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29 MAR 2017

Papel de pequeno provedor é importante


Valor Econômico - 29/03/2017 - [gif]


Autor: Ana Luiza Malhmeister
Assunto: Provedores de Internet

Não há dúvidas sobre a necessidade da atualização da lei e do marco legal das telecomunicações para adaptação às demandas por novos serviços que exigem redes de alta velocidade.

A pergunta que os especialistas em telecom fazem é se os investimentos decorrentes da migração da concessão para autorização serão efetivamente dirigidos às regiões que necessitam de infraestrutura, e não sirvam apenas para ajudar as companhias a aplicar recursos onde já seriam obrigadas a fazê-lo.

"Em um país tão desigual como o Brasil, isto significa, como mostram as estatísticas, um ótimo atendimento, inclusive muito competitivo, nos bairros de mais alta renda das cidades economicamente mais dinâmicas, e um péssimo atendimento, não raro reduzido a uma operadora monopolista, nas regiões pobres", afirma o professor Marcos Dantas, da Escola de Comunicação da UFRJ e um dos representantes do setor acadêmico no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

Na opinião de Dantas, as mudanças para as duas concessionárias serão pequenas. A Telefônica deve continuar atuando nos mercados em que já está; para a Oi, deixar de cumprir suas obrigações de concessionária vai facilitar a transferência do controle para novos investidores que podem não ter interesse em manter a infraestrutura em grande parte das regiões Norte, Nordeste e outras áreas mais pobres do Brasil, avalia o professor.

A falta de garantias à competição, um dos pilares da Lei Geral das Telecomunicações original, também preocupa a Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp).

Para João Moura, presidente da entidade, a infraestrutura que vier a ser criada a partir dos novos investimentos e obrigações precisaria ser compartilhada com as operadoras competitivas. "Se os ganhos do processo forem alocados exclusivamente para as concessionárias trocarem suas obrigações atuais, o desequilíbrio concorrencial se agravará com danos para toda a sociedade", afirma Moura.

Os pequenos provedores de internet em todo o país têm papel importante na oferta de banda larga fixa, respondendo por 56% das adições líquidas à base de clientes em 2016, seja porque chegam em localidades às quais as concessionárias acham pouco atrativas ou porque os clientes encontraram nessas empresas as melhores ofertas para as suas necessidades.

"Com a aprovação do PLC 79/2016, a banda larga continuaria a ser prestada exclusivamente no regime privado e o Estado perde força regulatória, sendo impedido de definir e regular tarifas", aponta Flávia Lefèvre, conselheira e advogada da Proteste.

O artigo 65 da Lei Geral das Telecomunicações define que os serviços de interesse coletivo e que sejam essenciais devem obrigatoriamente ser prestados também no regime público, ou seja, não podem ser prestados apenas no regime privado.

A advogada não acredita que a atualização da lei vá aumentar os investimentos em banda larga nos locais não atendidos, sem que sejam impostas metas de universalização. "Prova disto é que o BNDES tem liberado bilhões nos últimos anos para as operadoras fazerem investimento em redes de fibra óptica, com o benefício do RPNBL - regime especial de tributação para o plano nacional de banda larga - mas os recursos continuam sendo dirigidos às localidades que concentram um mercado consumidor com renda e capacidade financeira maior", afirma Flávia.

Ela lembra que o Marco Civil da Internet deixou expresso que o acesso à internet é essencial para o exercício da cidadania e, portanto, a infraestrutura que dá suporte a este serviço deve estar sobre o poder regulatório do Estado. De acordo com a Constituição Federal, o Estado tem a competência exclusiva para explorar os serviços de telecomunicações, ainda que o faça mediante concessão ou autorização, estando ainda obrigado a garantir o acesso.

Segundo um levantamento do NIC.br as redes de alta capacidade no Brasil estão concentradas do litoral do Nordeste para baixo do Brasil e nas regiões Sudeste e Sul. Mesmo assim, na periferia de São Paulo, por exemplo, não há infraestrutura fixa para acesso à internet. "É papel do Estado formular e implementar políticas públicas para garantir que os serviços essenciais estejam à disposição da sociedade", afirma Flávia.

Ainda que o serviço de telefonia fixa possa passar a ser explorado via autorização, as redes de telecomunicações associadas aos contratos de concessão ainda têm grande relevância para a banda larga: mais de 50% do acesso à internet pela rede fixa se dá sobre as redes fixas.

Outro grande problema, de acordo com a advogada da Proteste, é como aferir de maneira justa quais são os bens reversíveis e o real valor desses bens.

"A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não tem controle dos bens reversíveis que já foram alienados, e além disso, o valor que as empresas pagaram na época do leilão de privatização do Sistema Telebrás levou em conta que ao final dos contratos os bens associados à prestação dos serviços deveriam reverter para a União", afirma.

Na opinião de Flávia, sabendo na época que as regras seriam diferentes, outras companhias poderiam ter participado do leilão e o governo teria arrecadado mais na privatização realizada em julho de 1998.

De acordo com a última versão do PLC 79, a adaptação de concessão para autorização apenas poderá ser autorizada pela Agência Nacional de Telecomunicações mediante compromissos de investimento pela concessionária e a apresentação de garantia que assegure o cumprimento das obrigações. No caso de descumprimento, a agência poderá executar as garantias financeiras para que o investimento seja realizado.