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12 SET 2017

Advogados de Direito Digital criticam consulta pública do Ministério da Tecnologia


Época - 11/09/2017 - [gif]


Autor: Paula Soprana
Assunto: Consulta Pública sobre o CGI.br

Mais de 30 advogados da Comissão de Direito Digital da OAB/SP emitiram nota nesta sexta 8, contrários ao ato que abriu consulta pública sobre o CGI

Trinta e sete advogados integrantes da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seccional São Paulo, se posicionaram contra a forma como o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) abriu uma consulta pública que recolhe sugestões sobre a modernização do Comitê Gestor da Internet (CGI). O CGI é um órgão multissetorial ligado ao ministério e responsável por implementar diretrizes para o uso e desenvolvimento da internet no Brasil. Mudanças no CGI podem influenciar, entre outros fatores, na qualidade e no custo do acesso à rede no país.

A nota de crítica ao Ministério, com data desta sexta-feira (8), foi assinada por advogados e especialistas em Direito Digital, embora não reflita um posicionamento oficial da comissão da OAB. O grupo diz que reconhecerá a consulta como válida quando ela "contar com a efetiva participação do CGI.br". Isso porque, há um mês, quando o governo a anunciou no Diário Oficial da União, parte dos membros do comitê foi surpreendida com a iniciativa. Ao lado de ONGs, repercutiram o que consideraram uma decisão "unilateral" do Ministério sob o comando de Gilberto Kassab.

Na visão dos advogados, o processo de abertura da consulta foi equivocado por durar apenas 30 dias e não ter sido corretamente divulgado para a sociedade. Alguns membros do CGI afirmaram a ÉPOCA que não são contrários a uma revisão no comitê, mas ao modo acelerado e sem o debate interno como a consulta foi aberta. "O caráter da multigovernança está na lei e houve uma quebra muito grave no modo de funcionamento do CGI", diz Flavia Lefèvre, advogada do Proteste e representante do Terceiro Setor.

De acordo com nota do MCTIC, a consulta, lançada pelo coordenador do CGI, Maximiliano Martinhão, secretário de Política de Informática (Sepin) e recém-nomeado presidente da Telebras, é uma questão técnica, e não de um processo deliberativo. "A consulta é apenas o ponto de partida para os debates", diz a nota. O ministério ressalta que é preciso discutir medidas de modernização do modelo de governança na internet devido ao intenso processo de transformação digital e que a manutenção da representação minoritária do governo deve se manter. "A estrutura de governança da internet nasceu na década de 1990, como a criação do CGI, e foi atualizada, pela última vez, em 2003. Ressalte-se, contudo, que não houve consulta pública ou consulta prévia ao CGI na época."

Entre algumas atribuições do CGI e de seus departamentos está o registro e a manutenção de nomes de domínios que usam o .br. (o nome que identifica um serviço ou um endereço eletrônico), a promoção de estudos e boas práticas em relação ao uso da rede no país e a adequação a parâmetros globais. O órgão atua desde 1995, ano da abertura comercial da internet no país, e teve um papel de destaque na elaboração do Marco Civil da Internet, lei reconhecida internacionalmente e que se baseou em princípios elaborados pelo comitê. Toda prestação de serviços e aplicações na internet, bem como o gerenciamento de redes, sua estabilidade, segurança e funcionalidade, devem seguir parâmetros regulatórios da Anatel e as diretrizes estipuladas pelo CGI.

O comitê é composto por 21 cadeiras e a representatividade do governo é inferior a 50%, com nove posições. O restante dos membros pertence à academia e à comunidade tecnológica, ao Terceiro Setor e às empresas. Ainda há um posto para um membro com notório saber em internet, neste caso assumido por Demi Getschko, precursor na comunicação entre computadores em rede no Brasil (confira no gráfico abaixo).

