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17 NOV 2017

A quem interessa mudar a gestão da internet no Brasil?


Folha de S. Paulo - 17/11/2017 - [gif]


Autor: Gustavo Mascarenhas
Assunto: Composição CGI.br

Em agosto, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) abriu, sem exibir maiores justificativas, uma consulta pública para colher subsídios à reforma do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

O processo iniciado na gestão de Gilberto Kassab não consultou o Comitê, desconsiderando 20 anos de multissetorialismo no Brasil e contradizendo princípios internacionais subscritos pelo nosso país em diversas ocasiões.

Segundo consta, o governo de Michel Temer (PMDB) avocou para si a tarefa de reestruturar o Comitê sem a participação efetiva de outros setores sociais.

O CGI.br negociou mais tempo com o MCTIC para consultar a sociedade e sugerir encaminhamentos ao ministério. A renovação desse prazo terminará no próximo domingo (19). Trata-se de um tempo exíguo para a discussão de uma questão fundamental para o futuro da democracia brasileira: a gestão da internet no Brasil.

O CGI.br é uma entidade não governamental criada em 1995 para reunir especialistas encarregados de orientar e apontar diretrizes ao desenvolvimento e ao bom funcionamento da Internet no país.

Em 2003, o Comitê foi reformado e ganhou mais participação da sociedade. Foi criado um mecanismo de eleições para a escolha dos representantes não governamentais no Comitê. O governo ficou com 9 assentos e a sociedade em geral com 12 (um deles destinado a um representante de notório saber, ocupado pelo "pai da Internet no Brasil", Demi Getschko).

Pelas regras vigentes, cabe ao MCTIC coordenar (e tão somente coordenar) as ações desse grupo plural de atores. As atividades que o CGI.br promove são cruciais para a qualidade e a estabilidade da internet no país: a sistemática de endereçamentos das redes da Internet e a criação de pontos de integração dessas redes no território nacional.

Além disso, o CGI.br desenvolve projetos de capacitação (por exemplo, a Escola de Governança da internet no país) e organiza eventos para discussão e divulgação de questões relacionadas ao tema (como o Seminário de Privacidade e a edição anual do Fórum da Internet no Brasil).

A ação do CGI.br é viabilizada pelos recursos excedentes gerados pelo NIC.br, uma associação privada, sem fins lucrativos, credenciada no arcabouço da governança global da Internet como a responsável pela gestão do domínio .br no sistema de nomes de domínio na Internet.

O modelo não estatal CGI.br/NIC.br é internacionalmente reconhecido como melhor prática de governança multissetorial. Ou seja, do jeito que está hoje, a gestão da internet no Brasil é um exemplo para o mundo. Mudá-la pressupõe extenso e detalhado debate com a sociedade, o que não está ocorrendo.

A governança da internet em todo o mundo hoje não admite a ação unilateral de governos (exceto em regimes autoritários, como Irã, China, Venezuela e Coreia do Norte). Em 2014, por exemplo, o governo americano abandonou seu papel privilegiado de supervisionar o funcionamento da Icann (encarregada de administrar a raiz da Internet).

O plano de transição foi desenvolvido colaborativamente por atores não governamentais e governamentais do mundo inteiro, ao longo de dois anos.

Seguindo o exemplo, o governo brasileiro deveria abandonar qualquer pretensão de mudar o CGI.br por decreto. Deveria, portanto, deixar essa tarefa para o próprio CGI.br, que tem a expertise necessária para desenvolver um processo por meio do qual a sociedade em geral poderá criar um plano de reforma alinhado à realidade nacional e adequado às melhores práticas internacionais.

A intervenção estatal nesse ponto certamente não interessa aos que defendem a liberdade e a democracia na rede.

GUSTAVO MASCARENHAS é advogado e mestre em direito pela USP; especialista em crimes digitais, foi pesquisador visitante na Universidade de Utrecht (Holanda)