Regulamentação do Marco Civil deve pensar na competição, defende Minicom
TeleSíntese - 18/03/2015 - [gif]
Autor: Rafael Bucco
Assunto: Marco Civil
Especialistas se reuniram em São Paulo durante seminário sobre a lei brasileira e concordam que o conceito ainda não é consenso no mundo.
A diretora do departamento de Serviços e de Universalização de Telecomunicações do Ministério das Comunicações (Minicom), Miriam Wimmer, defendeu ontem (17), em São Paulo, durante evento sobre o Marco Civil da Internet realizado pelo Proteste, uma regulamentação em que pese a preservação da competição no setor de telecomunicações.
“Normalmente você tem players de diferentes tamanhos que vão entrar em disputa para ver quem paga quem. Não devemos tentar equalizar para que todos os dados sejam tratados de forma igual, mas analisar sob a ótica do incentivo à competição”, disse. Wimmer frisou que a regulamentação do Marco Civil está ainda em aberto, enquanto acontecem asconsultas públicas sobre o tema.
Ela lembrou que, em se tratando de neutralidade, há três opções fundamentais de tratamento do tráfego: o princípio do best effort, em que os pacotes transitam pela rede na ordem em que são enviados, e nos gargalos, o primeiro a chegar tem prioridade de saída; a priorização de acordo com a necessidade de gerenciamento da rede, atrasando pacotes de dados que sofrem menos com latência reduzida do que aqueles exigem resposta mais rápida; e a diferenciação pura e simples, em que um operador de rede determina quais pacotes serão priorizados.
“A própria arquitetura da rede é desigual. Então, quais as hipóteses legítimas de distinção? Acredito que para garantir a adequada fruição de aplicações e em situações de segurança, como em serviços de emergência para combates ataques. O motivo da regulação é prevenir que existam incentivos às empresas de promover a discriminação de apps ou conteúdos na última milha que concorrem com produtos da própria operadora”, disse, sempre lembrando que a definição acontecerá apenas após os resultados das consultas públicas.
Durante o seminário, os participantes concordaram que o conceito de neutralidade está longe de ser obtido no mundo. Wimmer, porém, acredita que o Brasil chegou a uma boa solução. “O Marco Civil trouxe uma definição que acredito suficiente. Diz que os dados devem ser tratados de forma isonômica, sem distinção de origem e destino, terminal ou aplicação. Isso garante a competição, a liberdade de expressão e a inovação”, disse. E lembrou: “a neutralidade de rede está em vigor. Estamos discutindo as exceções”.
O consultor J. Scott Marcus, que já ocupou cargos na União Internacional de Telecomunicações (UIT) e na Electronic Frontier Foundation, lembrou que Estados Unidos e Europa têm visões distintas. “Na União Europeia, as propostas de regulação das telecomunicações buscam ampliar a competitividade. Enquanto nos Estados Unidos houve uma desregulamentação no começo da década que levou à concentração do mercado”, disse. Ele mostrou dados mostrando que na maioria das cidades norte-americanas, o consumidor pode escolher entre apenas duas empresas a contratação do acesso banda larga. “Uma operadora de telefonia fixa e uma empresa de cabo”, frisou. Para ele, o Marco Civil é uma solução “sensata”.
Para Harold Feld, vice-presidente da Public Knowledge, ONG que defende a liberdade de expressão nos EUA, foi essa situação que criou o ambiente para a Federal Communications Commission aprovar recentemente um conjunto de regras mais detalhadas para regular o acesso banda larga no país. “O texto anterior não funcionava para proteger o consumidor. Descobrimos que havia outras formas sofisticadas de bloquear conteúdos ou aplicações e ter práticas que o prejudicavam. E não havia remédio para evitar isso”, falou.
O presidente do NIC.br, Demi Getschko, voltou à regulamentação das exceções à neutralidade no Brasil. “Queremos regular o acesso genérico, do usuário genérico”, disse, lembrando que acessos corporativos, ponta a ponta, VPNs, continuam sujeitos a regras próprias. E disse ser importante que o Brasil tenha chegado a uma regulação que difere o acesso fixo do móvel. “A estrutura de acesso faz a diferença. É diferente o acesso físico independente do por telefonia móvel. A banda final é uma medição incerta. Há gargalos e dificuldades dinâmicas na rede”, falou.
Carlo Afonso, do Instituto Nupef, aprofundou o tema. “O acesso móvel é estatístico. O operador nunca tem certeza de quantos telefones se conectam a uma célula, mas a banda disponível para esta célula é fixa”, lembrou. Isso explica, segundo o especialista, porque o custo do acesso no Brasil é maior que em países como a Finlândia. “Lá, a fibra óptica é ubíqua, no provimento de banda larga e para chegar nas redes móveis”. Ele cobrou maior investimentos em infraestrutura com solução para melhorar a qualidade do acesso.