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20 SET 2022

A sociedade de consumo na era do Tik Tok


Carta Capital - 18/9/2022 - [gif]


Autor: Julia Codogno
Assunto: TIC Kids Online

Escrever sobre as relações de consumo e consumismo é, também, compreender a forma com a qual estabelecemos a ordem social e nos condicionamos a atender uma lógica saciada por uma alienação que rejeita todas as opções culturais alternativas. O sociólogo Zygmunt Bauman já disse: "A felicidade esperada e atribuída à aquisição de novos bens é apenas uma promessa. Esse desejo permanece na sedução que é retroalimentado por uma insatisfação constante". Para seguirmos nessa linha de pensamento, vamos entender como chegamos até aqui: a evolução de consumo para consumismo.

Se antigamente nossos esforços estavam concentrados em atender nossas demandas mais genuínas, de forma com que produzimos e consumimos o essencial para a nossa sobrevivência, com a chegada de momentos históricos marcantes como a Revolução Industrial e a Segunda Guerra, as coisas passaram a ser diferentes.

Após os períodos, sob uma urgente retomada econômica e com a produção em grande escala, a necessidade passou a ocupar um lugar de menor relevância. Aqui, não se trata mais de suprir apenas o essencial, mas de estimular novos desejos, novas possibilidades.

Com a forte concorrência entre as indústrias da época, nasceram também as facilitadoras de crédito e as primeiras empresas de marketing e propaganda. Uma combinação perfeita que desencadearia no estímulo constante para a aquisição de cada vez mais bens de consumo.

Algumas características reforçam essa passagem e podem ser facilmente reconhecidas atualmente: produção em série e normalizada; gerenciamento de oferta e procura; fortalecimento de campanhas de publicidade; padrões de consumo massificados; aquisição de novos bens como forma de integração social e o consumismo como estilo de vida.

A era da ticketorização
15 segundos. Este é o tempo médio de vídeos compartilhados em redes sociais e que se colocam como novas formas de comunicação, expansão de território e validação de autoridade. Estudos atuais estimam que, com tamanha velocidade, somos submetidos à exposição de mais de 5 mil marcas diferentes todos os dias.

Dentre as principais plataformas utilizadas para atender esse formato, está o Tik Tok, lançado em 2016 e que já teve mais 3,5 bilhões de downloads em lojas como Apple Stores e Google Play.

Em setembro de 2021, a empresa chinesa relatou ter alcançado a marca de 1 bilhão de usuários ativos por mês. Os EUA, a Europa, o Brasil e o Sudeste Asiático são os maiores mercados da plataforma. Por aqui, um levantamento liderado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação destaca que a rede é a mais utilizada por crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos.

Recentemente, a plataforma foi palco para discussões acerca de sua expressividade enquanto propagadora de novas tendências ou comportamentos. Descortinando relações frágeis, como a criação de ações e produtos sem significância - exclusivos para atender a um padrão pré-estabelecido do próprio app, a ascensão momentânea de novos criadores sem qualquer critério de referenciação e a busca insaciável por relevância a qualquer custo.

Num artigo publicado recentemente, intitulado como "The Perils of Audience Capture" ou, em tradução livre, "Os Perigos da Captura de Audiência", o autor identifica que esse cenário pode desencadear um fenômeno ainda mais perigoso em que a ilusão de pertencimento possa ser capaz de remodelar nossos princípios, nossos valores, nossa aparência e tudo mais que se fizer necessário para garantir o engajamento e um crescimento exponencial.

Aterrissando na moda, grandes varejistas começaram a prestar mais atenção às tais trends do momento e aos burburinhos digitais. A C&A, por exemplo, havia divulgado que passaria a criar uma mini coleção a cada 24 horas, baseando suas estratégias de desenvolvimento e lançamento de novos produtos nas hashtags mais utilizadas ou em assuntos viralizados. Conteúdos conhecidos como unboxing ou recebidos, avaliações, antes x depois e "dupe" - como construir looks gastando menos - tomam conta das redes e só fazem reverberar práticas já conhecidas. Sendo alvo de parcerias entre os famosos creators e marcas estabelecidas no mercado.

Também acompanhamos a transição entre o Fast Fashion e o Ultra Fast Fashion, conceito comumente fantasiado por "acessibilidade", mas que segue atribuído a uma produção ainda mais acelerada, de origem duvidosa, amparada por réplicas de baixo valor, desconectada de preceitos básicos de responsabilidade socioambiental e fortemente conectada à depreciação e descartabilidade.

Precisamos partir de um consumo mais responsável e transformá-lo em articulações políticas capazes de fortalecer e revolucionar nossa atuação social, por meio de coletivos e frentes de atuação mais propositivas e estimuladas a integrar uma sociedade composta por pessoas, não consumidores.

Para te inspirar, trazemos os 12 princípios do consumo consciente compartilhados pelo Instituto Akatu:

Planeje suas compras. Para isso, você pode analisar tudo que já tem e criar pequenas listas do que verdadeiramente lhe falta;

Avalie os impactos de seu consumo. Para isso, você pode buscar maiores informações em outros conteúdos distribuídos pelo Fashion Revolution;

Consuma apenas o necessário. Será que algo novo é verdadeiramente necessário ou só estamos tentando suprir uma relação de pertencimento?

Reutilize produtos e embalagens. Ao invés de comprar novas, reuse;

Separe seu lixo. Você pode buscar mais informações sobre coleta seletiva na prefeitura de seu município;

Use crédito conscientemente. Se possível, acompanhe seu saldo periodicamente e faça planejamentos mais eficientes;

Conheça e valorize as práticas de responsabilidade social das empresas. Você pode acessar o Índice de Transparência promovido pelo Fashion Revolution;

Não compre produtos piratas ou contrabandeados. Se possível, escolha aqueles de origem fidedigna. Através de produtores locais e mais responsáveis;

Contribua para a melhoria de produtos e serviços. Você pode contatar marcas e empresas para questionar práticas duvidosas e, até mesmo, denunciá-las aos órgãos fiscalizadores;

Divulgue o consumo consciente. Compartilhe ações e pequenos negócios;

Cobre dos políticos. Participe de debates públicos e agendas políticas;

Reflita sobre seus valores.