NIC.br

Ir para o conteúdo
19 JAN 2017

Duas décadas, uma história


Abranet - 19/01/2017 - [gif]


Autor: Roberta Prescott
Assunto: 20 anos Abranet

A Internet não é a mesma de 1996, mas o espírito empreendedor dos provedores ainda permanece. Para comemorar as duas décadas da entidade, a revista Abranet entrevistou dez pessoas envolvidas no processo de sua criação

O ANO ERA 1996. A Internet ainda engatinhava no Brasil quando pessoas que estavam, de alguma forma, envolvidas com os BBS (bulletin board systems) e começando a empreender no segmento uniram-se para criar uma associação com o objetivo de representar e defender os interesses dos provedores. “Éramos um grupo recém-formado, em uma atividade totalmente nova e desregulamentada, com pessoas oriundas dos mais diversos meios, desde técnicos a puros empreendedores, buscando conceitos, formas de sobrevivência e estratégia de proteção a um setor recém-nascido”, lembra Antonio Tavares, um dos fundadores e primeiro presidente da Associação Brasileira de Internet (Abranet).

Ainda sem verba, depois de fundada, a Abranet estabeleceu-se com sede em uma sala da área sindical da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Desde o princípio, a meta era proteger os provedores e fomentar o mercado, criando uma entidade que pudesse auxiliar nas necessidades dos ISPs e dos usuários, além de sugerir critérios de operação. “Havia ignorância total por parte do usuário do que era Internet. Achamos fundamental reunir os provedores e com isto resolvemos criar a associação. Começamos a fazer o trabalho de mostrar que unidos éramos melhores que separados”, diz Cássio Vecchiatti, diretor de tecnologia da Fiesp e também um dos fundadores da Abranet.

Um pouco antes, recorda Demi Getschko, presidente do NIC.br, as operadoras de telefonia ainda não sabiam muito bem o potencial da Internet, mas este cenário mudou assim que se começou a falar de cabo. “O ADSL fez com que as teles quisessem ser provedores, e elas criaram várias companhias, porque a lei dizia que deveria ser separado. O pessoal de provimento começou ser atacado pelas teles, que entenderam que Internet era um filão de negócio e começaram a prover acesso”, conta Getschko, que atribui aos provedores de acesso e serviços o rápido desenvolvimento da Internet no Brasil.

Envolvido na criação da associação, Getschko lembra que ela era composta por empreendedores bastante ativos, mas jovens na área, que estavam tentando aproveitar oportunidades e proteger o caráter da rede. Há 20 anos, o grupo empresarial que liderava os esforços de colocar Internet no Brasil era pequeno, porém, visionário. “Os provedores de acesso e conteúdo enfrentaram grandes desafios ao apostar nesta nova plataforma de serviços. Alguns desses pioneiros da Internet brasileira fundaram em 1996 a Abranet, para congregar suas demandas e fomentar o crescimento da nascente tecnologia em que apostavam”, conta Eduardo Neger, ex-presidente da associação.

O advogado João Tranchesi Jr. recorda que, desde o começo, a Abranet se deparou com desafios jurídicos, e alguns permanecem até hoje. “Na época, era a definição do que era o serviço prestado pelos ISPs, se era de comunicação ou de valor adicionado; quais seriam as consequências tributárias. Tivemos discussões enormes com o Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária] sobre a tributação dos serviços”, rememora. “Debatia-se também se tínhamos ou não necessidade de obter autorização para prover os serviços, e que tipo de autorização.” À Abranet também coube dar voz aos provedores junto à Agência Nacional de Telecomunicações e ao Ministério das Comunicações.

Para Tranchesi Jr., a função da Abranet de estimular o desenvolvimento do setor, divulgar informações sobre a Internet e ser o órgão de intercâmbio com outras associações no mundo segue importante. Ele destaca a atuação da entidade no encaminhamento de sugestões e críticas para desenvolvimento e fortalecimento do mercado e dos serviços de Internet no Brasil e o trabalho junto às autoridades governamentais e ao Comitê Gestor da Internet (CGI). “A Abranet participa junto ao governo do debate para ter políticas que permitam uma melhor infraestrutura e prever investimentos de recursos governamentais para melhorá-la e levar a Internet a padrões tecnológicos mundiais”, destaca.

