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18 JUL 2008

O papel do jornalista está em xeque. Entrevista especial com Gustavo Gindre






IH Unisinos - 18/07/2008 - [ gif ]
Assunto: Democratização da Internet

Em entrevista à IHU On-Line, realizada através do skype, o jornalista Gustavo Gindre falou sobre a evolução e o acesso à internet hoje no Brasil, avaliou o 1º Fórum de Mídia Livre do país e refletiu sobre o papel do jornalista a partir das novas perspectivas para mídia. Segundo ele, a mais importante questão é de que "que o direito à comunicação é um direito inalienável ao ser humano. Você pode ter, no Brasil, uma área da saúde horrorosa, mas todos sabem que ela é um direito que o Estado deve garantir. O mesmo acontece também com a educação. Todavia, o cidadão não sabe que tem o direito de se comunicar".

O 1º Fórum de Mídia Livre abriu caminhos para que diferentes sujeitos com diferentes objetivos se reunissem em prol de um debate acerca de novas possibilidades para a mídia. Por outro lado, Gindre fala da importância de ser realizada uma Conferência Nacional de Comunicação evocada pelo Estado, para que aquilo que a sociedade venha a definir neste evento seja transformado em políticas públicas defendidas e executadas pela União. "A Conferência seria um marco na luta pelo direito humano da comunicação no Brasil. Pela primeira vez, o Estado assumiria a idéia de que pode dialogar com a sociedade de forma não informal", disse.
Gustavo Gindre é graduado em Jornalismo, pela Universidade Federal Fluminense, e mestre em Comunicação, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, é coordenador geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (INDECS), membro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil e membro do Coletivo Intervozes.

Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como está o processo de debates em relação Comitê Gestor da Internet no Brasil?

Gustavo Gindre - Eu acho que muito mal. O Comitê surgiu em 1995. Na expectativa do que seria o governo Lula, a sociedade se organizou em vários setores. O resultado disso é que o governo Lula acabou acatando essa demanda. Tivemos, então, a primeira eleição no mundo para governantes de um órgão na internet. O problema é que esse processo estancou porque a sociedade não percebeu ainda a importância da internet e de seus processos de governança. As entidades da sociedade civil, as ONGs e os movimentos sociais tratam a internet como água, ou seja, parece que é só abrir a torneira e ela está disponível. Então, a sociedade não se apropriou do debate sobre a governança da internet e sobre os riscos que isso pode trazer. Por outro lado, há uma postura do governo Lula de esterilizar o Comitê Gestor, para torná-lo o mais inoperante possível em termos políticos. É óbvio que o governo Lula está fazendo uma série de transformações nas telecomunicações brasileiras e atingindo vários setores da sociedade. O caso mais notório é a compra da BRT pela OI, mas existem várias outras questões sobre as quais, parece, o governo não quer discutir com a sociedade. Como aquela que envolve, por exemplo, a banda larga. Quanto mais o governo puder manter o Comitê Gestor em banho-maria, melhor para ele. Essa é a posição política adotada.

IHU On-Line - Como o senhor avalia o uso das tecnologias da informação no Brasil?

Gustavo Gindre - Estamos incrivelmente atrasados em relação a outros países. Se pegarmos os dados do acesso às TICs (tecnologias de informação) no Brasil, veremos que eles mostram o modelo de exclusão no Brasil. Nós temos cerca de 12% da população que fazem uso intensivo e 20% que apanham para fazer uso dessas ferramentas. É possível perceber que a classe C comprou mais computadores, dentro desse programa Computador para Todos. No entanto, tal fato não acompanhou o crescimento do acesso à internet. Desse modo, está surgindo um perfil de consumidor da classe C do Brasil que possui o computador, mas não consegue ter acesso à internet porque não consegue pagar por ele, ou mora numa área onde a banda larga não é disponibilizada, o que é muito comum nos principais centros urbanos. O resto da população não chega nem perto disso. Uma pesquisa do próprio Comitê Gestor revela que cerca de 50% dos brasileiros nunca puseram a mão num computador. Esse é um espaço de exclusão e, como o Brasil é um país profundamente desigual e excludente, o uso das TICs vem seguindo esse perfil.

