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01 DEZ 2009

Internauta pede liberdade e anonimato






A Rede - 12/2009 - [ gif ]
Autor: Lia Ribeiro Dias
Assunto: Internet

COM 120 mil acessos Nos primeiros 20 dias de consulta pública, o Marco Civil vira proposta de projeto de lei.

O grande número de contribuições à consulta pública do Marco Civil da Internet – só nos primeiros 20 dias foram 500 contribuições e 120 mil acessos – mostra a importância desse debate para a sociedade brasileira. Os temas mais comentados referem-se à garantia à liberdade de expressão e ao anonimato na rede, os dois princípios que mais preocupam os internautas. Encerrada a consulta pública, em 17 de dezembro, as contribuições serão consolidadas e o Ministério da Justiça submeterá ao debate não mais princípios, como na primeira fase, mas um projeto de lei, cuja versão final deverá ser encaminhada ao Congresso Nacional, em março.

A proposta do Marco Civil da Internet, elaborada pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, com apoio da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio), incorpora os princípios contidos no decálogo aprovado, em março, pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Que vão da liberdade de expressão e do direito universal de acesso à neutralidade da rede e à garantia de interoperabilidade entre as milhares de redes que formam a internet. Assim, a proposta levada a debate é muito mais o estabelecimento de direitos na internet do que a fixação de restrições. “O que se tem que regular não é a internet em si, mas as ações das pessoas na rede”, diz Demi Getschko, diretor do NIC.br, o braço executivo do CGI.br.

A qualidade de muitas contribuições chamou a atenção de André Lemos, professor de Direito da FGV-Rio, parceira do projeto. No fórum sobre privacidade, parte do eixo 1 do debate sobre direitos individuais e coletivos (ver box), um colaborador defendeu que a exigência da guarda de log – retenção de dados pessoais –, se vier a ser estabelecida, têm de ser acompanhada de auditoria para impedir a falsificação. Mas o mais importante dessa consulta pública, na visão de Lemos, é o fato de ela representar uma renovação do processo de representatividade. “Temos que usar o mesmo sistema para tratar de outros temas que tenham ou não a ver com internet”, sugeriu.

Mídia democrática
A internet é a mídia de massa mais democrática que existe, pois, nela, cada um pode expressar sua opinião. E para produzir na internet – montar um blog, participar de uma rede social etc. – praticamente não há barreira de acesso. Qualquer um, com um mínimo de escolaridade, pode se conectar, praticamente sem custo, a não ser o preço do acesso.

O Google é a empresa mais poderosa da internet, domina o sistema de busca na rede, mas não tem como impedir que um internauta o critique, já que ele faz  seu post sem pedir licença a ninguém. Já para publicar um comentário na mídia impressa contra a empresa proprietária de um jornal, por exemplo, é preciso obter a autorização do criticado – o que raramente ocorre.

O que todos os comentaristas da consulta pública querem preservar é esse ambiente de liberdade de expressão – que não pode ser confundida com liberdade de imprensa, a qual se restringe aos proprietários dos meios de comunicação e a seus editores – e de liberdade de acesso. 

Os comentaristas também consideram essencial a garantia da privacidade, um dos direitos fundamentais da pessoa humana, reconhecido pela Constituição Federal e previsto no Marco Civil. Muitos deles se colocam contra a guarda de logs pelos provedores de acesso à internet e pelos provedores de conteúdo ou serviços, por considerarem que a retenção de dados pessoais fere a privacidade e o anonimato. E o anonimato, lembra o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, é a garantia da liberdade na rede, por ser ela uma rede controlada, já que é baseada em protocolos (ver pág. 28).

O texto da consulta pública sugere que, caso a legislação permita a guarda de logs, para tornar possível a identificação de ações criminosas na internet, é preciso “determinar claramente os casos em que tal registro seria permitido, as condições para a sua implementação – tanto de escopo como de tempo dos dados registrados –, as condições e segurança para sua guarda, os casos em que será permitida a requisição, obrigatoriamente por ordem judicial, para sua obtenção e as punições para a violação ao sigilo intrínseco de tais dados”. Essas medidas, assim como a especificação de um formato para os logs, são essenciais para a garantia da privacidade.

A guarda dos logs é um dos pontos mais polêmicos do debate, pelo fato de representar um conflito direto com o direito ao anonimato. Um dos princípios básicos na construção da internet, o anonimato é proibido pela Constituição brasileira. O inciso IV do artigo 5 diz: “É livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato”. A vedação ao anonimato na Constituição, observa o texto da consulta pública, “tem por fundamento apenas evitar a impossibilidade da identificação de eventuais responsáveis por violação de direitos de terceiros, estando também essa identificação submetida à proteção de garantias constitucionais”. Mesmo com a guarda de logs, observam alguns comentaristas, há recursos técnicos para se fugir ao controle. Além da criptografia dos dados, um recurso sofisticado só para iniciados, um comentarista cita programas de embaralhamento de dados. “O anonimato nunca deixará de existir na rede”, prevê.

Banda larga
Parte do capítulo da consulta pública referente  à infraestrutura, a banda larga também foi objeto de várias contribuições. Considerando que a internet é direito de todos, um comentarista sugere a concessão de incentivos fiscais para a massificação da internet no Brasil. Mas se coloca contra a criação de uma estatal da banda larga, medida defendida por outros.

Independentemente da forma de implementação,  é consenso a necessidade de um Plano de Banda Larga no país (ver pág. 26), que acabe com as disparidades regionais e leve o acesso não só a todas as sedes de municípios, mas também a distritos. Os internautas também reclamam do preço do acesso, especialmente nos locais mais distantes, e da velocidade oferecida.

Os princípios da rede
Estes são os principais pontos debatidos na consulta pública:

1. Direitos individuais e coletivos
- Privacidade (intimidade e vida privada, inviolabilidade do sigilo da correspondência e comunicações, guarda de logs)
- Liberdade de expressão (o direito de receber e processar informações, anonimato)
- Direito de acesso (acesso à internet e desenvolvimento social, facilidade de acesso)

2. Responsabilidade dos atores
- Clara definição de responsabilidade dos intermediários (provedores de acesso, conteúdo, aplicativos, hospedagem etc.)
- Não discriminação de conteúdos (neutralidade da rede)

3. Diretrizes governamentais
- Abertura (interoperabilidade plena, padrões e formatos abertos, acesso a dados e informações públicas)
- Infraestrutura (conectividade, aplicações e conteúdo; ampliação das redes de banda larga e inclusão digital)
- Capacitação (cultura digital para o desenvolvimento social, iniciativas públicas e privadas)