ator em uma discussão.

A começar pela obrigação de cada internauta se identificar. No item III do artigo 154-C, a identificação do usuário inclui "os dados de nome de acesso, senha criteriosa, nome completo, filiação, endereço completo, data de nascimento, número da carteira de identidade, que sejam requeridos no momento do cadastramento de um novo usuário de dispostivo de comunicação ou sistema informatizado". Pode-se interpretar, por exemplo, que a cada conexão - seja ela em um aeroporto ou lan house, não necessariamente em um computador doméstico -, o internauta teria de fornecer esses dados. E o provedor que permitisse o acesso sem a identificação seria penalizado com detenção de um a dois anos, além de multa.

Azeredo disse, na CDHM, que estaria disposto a retirar a obrigação de identificação e aprovar os pontos consensuais. Entretanto, até então o conteúdo está mantido. A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e administradoras de cartões de crédito são a favor da identificação do usuário, argumentando que reduziria as fraudes. Do outro lado da cerca, estão a Associação Brasileira de Provedores de Internet (Abranet) e a SaferNet - OnG que auxilia o combate a crimes cibernéticos contra os direitos humanos -, que se opuseram à medida.

A Abranet argumenta que não tem estrutura para verificar a veracidade das informações do usuário a cada conexão. E a SaferNet faz uma série de críticas. Uma delas é a ineficácia do cadastro. "O crime cibernético é essencialmente transnacional.", argumenta Thiago Tavares, diretor da OnG. Marcelo Bechara, consultor jurídico do Ministério das Comunicações, segue a mesma linha. "Sabemos que o usuário de má fé vai procurar provedores internacionais. Isso torna a norma inócua", declarou à CDHM.

Para Thiago, o artigo 154-A, que penaliza "acessar indevidamente, ou sem autorização, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado", é equivocado. Há dois problemas: "Tudo é dispositivo de comunicação. Eu pego o celular de outrem, faço uma ligação e pronto, já poderia ser denunciado". O segundo deslize seria em relação à instância competente: "E quem define o que é 'acesso indevido'? Seria equivalente a dar um cheque em branco para a polícia ou para o Judiciário prenderem quem quiserem".

Outro ponto que, a priori, assusta desenvolvedores é o que trata de "dano por difusão de vírus eletrônico". Segundo o artigo 163-A, "criar, inserir ou difundir vírus em dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, com a finalidade de destruí-lo, inutilizá-lo ou dificultar-lhe o funcionamento" acarreta prisão de um a três anos, além de multa. Sabe-se, porém, que os internautas já são identificados por meio do IP (Internet Protocol, ou Protocolo de Internet), uma espécie de "impressão digital" de cada computador. Os dados ficam resguardados e o sigilo só é quebrado por solicitação da Justiça, para elucidar uma investigação em curso.

O direito de se resguardar sob anonimato foi o maior prejudicado no projeto. Para o pesquisador Sergio Amadeu, imperaria a sensação de vigilância constante. "O projeto cria um medo exagerado, que não tem correspondência na realidade. Faz que, mediante o medo, o cidadão abra mão da segurança, abra mão da privacidade, do anonimato, em função da sociedade do controle. Um mundo hobbesiano", enfatiza, citando o pensador Thomas Hobbes - este defendia que cada cidadão abdicasse de sua individualidade em prol do Estado, que traria segurança a todos.

Interesse dos bancos
Outra crítica ao projeto é que teria sido criado para atender à demanda de bancos. Isso porque as instituições financeiras seriam as principais interessadas, por conta dos prejuízos com fraudes - na ordem de R$ 1 bilhão desde a implantação do e-banking, afirma Renato Ópice Blum, consultor jurídico da Febraban. A assessoria de imprensa da entidade foi contatada pela reportagem, mas não retornou as mensagens.

Uma das saídas para as fraudes seria a assinatura digital - mecanismo no qual cada usuário teria uma "assinatura" que o protegeria de violações e, ao mesmo tempo, asseguraria a veracidade da identidade do internauta (veja mais detalhes em "Criptografia assimétrica... você ainda vai precisar dela." na edição 10 d'ARede). Há oposições quanto à certificação, principalmente por conta dos custos. "A população não tem condição", argumentou Bechara, do MiniCom.

Antônio Tavares, presidente da Abranet, diz que a certificação criaria "duas internets": a dos ricos e a dos pobres. "Queremos que a inclusão digital se faça com certificação digital para todos. As grandes certificadoras são empresas dos sistemas financeiros, principais prejudicadas com as fraudes". O presidente da SaferNet também sugere que os bancos arquem com os custos. "Seria racional que os bancos fizessem parceria com as certificadoras para oferecer aos clientes a segurança, incluindo isso na cesta de serviços". Thiago avalia que a certificação digital tem de se popularizar espontaneamente, não por imposição.

A essência do projeto desagradou, ainda, ativistas dos direitos humanos, pois, segundo eles, o substitutivo discute apenas a proteção do patrimônio, e não a proteção à pessoa. Cristina Albuquerque, assessora especial da Área de Enfrentamento da Violência Sexual Infantil, vinculada à Secretaria de Direitos Humanos (SEDH), apóia iniciativas para o combate à pedofilia, mas considera que esse não é o principal propósito do substitutivo. "Todos os procedimentos de combates serão sempre apoiados, a princípio, desde que não prejudiquem outros direitos humanos e garantias individuais. O projeto do Azeredo é muito voltado para a questão patrimonial. Não enxergamos nele explicitamente o combate aos crimes de direitos humanos".

Segundo o banco de dados da SaferNet, no período de janeiro a setembro deste ano, foram relatadas 163 mil denúncias de crimes de violações dos direitos humanos na internet. Destas, 62 mil (ou 38%) estão relacionadas à pornografia. Uma das iniciativas em construção no governo federal é um plano nacional de combate à pedofilia. Dividido em seis eixos (situação, prevenção, atendimento, mobilização, protagonismo juvenil, repressão e responsabilização), é coordenado pela SEDH. A legislação de combate aos crimes contra direitos humanos praticados na internet é um dos temas em discussão.

"Precisa pôr na lei que fotos montadas e pornografia infatil simulada (por meio de programas de computação gráfica) também são crimes. Sugerimos uma emenda ao ECA, prevendo que as intermediadoras da compra e venda de pornografia na internet, como operadoras de cartão de crédito, também sejam responsabilizadas", explica o presidente da SaferNet.