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01 JAN 2009

Crimes de Informática






Midia com Democracia - 01/2009 - [ pdf ]
Autor: Adriano Floriani
Assunto: Segurança

Projeto de lei retoma polêmica da liberdade versus segurança

Um projeto de lei sobre crimes de informática está no centro da polêmica que envolve parlamentares, pesquisadores, movimentos sociais e cidadãos usuários da internet no Brasil. Já aprovado no Senado Federal e tramitando na Câmara dos Deputados em regime de urgência, o PL 84/1999 caracteriza 13 delitos eletrônicos, como difusão de vírus, pedofilia, roubo de senhas, clonagens de cartões e celulares.

Ainda que seja importante estabelecer punição para condutas graves no universo das redes privadas e da internet, o PL 84/99, segundo especialistas, pode levar à criminalização potencial de usuários da informática em tarefas corriqueiras, como transferir dados de websites. A questão de fundo da polêmica é o dilema entre segurança e liberdade.

Sujeito à apreciação do plenário da Câmara, o PL 84/99 aguarda parecer das comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e Constituição de Justiça e Cidadania. O projeto atualiza, com as novas tecnologias, cinco leis, entre elas o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. O problema apontado pelos críticos do PL 84/99 é que o conteúdo aprovado em julho de 2008 no Senado é amplo, impreciso e ameaça abolir direitos civis, criminalizar internautas e limitar as possibilidades de inclusão digital. O senador Eduardo Azeredo (PSDB), que foi relator no Senado (onde o projeto era o PLC 89/2003), rebate as teses de criminalização generalizada, cerceamento da liberdade de expressão e censura. Para ele, o projeto não tipifica crime "culposo", apenas "doloso", ou seja, atingindo apenas quem de fato teve a intenção de cometer um delito. Azeredo tem afirmado publicamente que não serão atingidos pela proposta aqueles que usam as tecnologias para baixar músicas ou outros tipos de dados ou informações que não estejam sob restrição de acesso.

A preocupação com a criminalização de usuários comuns vem mobilizando a sociedade civil, pesquisadores da cibercultura e milhares de pessoas que já assinaram o manifesto "Em defesa da liberdade e do progresso do conhecimento na Internet Brasileira" que circula na web.

A petição, direcionada ao Congresso, passava das 120 mil assinaturas no início de novembro. "Sem a construção de um marco legal sobre os direitos dos cidadãos no mundo digital, não dá para aceitar a aprovação de uma lei que defina o que deve ser criminalizado", defende o professor, sociólogo e ativista do software livre Sérgio Amadeu da Silveira, um dos responsáveis pela petição online. "Não é porque os criminosos andam pelas ruas que o Estado poderá proibir cidadãos de caminharem pelas calçadas", argumenta.

Pesquisadores do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, analisaram o PL 84/99 e concluíram que o texto "apresenta problemas com relação à sua abrangência e imprecisão, que geram efeitos colaterais graves." Conforme o pesquisador e professor de direito Luiz Fernando Moncau, da FGV, um dos signatários do estudo, o marco regulatório para a internet deve ser civil e não penal. "O Direito Penal é uma coisa séria, pois restringe liberdades fundamentais como o direito de ir e vir. O Direito Civil não manda ninguém para a cadeia", pondera Moncau.

O CTS/FGV sugere a supressão de cinco artigos do PL 84/99. Como, por exemplo, o que adiciona ao Código Penal o artigo 285-A, caracterizando como crime "acessar, mediante violação de segurança, de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso". Para os pesquisadores da FGV, além de criminalizar a invasão de sistemas ou o acesso a sistemas protegidos, a proposta acaba também por incriminar a conduta de quem desbloqueia um aparelho celular ou um aparelho de DVD para assistir a um filme comprado no exterior.

Poder de polícia Inúmeras condutas cotidianas estariam na mesma situação. Por exemplo, extrair uma música de um tocador de mp3 para o computador passaria a se configurar também como crime? Segundo a análise da FGV, sim. Além disso, a cópia de qualquer conteúdo protegido por direito autoral de determinado website, com instrução de "expressa restrição de acesso", derivada da própria lei de direitos autorais, passa a ser tipificada como crime.

Outro ponto polêmico é a proposta de que os provedores de acesso devem informar sigilosamente à autoridade competente denúncias sobre indícios da prática de crime. Para o CTS, a medida investe o provedor de prerrogativas das autoridades detentoras de poder de polícia, "esta sim competente para receber denúncias".

A própria Associação Brasileira de Provedores de Internet (Abranet), que apóia a lei de cibercrimes, tem preocupações sobre este e outros pontos do texto, como o que determina às empresas de todos os portes e provedores de internet armazenar esses registros por três anos. Quem não cumprir com a obrigação, pagará multa entre R$ 2 mil e R$ 100 mil, além do ressarcimento por perdas e danos às vítimas de golpes.

