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21 JAN 2008

O surgimento de internets paralelas






O Estado de S. Paulo - Caderno Link - 21/01/2008 - [ gif ]
Autor: Pedro Dória
Assunto: Internet

Há uma boa polêmica em curso envolvendo o ICANN, a organização norte-americana que gere a internet. A partir deste ano, a entidade vai permitir que os nomes de domínio da rede –endereços como o www.estadao.com.br – possam ser escritos com caracteres não latinos. Já havia pressão de russos e chineses para que isso acontecesse há bastante tempo. Tem uma turma boa, como o professor de direito Tim Wu, da Universidade de Columbia, nos EUA, que vê a integridade da rede ameaçada por essa decisão. Mas seu ponto de vista não é unânime.

Existe um computador no mundo, ele fica nos EUA, no estado de Virgínia, que é o servidor-raiz da internet. Nele, está armazenada a lista de nomes de domínio e seus endereços numéricos (IP) correspondentes. Os EUA cuidam de todo e qualquer domínio que termine com .com, .edu, .net, .biz – e quaisquer outros sem a designação de país.

O sujeito que digita em seu browser um endereço remete ao servidor raiz ou a um dos servidores auxiliares que armazenam sempre uma cópia integral de seu conteúdo. É lá que o browser é informado sobre que máquina deve procurar na rede.

Pode parecer, a princípio, um contra-senso. Mas, neste caso exclusivo, é importante que o processo de endereçamento da internet seja centralizado. Se sistemas de domínios paralelos começam a surgir, pode haver conflito. Um servidor-raiz diz que um endereço corresponde a uma máquina, outro servidor diz que o mesmo endereço corresponde a outra. Seria uma bagunça só.

O ICANN já permitia o uso de acentos e outras marcas gráficas, decisão que poderia ser tomada pelas entidades responsáveis pelos domínios nacionais. A Espanha, de domínio .es, permitiu há alguns meses que se use acentos nos domínios.

Aqui, o Comitê Gestor o permite há anos: digite www.estadão.com.br, com til mesmo, e o leitor cairá na página do Estado na web. Mas há uma regra essencial: o Estadão pode ter esse endereço com til porque já tem o sem til, estadao.com.br. Assim como o principal jornal espanhol só pode registrar o domínio elpaís.es porque já lhe pertencia o elpais.es.
Qual é a diferença? Primeiro, não há confusão. Segundo, e mais importante, um leitor americano, com um teclado sem acentos, chega à página do Estado na web sem sequer precisar saber que há na língua portuguesa algo como um til. A web se mantém universal.

Quando ideogramas chineses ou os alfabetos cirílico (russo), árabe e hebraico são permitidos no registro de endereços, cria-se uma solução, um novo problema e um risco. A solução é evidente: o pobre russo com um teclado cirílico não precisa quebrar a cabeça buscando a tecla correspondente à letra A ou S para digitar o endereço de um site local.

O problema é que o brasileiro que quiser acessar aquele mesmo site vai ter de descobrir-lhe o endereço numérico - e nós, humanos, decoramos nomes, não uma série de até 12 algarismos em seqüência.
O risco é o poder que se coloca nas mãos dos governos de China e Rússia, e aí entra o argumento do professor Wu. O servidor-raiz em Virgínia centraliza o sistema de endereçamento da rede.

Se todo um novo sistema de domínios é criado só para a China, sob os encargos de um governo que notoriamente controla o acesso à internet em seu país, isso não é o mesmo que criar uma internet paralela? Essa decisão não aumentaria o poder do governo chinês sobre o conteúdo digital em sua terra?

Wu está convencido de que sim. O resultado, no futuro, será que Rússia e China terão em suas mãos internets paralelas sobre as quais exercerão poder absoluto. Ainda é cedo para dizer se o professor está certo – dependerá da maneira como o novo padrão de endereçamento será implementado. Dependerá da facilidade com que chineses terão de chegar à rede lá fora e que gente cá de fora tiver de entrar nos servidores lá dentro.

Porque, por outro lado, não podemos esquecer: a rede é de todos. O alfabeto latino, não. Ela deve representar todo mundo.