REDE PARA TODOS

O caráter eclético e universal da Internet também foi seguido na criação da Abranet. O professor Fredric M. Litto era um entusiasta de videotexto na Universidade de São Paulo (USP). “Comecei a estudar o assunto e a colaborar com empresas, fornecendo informações. Foi assim que conheci o pessoal da Abranet. Eles buscavam pessoas da universidade para a associação, com bagagem mais humanista”, lembra. Assim, Litto foi convidado para integrar o grupo em sua maioria formado por engenheiros para levar outro olhar à Internet.

Com uma contribuição de visão acadêmica e humanista, Litto pensava nas aplicações que a Internet poderia ter e já sonhava com o governo eletrônico. “A Abranet teve uma boa contribuição para humanizar o uso de TI no Brasil, porque reuniu gente de diferentes paradigmas e experiências. Isto deu outro ar [à Internet].”

Rui Jose Arruda Campos atuava como consultor de tecnologia e mercado da Fenasoft, um megaevento de informática dos anos 1980 e 1990. “Uma das minhas mais importantes ações foi apoiar os cerca de 15 empresários, liderados por Antônio Tavares, que vinham implantando o negócio de acesso público e comercial à Internet, na criação da Abranet, cuja reunião de fundação se deu dentro da Fenasoft 1996, na qual me juntei ao grupo de fundadores”, recorda Campos.

Para ele, a criação da Abranet foi algo natural, porque era necessário reunir inteligência, esforço e influência numa associação específica cujas empresas tivessem objetivos bastante similares. “Houve a determinação de Estado de que o acesso à Internet fosse desenvolvido por empresas privadas em processo de concorrência de mercado. Este negócio foi calcado na criação de muitas empresas de pequeno porte, que poderiam usar a estrutura de telecomunicações, ainda sob o regime de monopólio, mas que enfrentariam muita evolução tecnológica e grandes desafios na política de Estado, na geração de demanda e na conquista de usuários no mercado”, pontua.

Do lado das grandes empresas, Alvaro Marques trabalhava na IBM quando se envolveu com o grupo de empresários que estruturava a Abranet. Ele conta que, por volta de 1995, a IBM decidira atuar como prestadora de telecomunicações, aproveitando-se da rede que possuía. “A IBM foi um dos pioneiros como Internet comercial no mundo inteiro. Eu falava em comércio eletrônico ainda no comecinho da Internet”, relata Marques.

Ele recorda que a Abranet tinha um grande propósito. “Juntamos o pessoal porque sentíamos que seria clara a resistência, que haveria reação do pessoal de telecomunicações. Era importante ter uma associação para se apoiar, porque a maioria era formada por pequenas empresas que estavam começando”, diz, contando que recebeu total apoio da IBM para se engajar na associação. Nos primeiros anos, Marques tratou mais da parte regulatória dentro da Abranet. “O Sérgio Motta [então ministro das Comunicações] percebeu que a Embratel queria dominar o cenário e teve ideia de deixar este setor reservado”, lembra.

De fato, a edição da Norma 004/95 caracterizou a atividade de provedor de acesso como prestadora de serviços de valor adicionado e não prestadora de serviços de telecomunicações, o que, ressalta Antonio Tavares, ajudou a viabilizar economicamente o crescimento da Internet e a proliferação dos pequenos provedores. “Foram várias ações que permitiram à Internet se manter livre, aberta, não regulada e que possibilitaram nascer vários provedores”, acrescenta Getschko, do NIC.br.

Assim, a criação da Abranet foi fundamental para fazer deslanchar o setor e dar suporte aos provedores de Internet. “As operadoras achavam que era uma coisa só, mas não. Telecomunicações é a infraestrutura que comunica os servidores, mas Internet vai além. Ela envolve processadores, armazenamento de dados e hoje ainda mais coisas”, aponta Alvaro Marques.

Um exemplo é contado por Dorian L Guimarães. “Era engenheiro no interior de São Paulo, em Campinas, único provedor fora da capital paulista, e estava procurando informação e apoio a um negócio que não tinha qualquer regulamentação. Naquela época, eu ainda não sabia a total transformação que isto iria ter na vida das pessoas e das empresas”, conta. Há 20 anos, empreender como provedor era mais complicado, pois não havia melhores práticas ou exemplos a seguir. O surgimento da Abranet deu um norte. “Os pioneiros precisavam se organizar e ter representatividade. Depois, convidamos pessoas de outras entidades para apoiar a criação da Internet, como artistas, educadores, empresários e mídia”, pontua Guimarães.

