A revolução das lan houses
Tribuna do Planalto - 18/12/2011 - [ gif ]
Assunto: E-commerce
A inclusão digital tem se dado através das lan houses, que driblam as enormes dificuldades impostas pela conjuntura política e econômica
No início do novo século, em 2000, a internet chegava com força total nas casas dos brasileiros. O que os estudiosos afirmavam era que este novo tipo de comunicação poderia garantir a democracia e a igualdade. Mas os dirigentes da política não acordaram para a importância e urgência do tema.
O fato é que a internet ainda não é acessada pela maioria da população. A discussão sobre a inclusão digital persistiu durante uma longa década, até agora, na reta final para o fim de 2011. É nesse contexto de incertezas e mudanças globais que as lan houses aparecem como democratizadoras do acesso à tecnologias virtuais.
A justificativa é simples. Para driblar o cenário da desigualdade digital, diversas cidades e capitais do Brasil, à exemplo de Goiânia, promovem a própria inclusão. Uma pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) mostra que, em 2010, 48% da população urbana brasileira acessou a internet pelas lan houses.
Os números também comprovam que 82% do total de acesso são das classes C, D e E. Estima-se que existam 108 mil lan houses em todo o Brasil, como a da goiana Rubia Costa, que desde 2007 trabalha com internet.
A empresária possui uma lan house no Residencial Mansões Paraíso, em Goiânia. Quando ela criou o negócio, muito de seus clientes não sabiam ligar os computadores, acessar a internet ou buscar informações na rede. “Eles não conheciam nem o básico de digitação.”
No início, foi bem difícil alavancar o negócio de Rubia. Nos primeiros anos, por exemplo, a dona precisou ensinar aos próprios consumidores noções essenciais de busca na internet e digitação. “Hoje eu tenho clientes desde o surgimento, há cinco anos.”
Ela afirma que as lan houses devem fornecer, além da conexão, outros serviços que servem como complementares para a microempresa. “Criei um conceito de aprendizagem. Os clientes aprendem usando a internet. O comércio é muito mais do que pagar por minutos na rede, é uma prestação de serviço à comunidade.”
Na lan house de Rubia há 10 computadores. Em média, ela atende mais de 80 pessoas por dia, entre crianças e adultos. “As crianças acessam muitos jogos. Apesar disso, controlamos o tempo delas. Os próprios pais levam e buscam os filhos. Acima de tudo, temos uma relação de confiança com os clientes.”
E a programação é variada. No meio da semana, Rubia conta que os serviços mais procurados são pagamento de contas, criação de currículos, digitação de documentos e procura de informações em sites de busca. Mas final de semana, sua lan house muda de ritmo. Os computadores ficam repletos de crianças e adolescentes que jogam e se divertem nas redes sociais.
Acesso à inclusão
A inclusão digital no Brasil tem se dado através das lan houses, que driblam as enormes dificuldades impostas pela conjuntura política e econômica, como a de Rubia. A pesquisa do CGI mostra que 97% das lan houses do país são microempresas familiares.
Esses pequenos empreendimentos, que disponibilizam em média menos de 10 computadores, faturam R$ 4 mil reais por mês e são geridos por pessoas com baixo grau de escolaridade. Algumas lan houses tem pouco ou nenhum grau de formalidade.
E há uma explicação simples para essa alta informalidade. O que deveria ser apoiado pelo poder público é, muitas vezes, perseguido. Para poder funcionar em perfeita legalidade, as lan houses devem transpor de inúmeras barreiras impostas pelas legislações federal, estadual e municipal.
No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a Lei nº 4.782 proibiu, durante os mais de quatro anos em que esteve em vigor, a abertura de lan houses a uma distância menor que um quilômetro de qualquer unidade de ensino. Aqui em Goiânia já existem diversos projetos que buscam a formalidade para as pequenas empresas.
A gestora do projeto Empreender Metropolitana, no segmento das lan houses, Valéria Develard, diz que há uma necessidade de identificar os principais problemas e solucioná-los. Estabelecido inicialmente pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o projeto faz um diagnóstico preciso dos problemas cotidianos.
Para Valéria, as lan houses carecem de políticas de incentivo. “É fato que o seu papel tem sentido apenas em um estágio específico da evolução da universalização. O custo da banda larga é grande demais e boa parte da população não pode ter acesso à internet em casa”, explica.
Em Goiânia, existem cerca de 1500 lan houses registradas formalmente. Apesar disso, Valéria afirma que pode haver muito mais, já que muitas são informais e não são fiscalizadas. “Para se criar uma lan house, deve ter alvará de juizado, exigência do CNPJ, alvará de licença para localização. Muitas não possuem nada desta documentação.”