Os maiores interessados na aprovação do texto atual do PL, possivelmente, são as instituições bancárias, atingidas por prejuízos financeiros resultantes do phishing scam (programas espiões para roubar senhas) e vírus. Segundo matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo em 13 de novembro de 2008, os bancos pagam por ano cerca de R$ 500 milhões às vítimas de fraudes na rede. Advogados, representantes do setor de internet e especialistas consideram que empresas de segurança de dados e certificadoras digitais também serão beneficiadas futuramente com a lei.

"O projeto possui artigos que implantam uma situação de vigilantismo, não impedem a ação dos crackers, mas abrem espaço para violar direitos civis básicos, reduz as possibilidades da inclusão digital e transfere a toda a sociedade os custos de segurança que deveriam ser apenas dos bancos", critica o professor Sérgio Amadeu.

O PL de crimes informáticos encontra inspiração na Convenção sobre o Cibercrime do Conselho da Europa (Budapeste, em 2001), redigida no calor dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, que fizeram grande pressão para que toda a Europa e demais países aderissem ao acordo. O Brasil ficou de fora. "Em tempos de paranoia pelo terrorismo, tendências mundiais de monitoramento oferecem perigo às liberdades individuais como um todo", diz Omar Kaminski, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI), suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br). "Com a vitória de [Barack] Obama, talvez estas pressões diminuam", avalia Sérgio Amadeu. Por outro lado, acredita o sociólogo, a pressão da indústria de Hollywood contra as redes P2P, de compartilhamento rápido de arquivos, não irá diminuir.

O deputado federal Julio Semeghini (PSDB), relator do projeto na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informação, admite debater adequações no PL 84/99 para evitar distorções na interpretação do texto. Segundo Semeghini, o projeto tem três objetivos: tipificar crimes que precisam ser coibidos no universo da informática; garantir a armazenagem de dados que possibilitem rastrear computadores utilizados para cometer crimes; e possibilitar que o Brasil assine a Convenção de Budapeste em sintonia com outras nações. "Não queremos inibir o uso normal da internet. Ao contrário, queremos estimular", afirma o deputado.

O conselheiro representante da sociedade civil no CGI.br Mario Teza acredita que o projeto abre a possibilidade de criminalizar inocentes. "O crime organizado tem condições de passar por qualquer usuário mediano na rede. O caso mais famoso é o das máquinas zumbis: milhões de usuários hospedam, sem saber, robôs eletrônicos que atacam outros sites, violam máquinas, etc. Essas pessoas, os verdadeiros donos dos computadores, poderão ser penalizados em função do PL", afirma Teza. Sem falar nos telecentros, que também estariam sujeitos às penalidades impostas.

A Internet se mostrou uma ferramenta de utilidade pública, de democratização do conhecimento, de inclusão digital, de liberdade de expressão, lembra Kaminski. Cada pessoa se torna um editor e ao mesmo tempo um potencial divulgador. Músicas de todo o mundo, livros e filmes estão disponíveis na web. "A regulamentação da internet faz sentido se for para assegurar a liberdade de comunicação e a cidadania no ciberespaço", defende Amadeu. O fato é que a rede possibilita o desenvolvimento de uma esfera pública transnacional. Se a internet começar a ser regulamentada nacionalmente para fazer valer principalmente os controles autoritários e interesses políticos locais, haverá desequilíbrio entre liberdade e segurança, entre privacidade e controle, podendo bloquear a liberdade de expressão e de criação conquistada com a rede mundial de computadores, acredita Amadeu. Oportunidades e perigos neste cenário necessitam ainda ser avaliados com a participação da sociedade. Até que ponto há disposição para sacrificar a liberdade em nome da segurança, e vice-versa? "No fim das contas, o que está em jogo é a própria liberdade, bem como o direito à inovação", diz Kaminski, ressaltando o receio "justificado" da Internet acabar ficando engessada ao ponto de termos saudades da liberdade quase desmedida, como é atualmente.

HISTÓRICO

O projeto de lei de crimes de informática tramita há mais de uma década no Congresso. Foi aprovado pela Câmara em 2003 e seguiu para o Senado como PLC 89/2003, onde foi incorporado a outros dois projetos. Após cinco anos, o texto relatado pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) nas Comissões de Educação, Ciência e Tecnologia e de Constituição e Justiça, e pelo senador Aloizio Mercadante (PTSP) na Comissão de Assuntos Econômicos, foi aprovado em julho de 2008 como substitutivo, voltando à Câmara como PL 84/99.