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10 OUT 2007

Cadê o conteúdo que estava aqui?






Veículo: Computerworld
Data: 10/10/2007
Assunto: Conteúdos Digitais

Com o amadurecimento dos projetos de conectividade, é hora de incorporar a preocupação com a produção comunitária de conteúdos digitais aos modelos de negócio e enxergar a importância desta etapa para o desenvolvimento econômico e cultural do País.

Primeiro, era o "milagre" da proliferação das tecnologias de rede sem fio e alternativas (WiFi, WiMax, WiMesh, PLC), o gradativo barateamento dos equipamentos de conexão e a preocupação em combinar os padrões de forma adequada para alcançar a última milha nos mais variados tipos de terreno, cuidando para que soluções obsoletas - ou quase - não fossem adquiridas.

Programas de alfabetização digital básica se multiplicaram por todo o País, mas ainda não davam conta de promover o tão falado "resgate da cidadania" por parte dos novos internautas ao oferecerem o mundo digital como extensão do espaço público.

Com o tempo, bolar um modelo de negócios sustentável passou a ser o foco dos atores envolvidos com projetos de cidades digitais, atentos à necessidade de reduzir o preço do acesso à banda larga para o usuário final e de abrir mais espaço para a cooperação do setor privado, que ganhou a possibilidade de operar e gerenciar redes públicas.

Pausa neste "filme imaginário" da universalização do acesso às TICs. Cadê o conteúdo que estava aqui? O que vem sendo feito, de fato, para estimular localmente a produção de conhecimento nas comunidades iluminadas, depois que a infra-estrutura de rede é instalada?

Como atrair parceiros para esta finalidade desde o início dos projetos de cidades digitais, encarando a geração e a disseminação de conteúdos digitais brasileiros como uma ação estratégica para o crescimento sócio-econômico destas comunidades e, de modo amplo, para assegurar que a cultura nacional preencha também o espaço virtual - essencial à evolução da identidade do País em pleno século XXI?

A sensação que temos é a de que, até o momento, estamos muito mais estruturados para encarar os desafios da conectividade pelo ponto de vista tecnológico do que pelos aspectos cultural e humano. Entendendo genericamente como "conteúdo" tudo o que pode ser operado na rede - dados, textos, sons, imagens, programas de computador, etc. -, enxergamos uma série de entraves à apropriação plena dos meios de produção destes bens imateriais pelo cidadão.

Para começar, o conteúdo que já existe em suporte digital nem sempre está facilmente acessível através dos mecanismos de busca existentes, ou não está em formato interoperável com acervos semelhantes. Boa parte da produção cultural nacional, por sua vez, sequer chegou ao mundo virtual e ainda sofre problemas graves de catalogação.

Questões relativas a modelos de licenciamento de obras, conversão para mídias digitais e armazenamento dessas informações na web também estão em franca discussão, com diversos pontos em aberto. Mas entraram na pauta governamental - e aí começam as boas novas.

Em setembro último, após criar uma comissão de trabalho temática para Conteúdos, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) anunciou o lançamento de editais da ordem de 10 milhões de reais para financiar projetos de fomento e difusão de conteúdos digitais em português, ainda em 2007.

O órgão realizou seminários no Rio e em São Paulo, produziu um Memorando de Intenções aberto à sociedade que já recebeu a adesão do Ministério da Cultura, e está engajado em ações como: mapeamento e preservação de coleções de produtos culturais; implantação de bibliotecas digitais integradas entre si; modernização do marco regulatório do direito autoral e da propriedade intelectual; e capacitação dos recursos humanos necessários para atuar em toda esta cadeia de produção e distribuição de conteúdo na grande rede, focando principalmente na educação básica e não-formal.

Não importa a natureza do que se irá produzir. Há que se empoderar a comunidade (professores, alunos, empresários locais e cidadãos comuns), dando a ela o direito de potencializar o que possui de melhor e escolher que negócios deseja alavancar, mas, para isso, é preciso investir em treinamento.

O projeto Ginga Brasil - composto por oficinas de disseminação das linguagens e ferramentas de construção de programas audiovisuais associadas ao middleware oficial da TV Digital brasileira, o Ginga - é um exemplo de ação neste sentido. Jovens de 12 cidades brasileiras que atuarão como multiplicadores em seus núcleos comunitários estão sendo capacitados desde junho e mostrarão a produção interativa resultante dessas oficinas em paralelo ao próximo encontro do IGF (Internet Governance Forum, vinculado à ONU), no Rio de Janeiro, entre os dias 12 e 15 de novembro.

Também no Rio, outros projetos importantes nesta área estão sendo gestados. Um deles é o de construção de um Centro Experimental de Conteúdos Interativos Digitais (Cecid) que, em parceria com universidades e empresas, terá o objetivo de desenvolver o potencial fluminense no mercado de software e conteúdo para a TV Digital.

Seguindo o modelo desenvolvido em Pernambuco junto ao Instituto Telemar, o governo fluminense ainda articula parceria com a Oi Futuro - e com duas empresas de peso dos ramos de TI e Telecom - para criar uma escola pública experimental na área de convergência digital, cuja grade curricular tradicional será complementada por disciplinas ligadas à telefonia e à produção de conteúdo para TV Digital.

Em tempos de web 2.0, em que os usuários de Internet se transmutaram em verdadeiras usinas geradoras (e aperfeiçoadoras) de conteúdo, cair na rede também adquiriu dimensões econômicas. Mais do que usufruir de programas de educação a distância e usar as ferramentas online para se relacionar melhor com seus representantes no poder (sugerindo ou revisando os planos diretores de sua cidade, por exemplo), o cidadão quer fazer bons negócios, buscar novos fornecedores e compradores - como fizeram as costureiras de Rio das Flores e os fazendeiros de macadâmia de Piraí, ambos municípios fluminenses que ganharam telecentros instalados dentro dos barracões de produção.

O papel do Estado na indução do desenvolvimento local é grande e vai além da mera regulação. Na verdade, ele começa pela sensibilização da comunidade onde irá se instalar um projeto de inclusão digital ou um município digital, tanto para apresentar os serviços exclusivos e benefícios que a conectividade irá proporcionar àquela comunidade, quanto para detectar a capacidade da região para a absorção de inovação tecnológica, através de pesquisas realizadas conjuntamente por academia e setor privado.

O poder público pode e deve oferecer capacitação e assistência técnica para o empreendedorismo econômico, cultural e social; incentivar o cooperativismo; fortalecer os arranjos produtivos já existentes e potenciais; criar incubadoras para empreendimentos rurais e urbanos; incrementar o microcrédito para pequenos e médios empreendedores; e investir em escolas técnicas e superiores que contemplem as vocações econômicas e sociais locais.

Só assim teremos bases reais para o surgimento de um protagonismo digital por parte dos cidadãos digitalmente incluídos, cientes do poder transformador que o manejo pleno das TICs lhes proporcionam, livres para consumir as informações que lhe parecerem mais úteis e capacitados para criar as redes de comunicação mais proveitosas para sua comunidade.