BANDEIRANTES DIGITAIS

Atuando em um setor tão dinâmico, os provedores sempre precisam avaliar sua posição e buscar nichos de mercado onde saibam se posicionar. “Quantas vezes já ouvimos que os provedores estavam extintos, que a bolha da Internet seria implacável, que a crise internacional era forte etc.? E cá estamos, insistindo”, ressalta Eduardo Neger. Esses empresários tiveram de superar a limitada infraestrutura de telecomunicações do País e o ceticismo dos setores mais conservadores. Isto sem contar que, duas décadas atrás, a Internet era um assunto que passava longe do interesse do cidadão comum, ficando restrita a um seleto grupo de acadêmicos e entusiastas.

“Nunca me esquecerei do dia em que eu estava fazendo a barba, escutando o jornal no rádio, quando ouço a notícia de que começara a funcionar o provedor gratuito iG. Eu pensei: e agora? Meu negócio acabou!”, lembra Roque Abdo. “Depois disso, a Abranet fortaleceu-se enormemente e ganhou notoriedade nacional. Todos os veículos de mídia queriam ouvir a Abranet, o Congresso e a Anatel também.”

Para Aleksandar Mandić, a Abranet cumpriu seu papel de proteger os provedores, tanto contra as operadoras, quanto contra o fenômeno da Internet grátis, e de colocar regras e direcionamento. “Mas o mercado se dividiu entre estas duas vertentes. Não tinha como escapar. O provedor era autenticador e este meio acabou”, diz. “Cada um tinha seu mercado e conhecia os concorrentes, mas havia inimigos comuns a todos, como as operadoras. Naquele tempo, a Abranet tinha esse negócio de proteger, a Internet era uma aldeia global. Hoje não faz tanto sentido, porque tem o mercado, só que ficou mais difícil ganhar dinheiro, porque virou commodity.”

Outro papel importante que os ISPs desempenham há 20 anos é o de levar conexão a lugares distantes. Desde que entraram no mercado, as operadoras dão mais atenção às grandes cidades. “Os provedores são os interlocutores, agem como professores, dando toda a assessoria para as pessoas se conectarem. Eles foram o braço de disseminação da Internet e isto não foi apenas no Brasil”, enfatiza Alvaro Marques.

A chegada da Internet grátis também obrigou os provedores a repensarem seus negócios. Se o acesso não seria mais rentável, os ISPs passaram a apostar em diferentes frentes. Uns enxergaram oportunidade de negócio na vontade que as empresas tinham de ter suas páginas na web. Outros apostaram no fornecimento de serviços como correio eletrônico, datacenter, backup, entre outros.

O advogado João Tranchesi Jr. avalia que houve uma mudança grande no mercado, ficando poucas empresas operando apenas no provimento de acesso e muitas atuando como prestadores de serviços mais abrangentes. “Os provedores de serviço da rede Internet se transformaram em empresas de TI especializadas”, diz.

Desde o início, quando se brigava com as operadoras pelo acesso, o caminho dos provedores era o da prestação de serviços, com eles próprios, com datacenters pequenos, fazendo hosting, serviços gerenciados, consultoria técnica, desenvolvimento de serviços de web etc. “Claro que, embora continuando a defender que o sucesso está na prestação dos serviços, vejo que o mercado se prepara para uma transformação profunda. Por exemplo, onde tem televisão aberta ou a cabo haverá um processo grande de transformação, a exemplo do que aconteceu com o Netflix, e estão preparando a Google, Microsoft e outros, sendo que para tal é necessário que a oferta de banda larga seja cada vez maior e mais competitiva”, diz Antonio Tavares.

Olhando para o futuro, Dorian Guimarães acredita que a Internet deve seguir inspirando e desenvolvendo as novas gerações para lutarem por suas causas, criando valores que aproximem as pessoas e diminuam as desigualdades. “O futuro está pautado pelo aumento da velocidade de conexão, da banda larga, dos processadores, dos dispositivos de acesso. Teremos o uso da inteligência artificial, dos robôs, da realidade aumentada, da Internet das Coisas, além de inovações para as quais a Internet indiretamente está contribuindo, como a produção de energia, tratamentos da água e produção de alimentos.”