IHU On-Line - O senhor afirma que o país deu um salto nas metas de inclusão digital, mas que em breve deve encontrar as barreiras de exclusão social que limitam drasticamente o consumo no Brasil. Quais são as principais barreiras?

Gustavo Gindre - Uma barreira é quando as pessoas conseguem comprar um computador, mas não acessar a internet. Saímos, em 2005, de 17% da população com computador em casa para 24%, o que é um aumento grande. Em compensação, a internet passou de 14% foi a 17%. Isso é sinal de que 1/3 das pessoas que têm computador em casa não possui internet, ou seja, estão desconectadas. Essa é a barreira: custo. Vamos fazer uma comparação: o acesso à internet em Londres é mais barato do que no Brasil. Lembremos que Londres é uma capital cara e usa a libra esterlina: mesmo com esta, você paga menos pelo acesso à internet do que no Brasil. Sem falar na questão da disponibilização, a outra barreira. Há várias porções do território brasileiro, constituídos pelas pequenas cidades, e vários trechos das grandes cidades onde não é possível conectar a internet via banda larga, apenas via conexão discada, limitando-se a 50 kbps. Ou seja, nesses lugares, se você quiser uma conexão realmente decente não irá conseguir.

IHU On-Line - Pelos dados apresentados na pesquisa "TIC Domicílios e Usuários" do Comitê Gestor da Internet, podemos perceber, então, uma visível mudança em relação ao público que acessa a internet hoje no país. Como o senhor acha que a produção de informação deve ser trabalhada a partir desse fato?

Gustavo Gindre - É necessário perceber que a inclusão digital não é apenas a disponibilização das ferramentas, ainda que isso, no Brasil, seja um problema enorme. Isso porque sem essas ferramentas não há inclusão digital. É preciso começar a pensar o formato do conteúdo e numa aculturação. O produtor de conteúdo muda de figura, porque uma parte da população irá também produzir conteúdo, exatamente o que oferece autonomia para o sujeito na rede. O sujeito deixa de ser apenas um consumidor e passa a ser usuário. No entanto, é necessário capacitar as pessoas. Devemos pensar na exclusão da capilaridade dos movimentos sociais para estimular a produção de conteúdo. A idéia dos pontos de cultura é interessante, porque só assim alguns governantes podem percebem a importância do acesso à internet, às TICs, além da importância do acesso coletivo aos conteúdos. Precisamos pensar em como esse conteúdo pode ajudar na própria organização social. Ainda que na intenção ela seja uma política correta, na execução é muito tímida, possui muitos problemas e poucos recursos. Ainda falta muito para chegarmos no ideal.

IHU On-Line - As novas tecnologias da informação podem ser consideradas uma porta para a democratização dos meios de comunicação?

Gustavo Gindre - Com certeza. Nós estamos vivendo uma perspectiva de uma revolução, o que não quer dizer que será radical. Por exemplo, o rádio surgiu como uma mídia interativa. O aparelho era, ao mesmo tempo, um emissor e um receptor, pois as pessoas podiam interagir. Você tem hoje vários embriões de ações que apontam para a tentativa de restringir a forma como as pessoas usam a internet. Além disso, há muitas ferramentas para acompanhar, investigar, espionar o que as pessoas estão vendo na internet, o que constrange o uso. Toda a lógica da produção conduz para isso: você não pode usar e, se usar, corre o risco de pagar royalties para alguém. A internet não é uma mídia consolidada, mas em desenvolvimento. Assim como o rádio se tornou muito diferente do que era antes, ou seja, do início do século XX, pode ser que a internet daqui a 20 anos seja bem diferente do que é hoje. Passamos hoje pela introdução de uma mídia com enormes potencialidades democráticas. Se elas se mantiverem assim, podem ter um efeito de contágio nos outros meios de comunicação. Isso pode ser positivo se ela mantiver esse caráter.

