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21 JUL 2008

Mudanças nas telecomunicações enfraquecem telefonia fixa






Observatório do Direito à Comunicação - 21/07/2008 - [ gif ]
Autor: Jonas Valente
Assunto: Indicadores

O processo de reorganização do ambiente das telecomunicações em curso no país tem tido como foco central o fortalecimento da capacidade de oferta de banda larga à população. Do acordo que selou a atualização do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) ao debate sobre a mudança nos planos Geral de Outorgas (PGO) e de Atualização dos Regulamentos de Telecomunicações (PGR), a atenção dos dirigentes do governo federal e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tem se voltado ao aproveitamento das redes de telefonia fixa (STFC) para instalação de uma infra-estrutura de acesso à rede mundial de computadores em alta velocidade.

A diretriz foi exposta no Ofício 11/2008 do Ministério das Comunicações, que expôs à Anatel a política da pasta para a revisão do PGO e do PGR. O documento argumenta que "a evolução tecnológica das telecomunicações no período recente caminha no sentido da redefinição das condições de concorrência no setor", as quais estariam apontando para "a perda da importância relativa do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) e para um cenário de concorrência entre diferentes modalidades de serviços (móvel-fixo, por exemplo) e, principalmente, entre diferentes infra-estruturas de rede". Neste novo ambiente, completa o texto, "a integração das redes de alta capacidade de transmissão (banda larga) se afigura, portanto, como um novo imperativo concorrencial".

Questionado sobre a atualização do PGO e do PGR em reunião do Conselho Consultivo da Anatel realizada há pouco mais de um mês, o integrante do Conselho Diretor da agência Pedro Jaime Ziller reforçou a posição. "O que o PGO está fazendo é estabelecendo competição para frente. A telefonia local não é mais a questão, é a banda larga", afirmou. No entanto, para especialistas entrevistados pelo Observatório do Direito à Comunicação, a definição pela "falência" da telefonia fixa está sendo feita sem levar em consideração a importância que este serviço tem para parte considerável da população brasileira.

A advogada do Instituto ProTeste e integrante do Conselho Consultivo da Anatel Flávia Lefévre é uma das que discordam que o papel desempenhado pelo STFC se esgotou. "Ele cumpre papel no país fundamental. A rede do STFC está subutilizada porque ela tem condições de ter muito mais acessos instalados do que tem hoje", diz. Realmente, se analisado o alcance da rede de telefonia fixa em relação ao seu uso é possível perceber forte contraste.

Segundo o "Atlas das Telecomunicações" da revista especializada Teletime, as operadoras deste serviço alcançam praticamente todos os municípios do país (5.560) e chegam a mais de 180 milhões de brasileiros. No, entanto, há apenas 51 milhões de linhas de telefone instaladas, sendo 39 milhões em funcionamento. A teledensidade - indicador que mede a penetração da telefonia em uma determinada região - do Brasil ficou, em 2006, em cerca de 27,2 linhas instaladas por 100 habitantes. Se considerado que nem todas estas linhas são utilizadas, o índice cairia até dois pontos percentuais. "Enquanto na França ou na Espanha a teledensidade chega a mais de 70%, no Brasil ela fica na casa dos 20%", compara Flávia Lefévre.

Universalizar o quê?
O foco na ampliação da oferta de banda larga ficou explícito na mudança do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU). A norma foi atualizada a partir de um acordo entre governo federal e concessionárias de STFC no qual a obrigação de instalação de pontos de serviços de telecomunicações (PSTs) - estruturas com acesso telefônico - em todas as localidades do país foi transformada na exigência de implantação de redes de conexão à Internet (backhauls) em todas as cidades brasileiras. Com isso, as operadoras deixam de ter que levar telefones a todo o território nacional para construir uma infra-estrutura que depois será explorada comercialmente por provedores de Internet. Em troca o governo ganhou conectividade "gratuita" para 55 mil escolas públicas até 2025, o que se concretizou no programa Banda Larga nas Escolas.

Na avaliação do coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da UnB, Murilo Ramos, este processo está criando um "paroxismo da banda larga". "Está se dando de graça a idéia de que o STFC está morto, mas se está se matando o único serviço público de telecomunicações, aquele que o Estado é obrigado a levar a cada um de nós", alerta. Segundo Ramos, acaba-se aí com um serviço essencial para a população. "Telefone tem papel fundamental, não de acessar a Internet, mas de colocar pessoas em contato com as pessoas", considera.

Segundo Flávia Lefévre, enquanto o governo abre mão de um serviço cuja base de operação foi paga pela população por meio da cobrança da assinatura básica, reverte o fluxo destes recursos para a construção dos backhauls, justificando a manutenção da assinatura básica e das altas tarifas da telefonia fixa.

Questionado sobre isso, o conselheiro Pedro Jaime Ziller confirmou que o "custo destas redes [backhauls] vai vir da tarifa do STFC". "Ou seja, por meio de um serviço público vão bancar a estruturação de um serviço privado que vai atingir muito menos pessoas que as 40 milhões de pessoas que têm telefonia fixa", conclui a advogada do ProTeste.

Segundo a pesquisa anual do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), a conexão por banda larga atinge metade dos 17% de domicílios com acesso à Internet no país. Embora o crescimento tenha sido de 10% entre 2006 e 2007, esta tecnologia ainda está disponível para menos de 10% das residências brasileiras.

Outra preocupação é a dinâmica de "exclusão pelo preço" no setor de banda larga. De acordo com dados do CGI.br, enquanto 41% das pessoas com renda de até 2 salários mínimos por mês com internet em casa têm banda larga, o índice aumenta para 57% quando consideradas pessoas com mais de 5 salários mínimos. Ou seja, se houver a expansão desta forma de conectividade no país, ela atingirá primeiro a população que já possui acesso à Internet ou computador em casa, e não os cidadãos que estão apartados da possibilidade de fazer uma ligação.

"Hoje há uma situação de risco, principalmente para o cidadão pobre", constata Murilo Ramos. Para o professor, é muito perigoso que o único serviço prestado em regime público seja enfraquecido desta maneira. "Se assumimos que o STFC está em declínio, precisamos nos perguntar: o que colocaremos no lugar? Isso me traz preocupação com a prestação do serviço público de telecomunicações. Talvez uma saída seria colocar a rede desagregada sob este estatuto", pondera.

Solução móvel?
O acadêmico problematiza a solução mais apontada para o problema da falta de acesso ao serviço de voz: a transferência do papel de universalização da telefonia para o serviço móvel pessoal (SMP), o conhecido telefone celular. "Aceita-se como inevitável o fim da telefonia fixa como se o SMP ou a Internet fosse resolver isso."

Para Edison Lima, da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), esta afirmação "não é verdadeira". Há sim uma expansão, continua o sindicalista, da oferta de serviços no território brasileiro, que podem ser verificadas pelo número alto de celulares no país, que atingiu em junho a marca de 133 milhões.

No entanto, a principal característica deste meio é a recepção, não a emissão. Mais de 80% destes aparelhos são pré-pagos, com índice mensal de créditos, e por consequência de minutos falados, baixo. "Mesmo no mundo empresarial, o senso comum já absorveu a idéia de que o SMP é 'pai de santo'", diz Murilo Ramos. O termo empregado, de uso comum, faz referência ao personagem religioso para expressar que o aparelho "só recebe". "Nos documentos oficiais fala-se da maravilha da universalização via telefonia móvel, mas isso é falácia. O que interessa para as pessoas é poder falar", completa Ramos.