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14 AGO 2018

Como falar com crianças sobre política e ideologias da família


G1 - 11/08/2018 - [gif]


Assunto: TIC Kids Online Brasil 2016

Se são os brasileiros com mais de 18 anos que têm a obrigação de se dirigir às urnas em outubro, as estimadas 38,8 milhões de crianças com até 13 anos que aqui vivem também compartilham o cotidiano de um país em período eleitoral.

Para alguns, é preciso haver um controle de como as ideologias políticas chegam às crianças - movimentos como o Escola sem Partido, por exemplo, tentam restringir a expressão de posições particulares de professores e garantir "o direito dos pais de que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções". Ao mesmo tempo, a participação dos pequenos na vida política é garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Afinal, em tempos de eleição e amplo acesso à informação - segundo uma pesquisa de 2016 do Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), 55% das crianças de 9 a 10 anos usam a internet mais de uma vez por dia -, como famílias devem mediar o contato das crianças com o assunto? A BBC News Brasil conversou com especialistas em desenvolvimento infantil para buscar algumas sugestões.

1. Deixe a demanda vir da criança

A imagem de adultos convocando as crianças para sentar e escutar o que é política não passa na cabeça de especialistas consultadas.

"Falar muito cedo de temas como democracia e corrupção pode ser prematuro e absolutamente desinteressante. Até os 11, 12 anos, a criança está muito interessada no que está no seu entorno, no grupo de amigos, na escola e na família. A criança tem um foco determinado: se um adulto trouxer o assunto ela pode até ouvir, mas logo vai se desinteressar", diz Magdalena Ramos, terapeuta de família.

A neuropsicóloga Deborah Moss, porém, lembra, como mãe de três filhos e profissional, que a curiosidade dos pequenos é naturalmente despertada por seu entorno - como uma vizinhança batendo panela, forma de manifestação que marcou o período do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Por isso, a sugestão é ir respondendo a este interesse à medida que a criança o manifesta.

"As crianças acabam absorvendo aquilo que têm capacidade diante do que escutam das conversas dos pais, dos professores... A construção do pensamento abstrato começa a ser desenvolvido ali pelos 2 anos, com os primeiros contatos com o 'faz de conta', por exemplo. Mas a política já é muito abstrata, para uma criança mais ainda. Somente com a adolescência vem a possibilidade de fazer estas conexões mais complexas e dissociar-se do pensamento dos pais, que passam a ser vistos menos como heróis e mais como pessoas de carne e osso", diz Moss.

2. Traga questões complexas para o mundo dela

Quando a curiosidade soar, questões conturbadas e abstratas podem se tornar mais compreensíveis aos pequenos com analogias que remetam ao mundo delas.

No período do impeachment, por exemplo, Moss se valia de comparações do país e do governo com o prédio e o papel do síndico.

O selo infantil Boitatá, da editora Boitempo, vem desde 2015 investido em títulos que apresentam a temática às crianças, como "A democracia pode ser assim" e "A ditadura é assim". Repletos de cores, ilustrações e exercícios, eles fazem analogias destes regimes com um recreio ou um ditado, por exemplo.

"As crianças são naturalmente interessadas em saber como as coisas funcionam e prestam muito mais atenção no mundo que as cerca do que a gente imagina. Elas ficam fascinadas com insetos, dinossauros, planetas, querem entender como funcionam os órgãos do corpo humano, as profissões dos adultos, por que não iriam querer entender a sociedade em que estão inseridas?", diz Thaisa Burani, editora-assistente do selo.

Diretora pedagógica em uma escola em Goiás, Fabíola Sperandio chama a atenção também para uma mudança de hábitos que acaba afastando uma troca fundamental, não só no que diz respeito à introdução à política: a conversa.

"Está faltando bate-papo familiar, está faltando a família estar junto diante, por exemplo, de um noticiário que possa promover a discussão", aponta a pedagoga. "Por um lado, hoje se discute tudo na frente da criança, e eu clamo que nem tudo deve ser falado. Mas aí, quando a criança quer interagir, diz-se que não 'se trata de assunto de criança' e ela fica diante do assunto mal explicado".

Sperandio diz que, caso as famílias desejem inserir os filhos em ações políticas mais diretas, como manifestações, a conversa também deve marcar presença.

"Somos responsáveis pelas crianças, não só por sua segurança física mas também emocional, de formação humana. No momento em que se opta por inserir a criança em protestos, por exemplo, você tem que prepará-la para isso e lidar com os momentos posteriores. É preciso uma disposição para o diálogo, para a escuta, perguntar o que ela entendeu do que viu, esclarecer dúvidas...", sugere a pedagoga.

3. Apresente uma abertura à diferença

Acompanhada do diálogo, Deborah Moss diz não ver problemas de uma apresentação do posicionamento da família, caso esta seja uma demanda dos adultos. Mas, diz a neuropsicóloga, isto deve vir com uma linguagem acessível e a valorização da tolerância.

"É preciso ter cuidado para não se apresentar a opinião como uma verdade, como se qualquer coisa que 'não fale a língua da gente' esteja errado. Respeitar as diferenças é parte da educação", diz Moss.

Sperandio lembra que a exposição à diferença tem, inclusive, uma função pedagógica. É algo que faz parte, por exemplo, do processo de alfabetização.

"Quando você escreve, você pensa, lê, reflete... Você está em processo de construção. Então, esse processo não pode ser tolhido. É como a criança que está começando a escrever: temos uma caderno de escrita, por exemplo, que não tem intervenção da professora. É o momento de errar, arriscar e ensaiar", diz a pedagoga.

4. Dê o exemplo

Magdalena Ramos defende que, mais do que falar diretamente da política com crianças, é importante que os adultos criem condições para se apresentarem como exemplo de uma conduta ética.

"Vejo muitas famílias falando uma coisa e fazendo exatamente o contrário: falam que é preciso respeitar o outro, mas o tempo inteiro o pai é um transgressor. As crianças são muito críticas e observadoras, percebem a diferença no discurso e na ação", diz a terapeuta. "Os pais são muito incoerentes, mas os filhos precisam de uma coerência, de harmonia, rotinas... Este tipo de ambiente é importante para criar valores para os filhos, valores esses que, depois sim, permearão a atividade política".

Sperandio faz um diagnóstico parecido a partir de seu dia-a-dia na escola e no consultório.

"Percebo as crianças muito interessadas em um mundo melhor, porque se fala muito nisso. Mas a gente faz esse discurso e depois se contradiz com as atitudes. A criança fica confusa: elas precisam ter um porto seguro mas, hoje, não sabem onde estão pisando".