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25 ABR 2008

Classe C: o poder que a maior camada social do Brasil terá na internet






IDG Now! - 25/04/2008 - [ gif ]
Autor: Guilherme Felitti
Assunto: Inclusão Digital

Beneficiada por estabilidade financeira e inclusão digital, classe C ganha poder de consumo e pede adaptação do varejo online.

Não é todo país em desenvolvimento que vê um grupo do tamanho da população na metropolitana de Nova York ascender de camadas mais baixas e, sustentado pela estabilidade econômica, se tornar a maior classe social do país.

Tamanho não explica totalmente a trajetória da classe C no Brasil nos dois últimos anos, que viu também seu poder de consumo elevado, o que faz do grupo alvo obrigatório para empresas nos próximos anos.

Na internet não é diferente. Potencializada pelas medidas de inclusão digital adotadas pelo Governo nos últimos quatro anos, a classe C se vê responsável pelos seguidos crescimentos na base de internautas no Brasil e começa a forçar as empresas digitais e repensarem suas estratégias online, antes tão focadas nas classes A e B.

Entre 2005 e 2007, uma conjuntura de estabilidade financeira, aumento do crédito aos menos favorecidos e crescimento nos empregos com carteira assinada fez com que 19,5 milhões de brasileiros entrassem na classe C, tornado-a a maior do Brasil, segundo estudo divulgado pela Cetelem, realizado em parceria com a Ipsos.

O reflexo mais direto no mundo digital vem do número de usuários com acesso doméstico à internet. O número de pessoas que usam a web em casa atingiu 22,7 milhões de brasileiros, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (24/04) pelo Ibope//NetRatings.

Quem sustenta este crescimento estável, mas também explosivo dessa base desde 2006, quando éramos apenas 14 milhões de internautas? A classe C, responde prontamente Alexandre Magalhães, gerente de análise de mercado do Ibope//NetRatings.

Segundo Magalhães, o crescimento vem "desde 2006, mas agora está se acentuando. Quem está 'distorcendo' (os números) para cima, no bom sentido, é a classe C", afirma.

Com terreno fértil pela estabilidade econômica, a adoção de computadores foi recorde em 2007, com 10,7 milhões de PCs vendidos no Brasil, número maior que as 10 milhões de TV vendidas no mesmo período.

No total, são cerca de 40 milhões de internautas no Brasil, segundo a Cetelem - o Ibope//NetRating contabiliza apenas usuários que têm acesso doméstico à internet.

A razão está no projeto Computador para Todos, estabelecido no segundo semestre de 2005, quando o Governo Federal isentou PCs com valor de até 2,5 mil reais (ampliado para máquinas de até 4 mil reais) dos impostos PIS/Cofins.

Além de praticamente fazer com que o mercado cinza desaparecesse, o projeto contava com uma linha de crédito fornecida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que atraía consumidores das classes mais baixas com PCs baratos e parcelamento em longos meses.

O contato com LAN houses, principais veículos de inclusão digital no País, faz com que os filhos da classe C pressionem os pais por banda larga, serviço que hoje não tem mais tanto impacto no bolso dos menos abastados, lembra Magalhães.

Além de contrair a suposta teoria que a conexão dial-up seria a porta de entrada online para usuários de baixa renda, a análise do consultor do Ibope coloca nos jovens a responsabilidade pela adoção não apenas do PC, mas também das compras eletrônicas nas classes mais baixas.

"Além de ser a maior do Brasil, foi a única classe que fugiu da estabilidade no 1º trimestre de 2007, atingindo 37% da web brasileira", analisa Magalhães - a classe B não teve variação, enquanto as classes A e D registraram queda na participação online.

Nem todos os cerca de 20 milhões de consumidores da classe C, no entanto, estarão dispostos a gastar o dinheiro que lhes sobra mensalmente para um computador. Projeção da Cetelem aponta que a estabilidade financeira deverá render cerca de 6 milhões novos internautas nos próximos anos.

