NIC.br

Ir para o conteúdo
01 JUN 2008

Picos: a capital das antenas parabólicas






180 Graus - 01/06/2008 - [ gif ]
Autor: Fábio Carvalho
Assunto: Indicadores

Se fosse feita uma geografia das parabólicas no Brasil, o Piauí seria um país e Picos, a capital. A mais recente pesquisa no setor revela que elas estão presentes em 41% dos domicílios piauienses, índice mais de duas vezes superior à média brasileira, 18%. Já em Picos (330 km de Teresina), no coração do Sertão nordestino, a cantiga é assim: de cada cinco casas, quatro têm parabólica. Outra singularidade piauiense é que lá as vendas de antenas estão crescendo num ritmo muito superior ao do Brasil - na base de 30% ao ano, enquanto no país o percentual é de 10%.

Os dados constam da 3ª edição da Pesquisa Sobre Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação, a TIC Domicílios 2007, que acaba de ser divulgada. O levantamento - o maior e mais amplo já feito na área - teve 17 mil domicílios pesquisados. Foi realizado em parceria pela Ipsos Public Affairs e CETIC.br (Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação), de São Paulo, entidade que colabora com o IBGE e com a Anatel na produção edivulgação de indicadores do setor. Os resultados foram divulgados por região; atendendo solicitação do Diario o CETIC.br disponibilizou para o jornal os dados por estado - são estes no quadro ao lado.

O crescimento das vendas do equipamento no Piauí indica que há uma nova leva de consumidores chegando ao mercado das parabólicas. Na época do boom (anos 90, em virtude principalmente do barateamento do produto e do início do pagamento das aposentadorias rurais), a compra era em massa; agora "é no pingado" [aos poucos, de um em um], conforme diz o vendedor Antônio Carlos da Silva: "Mas não se engane, não: é um pingado constante".

Bolsa-Família - Não há estudos sobre a nova tendência, mas os indícios são de que o "pingado" é conseqüência dos programas sociais do governo federal, como o Bolsa-Família, que estão levando algumas famílias a comprar neste momento sua primeira parabólica. Gente como Maria Auxiliadora Silva, da Aerolândia, periferia de Picos. Ela tem três filhos (beneficiados pelo Bolsa-Família) e faz"bico" como doméstica. Comprou uma parabólica com diâmetro de 1.80m (a menor que tinha na loja, de R$ 285) e dividiu o pagamento em "não sei quantas vezes de 20 reais". Diz estar "tranqüila de pagar" porque no mês que for "ruim de bico" terá a garantia dos recursos do Bolsa-Família.

Em Picos a parabólica nunca foi um bem supérfluo. A cidade fica entre picos montanhosos (daí o nome), o que dificulta a captação da imagem pela transmissão convencional. Nos anos 90, quando alguém queria ver um jogo pela TV com certeza de que assistiria a transmissão até o fim, dirigia-se a municípios vizinhos, como Araripina (a 150 km), em Pernambuco. Agora já existem repetidoras no próprio município, mas o sinal ainda é falho. "Picos é em um buraco. Tem morro pra todo lado. Se você for ali pra perto da Serra do Saco Grande, por exemplo, tem canto que não pega nem celular. Você precisa atravessar a rua pra falar", afirma o eletricista de equipamentos de máquinas Wálter Pereira da Cruz, o "Wálter das Parabólicas", um dos primeiros montadores das antenas na cidade. "É por isso que tem tanta parabólica aqui", acrescenta -- na casa dele, por exemplo, são três.

TV Digital - Com cerca de 70 mil habitantes (estimativa para 2007), Picos é um dos principais entroncamentos rodoviários do Nordeste. Localizado no centro do Sertão nordestino, é ponto de ligação do Piauí com a Bahia, Ceará, Maranhão e Pernambuco. De cima dos seus montes, a impressão é que a cidade está numa cratera pontilhada de antenas - um espetáculo que, pela especificidade do relevo e grande quantidade de parabólicas, não se vê em nenhuma outra parte do Nordeste

Em um lugar com tais características, o tema "TV Digital" guarda uma proximidade surpreendente. "A nossa antena vai perder a função?", pergunta Luíza Aureliano, que mora numa casa de dois cômodos, quatro meninos e um marido. A dúvida ecoa com mais força em Picos, mas foi detectada em todos os locais percorridos pela reportagem. A resposta para D. Luíza e os outros aflitos é a seguinte: Não, a parabólica não vai perder a função. Ao contrário. Com a aquisição de um receptor digital (que já está à venda) e de um aparelho de TV de alta definição, os proprietários das parabólicas podem assistir, já agora, aos programas em imagem digital - o problema é o preço, que ainda está alto até para os padrões da classe média (o receptor está oscilando em torno de R$ 900). Mas vejam o simbolismo da coisa: um morador de casa de taipa na periferia de Picos pode chegar primeiro à TV digital do que um do Recife, onde está o maior PIB per capita do Nordeste.

Cerca de 20 anos depois de instalarem-se aqui, as parabólicas - alternando ciclos de expansão e de "pingado" - mantêm-se atuais. Desde Euclides da Cunha sabemos todos que a obstinação é a principal característica de todas as formas de vida da região. Espécie de plantas eletrônicas, as obstinadas parabólicas estão agarradas nas casas do Sertão nordestino como se delas não fossem apartar-se jamais.

Francisco, o pai redimido

Os quatro filhos do guarda noturno Francisco Valdemar da Cruz tinham o hábito de ir assistir televisão na casa do vizinho, mas nem sempre conseguiam. "Tinha vez que o pessoal fechava a porta para eles não assistirem, ou batiam a porta quando eles chegavam", recorda Francisco. Com o orgulho ferido, comprou uma TV preto e branco; a imagem, porém, era ruim. Ano passado adquiriu sua primeira parabólica - usada, de uma mulher que ia viajar para São Paulo. Custou R$ 150. Francisco mora na periferia de Picos. Está-se recuperando de um acidente grave: a moto que dirigia chocou-se com um ônibus. Quase morre; escapou, mas não consegue mais andar sem muletas. A TV virou sua melhor diversão.

Odorico, o pioneiro arrependido

Odorico Carvalho é um amante das novidades tecnológicas. Assinante da Time, leu na revista matéria sobre os primeiros videocassetes e assim que o equipamento entrou no Brasil, comprou um. Entre as primeiras parabólicas da cidade, uma foi para a casa dele - das enormes, de 5 metros de diâmetro. Na época foi um dos líderes do movimento - campanha na rádio, sorteio, o diabo - para a introdução das antenas na cidade. Hoje o jornalista e bancário aposentado do Banco do Brasil dirige a TV Picos, onde investe na programação local. As parabólicas - condutoras de uma programação quase toda do RJ e SP - viraram adversárias: "Às vezes me arrependo de ter sido um dos responsáveis pela introdução delas aqui".

Piauí lidera ranking

Os estados que mais têm domicílios com parabólicas (2007)

1) Piauí 41%
2) Maranhão 34%
3) Sta. Catarina 32%
4) Minas Gerais 26%
5) Mato Grosso do Sul 24%
6) Ceará 20%
7) Pernambuco 19%
8) Amazonas 17%
9) Paraná 17%
10) Pará 14%
11) Rio de Janeiro 14%


BRASIL 18%

Fonte: Pesquisa sobre Uso da Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC 2007), realizada em parceria pela Ipsos Public Affairs e CETIC.br (Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e Comunicação), de São Paulo