E os problemas não param por aí. Além da regulamentação, o projeto detectou outras questões a serem resolvidas. Há uma constante batalha da polícia por crimes cibernéticos, que quase sempre iniciam através das lan houses. “A polícia goianiense desenvolve cursos para proprietários das lojas na busca de uma maior credibilidade para os empreendimentos.”
Em 2010, o Sebrae criou a Cartilha de Boas Práticas para Lan Houses. Entre explicações sobre os benefícios de se regulamentar os empreendimentos e o respeito do alvará judicial para a entrada de crianças e adolescentes, a cartilha propõe uma nova visão das lan houses de Goiânia.
“Mais do que uma casa de jogos, o texto coloca a Lan House como empreendimento bem estruturado com papel fundamental na sociedade. Elas oferecem o acesso ao mundo da tecnologia de forma democrática. Trata-se de um local que propicia lazer, oportunidades, educação e cultura a pessoas de todas as idades”, reitera Valéria.
É preciso se conectar
Um estudo feito pelo Centro de Estudos sobre Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic), comprova que, hoje, o acesso à Internet em casa superou os acessos feitos pelos estabelecimentos. Por outro lado, ratifica as lan houses como prioritárias para a inclusão digital e social.
Para o diretor de políticas públicas da Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital (ABCID), Wagno de Oliveira, as lan houses são uma espécie de lojas de conveniências digitais. São nelas que as pessoas desenvolvem diversos tipos de serviços, como pagamento de contas, divertimento em jogos e busca de informações.
Se não fossem as lan houses, para Oliveira, os cidadãos não poderiam realizar serviços que só são oferecidos, ou preferencialmente, via internet. Dessa forma, as lojas não vendem apenas os minutos de acesso à web, mas préstimos que servem como possibilidades para uma determinada parcela da população.
“Com essa digitalização do mundo, o cotidiano está ligado ao acesso da internet. O papel da lan house é de fornecer ações vitais do dia-a-dia, como pagamento de conta de água, luz, ou, tramitações bancárias, de forma barata e acessível para quem não possui computador ou não pode pagar internet”, afirma o diretor.
O levantamento da Cetic reuniu 412 estabelecimentos em 120 municípios em todo o Brasil. Das lan houses pesquisadas, 80% declararam ser um negócio familiar e 97% declararam ter até três funcionários. Quase a metade, 49%, disseram ser um estabelecimento com algum grau de formalidade.
E o papel das lan houses vai mais além. Oliveira afirma que sem elas, a inclusão é falha no Brasil. "Não há dúvida que as lan houses têm um papel significativo ainda no projeto de inclusão digital no Brasil. No Nordeste e no Norte, onde as ofertas de banda larga são menores, essa realidade é ainda mais perceptiva”, observa.
A maioria das lan houses está em funcionamento há até dois anos, período crítico do ciclo de vida do negócio, e carecem de auxílio e incentivos para que sejam viáveis economicamente à médio e longo prazo. Pelos dados, 31% das lan houses pesquisadas funcionam há menos de um ano, enquanto outros 27% funcionam entre um e dois anos.
Discrepâncias
Das 1.500 lan houses espalhadas por Goiânia, mais da metade estão divididas nas zonas periféricas. Segundo o presidente da Associação das Lan Houses Goianas (Algo), Lênio Alves, o mercado nos centros da capital está em declínio. Apesar disso, nos bairros mais afastados, novos empreendimentos surgem a todo vapor.
Alves, que também é dono de lan house, vê Goiânia como uma cidade propícia para a expansão do mercado. “As lojas não vendem apenas as horas da internet. Elas servem como condicionadoras sociais, em prol do acesso para todos. O que o governo não faz, as lan houses criam.”
Para ele, o principal problema enfrentado pelas lan houses da capital são os preços muito baratos. “Os empreendimentos não tem a oportunidade de crescer. É claro que não podemos cobrar muito caro, mas as lan houses necessitam de se desenvolver. Deve ser feito uma reavaliação estrutural, que engloba a diversificação de serviços e preços modificados.”
Na lan house de Alves, existem cursos profissionalizantes patrocinados por grandes marcas, à exemplo da Coca-Cola. Segundo ele, as grandes empresas entenderam a responsabilidade social existente entre a alfabetização digital e serviços de cidadania.
O que falta, para Alves, é o incentivo político. “A conjuntura política e econômica brasileira gera dificuldades ao funcionamento das lan houses. Há os entraves impostos pela necessidade de aquisição de computadores. Não se pode negar, mas é nas altas tarifas de acesso à internet que estão os maiores obstáculos à universalização do serviço”, explica.