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01 DEZ 2009

Tudo ligado: controle, cultura e neutralidade da rede






A Rede - 12/2009 - [ gif ]
Autor: Lia Ribeiro Dias
Assunto: Internet

A internet não é uma terra sem controle. Todo internauta que entra na rede tem o número IP de sua máquina registrado e o fluxo de informações só é rápido porque tem localizações. Apartir do cabeçalho, é possível localizar um determinado internauta. É possível controlar.

ARede nº54, dezembro 2009 - Ao contrário do que faz crer o senso comum, amplificado pela mídia, a internet não é uma terra sem controle. Pela sua natureza sociotécnica, pela arquitetura distribuída que a caracteriza e para que todos possam se comunicar, a internet teve que adotar padrões que podem ser seguidos por todos. Quem não aceita esses padrões comuns está fora da rede. Assim, todo internauta que entra na rede tem o número IP de sua máquina registrado e o fluxo de informações só é rápido porque tem localizações. Para encaminhar uma mensagem, o servidor que a recebe tem de usar as instruções e informações que estão no cabeçalho da mensagem. Portanto, a partir do cabeçalho, é possível localizar um determinado internauta. É possível controlar.

O controle da internet e os caminhos para reagir a esse controle foram a questão central das exposições e debates do seminário Cidadania e Redes Digitais, organizado pela Faculdade Cásper Líbero, no início de novembro, em São Paulo. Os palestrantes desenharam um cenário de incerteza, frente aos inúmeros ataques que a internet vem sofrendo por parte dos que querem controlá-la. Mas também concordaram em que não há motivos nem para pessimismo extremo, nem para otimismo exagerado.

Ao mesmo tempo em que a rede é baseada em protocolos, um mecanismo de extremo controle, que permite seguir as pegadas do internauta, ela também é uma construção abstrata sobre estruturas existentes, o que lhe permite ser volátil e mudar de alvo para sobreviver. Essa é a opinião de Demi Getschko, diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), braço executivo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), e um dos participantes do seminário.

“Infra-indivíduo"

Para enfrentar as tentativas de controle que crescem no mundo todo – por parte de governos, da indústria cultural tradicional, das operadoras de telecomunicações e da indústria em geral, todos querendo capturar os hábitos dos internautas para vender seus produtos –, um dos princípios fundamentais a ser garantido é o da neutralidade da rede. Ou seja, o tráfego de dados só poderia sofrer restrições de ordem técnica ou ética e não poderia ser controlado em função de interesses comerciais (para privilegiar grandes clientes das operadoras ou para servir a guerras comerciais entre elas), nem para atender a interesses políticos de determinados governos. Princípio estabelecido pela governança mundial da internet, a neutralidade vive sob ataque e é um dos princípios que deverá nortear o Marco Civil da Internet no Brasil, que está em consulta pública e deve se transformar em projeto de lei no início de 2010.


Já o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Cásper Líbero, lembrou que a liberdade na internet só é possível mediante o anonimato. “Se o anonimato for eliminado da internet, só restará o controle, que poderá acabar na dominação”, advertiu o professor. “E quem seriam os controladores? Os administradores do Estado, por interesses políticos; a indústria, por interesses econômicos; e os grupos ideológicos que se opõem à liberdade de expressão individual.”

Também defensor do anonimato na rede, o professor Laymert Garcez dos Santos, titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Campinas (Unicamp), lembrou que o controle tende a se dar não mais apenas sobre as identidades, mas também sobre os hábitos do internauta. “O que passa a interessar mais é a instância infra-indivíduo, os seus desejos cruzados com os sites que acessa, com os dados do cartão de crédito através do qual faz suas compras online”, ponderou Santos, observando que, na sociedade do controle, “a questão é como nos defender do infra-individual”.

Para isso, diz ele, é preciso cortar conexões, enlouquecê-las, transformar o controle em descontrole: “Isso não é fácil, pois os defensores do controle também investem muito para atingir seus objetivos, investem na tecnologia do design da rede. Na opinião de Santos, a grande questão política está na tecnicidade. Essa posição reforça a visão apresentada por Alexander Galloway, da Universidade de Nova York. Veja sua entrevista, nesta edição d'ARede.

Santos também acredita que está havendo um deslocamento: “O conflito não está no que se diz ou no que se produz como imagem. A questão se desloca para quem faz o design nas redes, permitindo entradas e saídas – quem entra e quem não entra. Esse deslocamento nos libera da discussão ideológica sobre conteúdo, para nos concentrar onde está o verdadeiro foco”. E o foco está na própria rede, que permite e facilita o desenvolvimento de programas de controle e vigilância.

Há “vacinas” contra esses programas? Amadeu acredita que sim. A forma de combater o protocolo, diz ele, no sentido de apagar as pegadas que o internauta deixa pelo caminho, é hipertrofiá-lo. Entre as táticas de hipertrofiamento desenvolvidas pelos hackers, citou o embaralhamento de IPs. Mas basta driblar o controle imposto pelo protocolo com táticas de hipertrofia? Talvez não, se considerarmos a opinião de Tim Wu, da Escola de Direito Colúmbia, também de Nova York. Estudioso da neutralidade da rede e das questões relativas ao direito do autor e à apropriação coletiva do conhecimento, Wu lembra que o típico ciclo de vida de uma tecnologia começa pela invenção, passa pela descoberta, atravessa uma fase de abertura e liberdade – e termina na dominação.

Rádio utópica
Como exemplo desse ciclo, Wu citou o rádio. Desenvolvido para comunicação entre barcos, passou a ser usado para comunicação entre pessoas. No início de sua utilização pelas pessoas, na década de 1920, nos Estados Unidos, o uso da tecnologia era totalmente livre e barato. Cada um montava sua rádio: as pessoas, as igrejas, as comunidades. “Foi uma fase utópica”, disse Wu. “Acreditava-se que toda a humanidade seria unida pelas ondas do rádio, que também aproximavam o político dos eleitores, criavam intimidade, ampliavam a democracia. Como é hoje a internet.”

A rádio utópica começou a desaparecer quando se descobriu que esse veículo poderia ser usado comercialmente. Foi a AT&T quem percebeu o potencial comercial do rádio e montou uma das grandes cadeias do setor, a NBC. A produção passou a ser distribuída nacionalmente a partir de um ponto centralizado e o que era local, plural e democrático transformou-se em um sistema homogêneo, poderoso comercialmente e controlado por monopólios.

Poderá a internet repetir a história e sucumbir à dominação ou vai descrever um novo caminho? Wu tende a crer que, na melhor das hipóteses, ela terá sua liberdade limitada. No futuro, observou, a maior parte das pessoas vai acessar a internet por meio das redes celulares, cujo modelo de negócio tem um padrão fechado. Assim, o que estará disponível na internet para acesso pelo celular será o que as companhias telefônicas quiserem, como vídeos, músicas e jogos. Não haverá blogs. A partir daí, a internet começará a ser fechada.