Uma cadeira no CGI representa poder de pressão sobre leis e decisões acerca da internet brasileira, em aspectos também econômicos, educacionais e sociais, como a neutralidade da rede. O processo eleitoral para se tornar um membro ocorre a cada três anos. As eleições são feitas a partir dos votos de um colégio eleitoral, composto por entidades de cada segmento. Muitas dessas associações, mesmo que sejam usuárias de internet, não fazem muito sentido do ponto de vista de representação, como a Associação de Bicicross de Salvador, a Associação Internacional de Capoeira, o Botafogo Futebol Clube (de Ribeirão Preto-SP), a Associação Comunitária do Penedo, o Club Homs e a Liga Piranhense de Futebol.

As questões levantadas são pertinentes: sugestões acerca da composição do CGI, das eleições de seus membros e mandatos, da necessidade de mais transparência e da revisão das funções do comitê. A última atualização sobre a governança na internet é de 2003, em decreto assinado pelo então presidente Lula. O MCTIC destaca a importância de repensar processos com o crescimento de fenômenos como inteligência artificial, big data e internet das coisas (que, inclusive, é tema de um novo plano do governo e do BNDES a ser lançado neste semestre). A busca pela modernização, quando se trata de internet e tecnologia, não é questionável – deve ser uma constante. A resistência contra a forma de abertura da consulta evidencia um racha nos bastidores em torno da representatividade no órgão.

Membros da comunidade científica e do Terceiro Setor (entidades sem fins lucrativos) temem que a consulta funcione como uma "cortina de fumaça" para a implementação de mudanças que favoreçam empresas de telecomunicações. "O governo pretende, de forma acelerada, modificar a composição do comitê gestor e fortalecer a participação empresarial em detrimento de outros setores. Por isso, fez a consulta que será encerrada rapidamente e já tem praticamente pronto, estou afirmando isso, o decreto que vai modificar o comitê gestor", diz Marcos Dantas, representante da comunidade científica, com dois mandatos de CGI. 

Outro ponto de preocupação é que a mudança dê mais poder à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). "Essa medida torna o boato de colocar o CGI sob a supervisão da Anatel um indício", diz Sérgio Amadeu, doutor em ciência política pela USP e reeleito a uma posição no CGI em junho deste ano. O Ministério nega que exista qualquer decreto e que o CGI responderá à Anatel. "Esse tipo de informação demonstra desconhecimento acerca do debate e apenas serve para tumultuar as necessárias discussões sobre o tema", diz. Ainda acrescenta que parte das críticas não se devem ao teor da consulta, "que é aberto, amplo e imbuído de neutralidade" e que "associar o tema a outras questões políticas, alheias ao debate, apresenta o grande risco de deturpar a real necessidade de que a sociedade compreenda a importância desse assunto".

O cenário mudou muito desde 2003, e essa é uma das premissas para a modernização. "A internet mudou. Precisamos lembrar que qualquer mudança é feita por meio de decreto e que isso cabe ao Executivo, que tem autonomia para mudar o CGI. É lícito, e eles ainda abriram uma consulta pública", diz Eduardo Levy, diretor-executivo do SinditeleBrasil (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal). Levy é um dos representantes do empresariado no comitê e lembra que o debate precisa tratar mais da economia da internet. "A representação (no CGI) é desequilibrada contra o setor produtivo. Os usuários são um dos grupos (que precisam de representatividade), mas eles não se preocupam com os investimentos para manter a internet funcionando", diz.

Mudanças na governança são necessárias, mas é preciso atentar para que não onerem uma internet que nem sequer é universalizada (sendo que há fundo federal para isso). Há partes importantes do governo que não têm uma cadeira no CGI, como o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Justiça. Associações de pequenos provedores também não são contempladas. A consulta, disponível aqui, termina nesta sexta-feira e as contribuições serão encaminhadas ao CGI, que elaborará um documento com informações, diretrizes e recomendações para o aperfeiçoamento da estrutura de governança, a ser encaminhado ao ministério até o dia 3 de dezembro de 2017. Até lá, a entidade afirma que "empregará todas as ferramentas disponíveis para habilitar ampla participação da sociedade".