IHU On-Line - Em relação ao Fórum de Mídia Livre, qual é a sua avaliação e quais as perspectivas diante desse novo cenário comunicacional?

Gustavo Gindre - O Fórum nasceu a partir de uma multiplicidade de perspectivas. Essa é a sua fortaleza e seu grande desafio. Estão aí reunidos perspectivas, demandas, desejos absolutamente diferentes. Há, por exemplo, uma perspectiva mais à esquerda, que realiza uma crítica ao Estado: participam dela petistas, libertários e anarquistas com uma relação diferente em relação ao Estado. Isso nos fortalece, porque fazer com que essas pessoas tão diferentes sentassem juntas numa mesma mesa e discutissem as mesmas questões foi uma grande vitória. No entanto, o desafio é maior a partir de agora, na medida em que é preciso traçar as metas e trabalhar nessas metas.

IHU On-Line - Como está sendo articulada a consolidação do Fórum?

Gustavo Gindre - Uma série de desdobramentos foram tiradas da Plenária final desse primeiro Fórum. Agora, o desafio é a coordenação do evento conseguir estabelecer um diálogo e dar conta das metas que foram definidas na plenária. Estou otimista em relação ao que está por vir.

IHU On-Line - O que está no centro da discussão midiática hoje?

Gustavo Gindre - A construção do conceito de que o direito à comunicação é um direito inalienável ao ser humano. Você pode ter, no Brasil, uma área da saúde horrorosa, mas todos sabem que ela é um direito que o Estado deve garantir. O mesmo acontece com a educação. Todavia, o cidadão não sabe que tem o direito de se comunicar. O caso mais paradigmático é o acesso ao espectro eletromagnético. O cidadão não sabe que os canais de televisão pertencem a ele. A emissora pode pertencer a outro sujeito, mas o espectro é público. Essa idéia de que o acesso à comunicação é público e que o Estado deve garantir esse direito nos dá a certeza de que é o Estado quem proporciona as ferramentas que nos garantem acesso a esse direito. A grande dificuldade é construir essa noção no interior da sociedade, no imaginário coletivo da sociedade. O acesso à internet deveria estar dentro dessa noção. Todos deveriam ter acesso a ela, não só aqueles que podem pagar. O grande desafio é construir as políticas públicas que permitem tornar a comunicação um direito humano inalienável.

IHU On-Line - O que uma Conferência Nacional de Comunicação poderia contribuir para a consolidação do Fórum de Mídia Livre?

Gustavo Gindre - Ela é importantíssima para o Fórum de Mídia Livre, mas também é muito mais do que isso, pois envolve políticas públicas sobre toda a comunicação. Comprometer o Estado com as resoluções da Conferência já será um desafio gigantesco e uma conquista enorme. A Conferência seria um marco na luta pelo direito humano da comunicação no Brasil. Pela primeira vez, o Estado assumiria a idéia de que pode dialogar com a sociedade de forma não informal. Até hoje, só tivemos fóruns de caráter consultivo e mesmo eles são tradicionalmente sabotados pelo próprio governo. Se a conferência vier a se realizar e tiver o caráter de lei que começa de "baixo para cima", será um marco histórico na luta pelo direito à comunicação.

IHU On-Line - Que espaço o jornalismo precisa ocupar dentro desse novo cenário que a mídia livre vislumbra?
Gustavo Gindre - O jornalismo surge como uma demanda do capitalismo, da sociedade moderna e as coisas vão acontecendo numa velocidade maior do que aquela necessária para encontrar uma maneira de registrar o cotidiano. De repente, o cotidiano passou a ter uma importância até então inédita. O intermediário, ou seja, aquele que informa o que acontece no cotidiano, é o jornalista. O problema é que ele começa a ser colocado em xeque, na medida em que você começa a ter mídias interativas. Com certeza, o seu papel sofrerá alterações. Ou seja, não é mais o intermediário por definição. Ele terá de começar a se acostumar com a multiplicação de intermediários, perdendo a importância nessa área. Por isso, o jornalista terá de buscar a sua legitimidade.