NIC.br

Ir para o conteúdo
24 JAN 2019

Desafios dos dez anos reacende debate sobre uso de dados nas redes sociais


Folha de Londrina - 24/1/2019 - [gif]


Autor: Mie Francine Chiba
Assunto: Privacidade e Proteção de Dados

Brincadeiras aparentemente inofensivas das redes sociais, como desafios, testes e quizzes trazem preocupações com privacidade e uso de dados nas redes sociais

O que quase 4,2 milhões de publicações no Instagram tinham em comum nas últimas semanas? A hashtag #10yearchallenge (desafio dos dez anos). O "desafio" sugerido pela hashtag é postar uma foto do usuário hoje e dez anos atrás. E, claro, não poderia deixar de surgir brincadeiras no meio - gente adulta postando foto quando bebê, comparações entre modelos de carros ou smartphones e fotos de geleiras que derreteram, em uma evidente crítica ambiental. Tanto usuários comuns quanto pessoas famosas aderiram.

Mas a brincadeira chamou a atenção da especialista em estratégias digitais Kate O´Neill. Em um artigo publicado na revista Wired, ela alertou para a possibilidade de as fotos publicadas pelas pessoas no desafio serem utilizadas pelas empresas de tecnologia para "treinar" algoritmos de reconhecimento facial e entender melhor como as pessoas envelhecem. Algo que pode ser bom ou ruim.

Ela citou três casos de uso perfeitamente plausíveis para o reconhecimento facial: um respeitável, um mundano e outro arriscado. O respeitável é o seu uso na busca de crianças desaparecidas. O reconhecimento facial poderia ajudar a estimar a aparência de uma criança desaparecida há muito tempo, e isso inclusive aconteceu em Nova Délhi, onde a polícia reportou ter conseguido rastrear 3 mil crianças desaparecidas em apenas quatro dias usando a tecnologia.

O uso mundano do reconhecimento facial seria no marketing direcionado: ações de marketing que envolvam câmeras poderiam adaptar a mensagem a grupos etários levando em consideração os locais que essas pessoas frequentam e seus hábitos de consumo. Mas uma aplicação mais "sombria" do reconhecimento facial poderia estar na venda de seguros e planos de saúde. Se uma pessoa parece envelhecer mais rápido que as outras, ela pode representar um risco mais alto para as empresas de segurança ou planos de saúde, disse O´Neill. "Você pode ter que pagar mais ou ter a cobertura negada."

A especialista também lembrou o caso da Amazon, que em 2016 havia decidido investir no negócio de reconhecimento facial. O risco de que os dados da empresa fossem utilizados pela polícia para perseguir não só criminosos, mas também protestantes e outros que considere uma ameaça preocupou a União das Liberdades Civis Americanas, acionistas e empregados da Amazon, que pediram à companhia que abandonasse o negócio, também sob a alegação de que isso poderia manchar a reputação e diminuir o seu valor no mercado.

No artigo "Desafio dos 10 anos do Facebook é só um meme inofensivo - certo?", O´Neill deixa claro que o seu objetivo não foi causar pânico sobre o perigo da brincadeira. "Mas eu sabia que o cenário do reconhecimento facial era amplamente plausível e indicativo de uma tendência que as pessoas deveria estar alertas", ela continua. "Vale a pena considerar a profundidade e a amplitude dos dados pessoais que compartilhamos sem reservas."

Ou seja, brincadeira ou não, é bom sempre ficar atento ao que compartilhamos na web. A prova mais contundente disso foi o caso da Cambridge Analytica, que extraiu dados de 70 milhões de usuários dos EUA para uso e manipulação política através de um "inofensivo" teste de personalidade do Facebook.

"O usuário tem que ter consciência da dimensão e de onde está compartilhando suas informações pessoais", comentou Bruno Bioni, advogado do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR). Segundo ele, essas informações podem ser encontradas nos Termos e Condições das redes sociais - mas que, diga-se de passagem, pouquíssimos leem com atenção.

O analista sênior da Kaspersky Lab, Fabio Assolini, é enfático ao dizer que não recomenda participar de brincadeiras das redes sociais que pedem para o usuário postar ou ceder informações pessoais suas gratuitamente. "Concordo com o posicionamento de O´Neill quando ela diz que colocar uma grande quantidade de dados pessoais disponíveis facilmente nas redes sociais pode causar problemas direta ou indiretamente no futuro. O melhor exemplo é o do Cambridge Analytica." Ele lembra que, quando o usuário deu permissão de acesso a seus dados à Cambridge Analytica para poder fazer o teste de personalidade "thisisyourdigitallife" no Facebook, ele o fez de maneira permanente, até que a autorização fosse revogada. Mas são poucos aquele que se lembrar de fazer isso, ou que sequer se lembram de terem feito um teste no Facebook.

BRECHAS
Por mais que, na época, o Facebook tenha endurecido suas regras sobre como terceiros podem explorar dados de seus usuários, Assolini avalia que a rede social sempre apresenta brechas que as empresas sabem explorar muito bem, como foi no caso da Cambridge Analytica. Falhas técnicas na plataforma também são frequentemente exploradas por cibercriminosos. Exemplo foi a brecha no código do Facebook relacionado ao recurso "Ver como", que mostra ao usuário como o perfil dele é exibido para outras pessoas e que expôs tokens de acesso de cerca de 50 milhões de usuários em setembro de 2018.

Além disso, de acordo com Assolini, é comum cibercriminosos utilizarem os famosos jogos do Facebook para ter acesso aos perfis dos usuários e disseminar ataques. Para jogar, o usuário precisa dar uma série de permissões para o desenvolvedor do jogo e não veem que, entre elas, pode estar até uma autorização para que o criminoso faça postagens em seu nome. A permissão pode ser utilizada para disseminar links maliciosos.

Como O´Neill encerrou seu artigo: "nós devemos exigir que negócios tratem nossos dados com o devido respeito, por todos os meios. Mas nós também precisamos tratar nossos próprios dados com respeito."