"Com certeza, são 6 milhões de clientes potenciais a mais passando por sua loja", exemplifica Franck Vignard-Rosez, diretor executivo de marketing, parcerias e novos negócios da Cetelem Brasil. "É irreversível", sintetiza.

A inclusão digital de um exército de novos consumidores online já deu mostras do seu poder financeiro.

A renda média disponível por que afirmou à Cetelem que pretende usar a internet para buscar informações de produtos caiu vertiginosamente de 1.041 reais em 2005 para 399 reais dois anos depois.

A "culpa" está, de novo, na integração de milhões de novos consumidores que não contam com a parruda média das classes A e B, o que leva os analistas a considerarem o escorregão no conceito "uma queda boa".

Ainda que seja a mais representativa, a renda média para informações não está sozinha - o faturamento médio de quem compra online caiu da média de 4 mil reais em 2005 para 3,6 mil reais em 2007.

A queda indica que alguns dos novos internautas já estão virando consumidores digitais, muito embora o gap a ser vencido ainda seja gigantesco - apenas 5% dos brasileiros compraram algo online em 2007, diz a consultoria.

Os 95% que ainda não realizaram compras pela internet fazem com que o potencial do e-commerce brasileiro nos próximos anos se transforme em ouro puro para empresas do varejo, estejam elas na internet ou ainda não.

A expectativa de Pedro Guasti, presidente do e-bit, para 2008, que ponderava sobre a entrada de grandes players no setor durante o ano, começa a tomar forma com a ascensão da classe C.

"É uma questão de números mesmo. Quem quiser se comunicar com este público, tem que estar na internet. Não dá mais para deixar tudo apenas para outros meios", afirma Ari Meneghini, diretor executivo da Internet Advertising Bureau (IAB) Brasil.

Em outras palavras: os milhões de novos internautas dão massa crítica para que grandes marcas que antes ignoravam a internet (a rede Casas Bahia é o principal exemplo deste grupo) comecem a se movimentar para não perder na web uma clientela do varejo tradicional.

"A internet vai ter que conversar com estas pessoas. O site do varejista precisa usar o linguajar e as referências daquela pessoa", explica Mariana Balboni, gerente do Centro de Estudos sobre Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br). "A rede é muito rebuscada. É preciso trazer o universo da população de baixa renda e criar conteúdos com a mesma referência", detalha.

Além da linguagem, há possíveis assimilações digitais de processos que a camada social vem enfrentando nos últimos anos, como a expansão do crédito. "A maior mudança será o crédito. Esta classe social precisa dele para consumir e hoje são poucas as empresas capazes de oferecer isto de maneira online", discorre Meneghini.
Se a linguagem parece mais improvável que o crédito dada a falta de experiência dos varejos em se comunicar com internautas, as mudanças parecem ter um bom tempo para que experimentações sejam colocadas à prova.

A atual taxa de crescimento dos internautas brasileiras deverá continuar a atingir a classe C brasileira, fazendo com que a internet no Brasil perca sua tradicional identidade voltada às camadas A e B e tornando o grupo ainda mais importante para o consumo nacional.

"Este ritmo não pára nos próximos cinco anos, já que teremos o público da classe D depois (da inclusão da classe C). O acesso ainda deve crescer muito, primeiramente em lugares públicos e, posteriormente, nas residências", explica Magalhães, ecoando o estudo do NIC.br que aponta as LAN houses como o principal ponto de acesso à internet no País.

Há, porém, um limite para a euforia de consumo, lembra Balboni. "Se as classes D e E não forem capacitadas, não vão conseguir navegar. Mesmo com o crescimento, há uma forte deficiência na escolaridade (das camadas sociais mais baixas). Pode ter LAN house na esquina, mas o pedreiro não sabe ler de qualquer jeito."

Entre o pedreiro e o entusiasta, ainda há quase uma Nova York inteira para que o varejo brasileiro, atraído pelos rios de dinheiro, aprenda a domesticar mais consumidores para esta novidade chamada internet.