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02 SET 2008

Viabilidade da conversão da banda larga em serviço público é questionada






Observatório do Direito à Comunicação - 02/09/2008 - [ gif ]
Autor: Jonas Valente
Assunto: Estrutura da Internet

Em meio às discussões sobre a revisão do Plano Geral de Outorgas (PGO) e do Plano Geral de Atualização dos Regulamentos de Telecomunicações (PGR), ganhou visibilidade a proposta de transformação da banda larga em serviço público em debate na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). No entanto, a medida é polêmica tanto no mérito quanto no método até agora apresentado pela agência para promover a mudança.

A alteração do regime jurídico do serviço de banda larga por meio de Decreto Presidencial é questionado por especialistas, para quem a proposta só poderia ser viabilizada por meio de alteração da Lei Geral de Telecomunicações (9.472/1997). Já o mérito é contestado por empresários, que são contrários às obrigações resultantes da mudança de regime jurídico.

A intenção de enquadrar a banda larga como um serviço público foi publicizada pelo conselheiro da Anatel Antônio Bedran em evento da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA) realizado na primeira quinzena de agosto. Segundo Bedran, esta opção teria surgido como resposta ao "apagão" no serviço de internet da Telefônica ocorrido no mês de julho, quando o acesso à rede mundial de computadores da operadora ficou inoperante durante 36 horas.

O único serviço prestado em regime público, segundo a LGT, é a telefonia fixa (STFC). Atualmente, o que se chama banda larga é ofertado com a licença para Serviços de Comunicação Multimídia (SCM), de regime privado. A primeira dificuldade para mudar o regime de prestação do serviço encontra-se já no próprio entendimento do que seria banda larga.

"Não há nenhuma definição na legislação do que seja banda larga", lembra Gustavo Gindre, integrante do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Segundo o advogado Gabriel Laender, do Grupo de Estudos em Direito das Telecomunicações da Universidade de Brasília (Getel-UnB), o termo não teria validade legal, mas apenas como uma acepção de alta velocidade para o transporte de dados.

Segundo a advogada Flávia Lefévre, integrante da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, o correto seria falar em serviço de comunicação de dados, como consta no parágrafo único do art. 69 da Lei Geral de Telecomunicações. Se vencida esta primeira confusão com a adoção deste conceito, surgiria aí para a proposta da Anatel um segundo impedimento. Na avaliação da advogada, a LGT não permite que um novo serviço seja criado por Decreto Presidencial, como pretendem osdefensores da idéia dentro do Conselho Diretor da Agência.

Para que tal decisão seja tomada, seria necessário reconhecer que aquele serviço envolve interesse coletivo, o que foi estabelecido no caso da telefonia fixa na Lei Geral de Telecomunicações. "Sendo assim, para se atribuir ao serviço de comunicação de dados o regime público, pois não há dúvida de que o governo e a sociedade hoje entendem que se trata de serviço de interesse coletivo, é preciso alterar o art. 64 da LGT, incluindo este serviço no parágrafo único, ficando junto com o STFC", defende Lefévre.

Caminhos possíveis

Segundo a interpretação feita pela advogada, a proposta da Anatel teria de passar por um amplo debate no Congresso, resultando em um processo de revisão da LGT. Para Gustavo Gindre, este debate não deveria estar restrito ao novo serviço, mas rediscutir a fundo o próprio conceito de serviço público presente na Lei. A obrigação de universalização prevista no regime público, exemplifica Gindre, contém uma distorção grave ao admitir a disponibilidade do serviço mas não o acesso. Ou seja, uma área pode ser considerada universalizada mesmo se uma quantidade expressiva de pessoas não tiver recursos para contratar o serviço vendido pelos operadores do mercado.
"Portanto, qualquer proposta de considerar a internet, em banda larga, como serviço público teria que vir precedida de uma profunda revisão regulatória. Caso contrário, teremos não apenas mais uma gambiarra legal como um efeito prático muito aquém do desejado", alerta. Segundo Gindre, o modelo a ser adotado após uma revisão da legislação seria o de regulação por camadas, com regras diferentes para a infra-estrutura (redes), para os protocolos e para o conteúdo.

Agregando a esta medida uma outra, a separação estrutural das redes, o modelo permitiria ao detentor da infra-estrutura apenas a comercialização de sua capacidade de tráfego de dados a um provedor de acesso. Este seria o responsável por levar a internet ao usuário final. Hoje, a oferta ao usuário está concentrada nas mãos dos detentores da infra-estrutura - as operadoras de telefonia ou de TV a cabo -, o que prejudica a concorrência e a própria distribuição territorial do serviço.

Neste cenário desenhado por Gindre, seria a infra-estrutura, e não o provimento de acesso em alta velocidade (banda larga), o serviço público. "Assim, teríamos a infra-estrutura universalizada e prestada por concessionários públicos, sobre os quais existiria um vasto mercado de oferta de acesso e dos serviços daí advindos", propõe. "Não seria uma bonita função para a Telebrás administrar uma rede pública? E tudo isso dentro da lei?", sugere Flávia Lefévre.

Já Gabriel Laender defende uma solução intermediária. Para o advogado, assumindo-se que o serviço público é aquele no qual o Estado tem a obrigação de garantir continuidade e universalidade, é possível adotar caminhos para além de escolher se a comunicação de dados em alta velocidade será prestada apenas em regime público ou privado. "A LGT permite a possibilidade de prestação concomitante de serviços públicos e privados. Transformar banda larga em serviço público pode passar por qualificar o serviço de comunicação multimídia, que admite obrigações de universalização para alguns prestadores que serão concessionários enquanto os demais prestam o serviço em regime privado", defende.

Resistência das operadoras

Além do conjunto de obstáculos que a proposta tem de superar no plano jurídico, seus patrocinadores devem encontrar forte resistência entre os concessionários de STFC e provedores de internet. Na última reunião do Conselho Consultivo da Anatel, realizada no dia 22 de agosto, os presidentes das concessionárias de telefonia fixa, convidados para discutir a revisão do PGO e do PGR, mostraram-se contrários à proposta.

"Não vejo nenhuma vantagem no regime público, normalmente ele tende a engessar algumas dinâmicas de mercado que já estão colocadas e já têm data para acontecer", comentou José Luiz Falco, presidente da Oi. O presidente da Brasil Telecom, Ricardo Knoepfelmacher, endossou a preocupação, apontando como problema a aplicação no novo serviço da alta carga tributária existente na telefonia fixa.

A postura crítica também foi adotada pelos provedores de acesso. Eles temem o aumento de obrigações e de regras para a prestação do serviço, especialmente a licitação para novos operadores exigida no regime público, vista como um impedimento à entrada de novos agentes neste mercado.

Já os integrantes do Conselho Consultivo viram com bons olhos a possibilidade. O presidente do órgão, Vilson Vedana, considerou um avanço transformar em serviço público o que chamou de "serviço do futuro". "Qualquer garoto de 17 anos quer ter computador em casa ligado à internet. Telefone é bom, vai ser importantíssimo no futuro, mas talvez dentro do tráfego de dados da rede, ele venha a representar 10%, 5% ou 1%", disse.

"Este conceito de banda larga como serviço publica é o ideal para o novo cenário da inclusão digital. Não podemos mais tratar no formato da LGT e do Fust [Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações] que considera a universalização com SFTC. Banda larga é o cenário do futuro e, neste campo, o futuro é agora", reforçou José Zunga, coordenador do Instituto Observatório Social das Telecomunicações e ocupante de uma das cadeiras dos usuários.