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07 FEV 2018

A necessidade de investimentos na infraestrutura de telecomunicações


JOTA - 06/02/2018 - [gif]


Autor: Caio Mário S. Pereira Neto, Mateus Piva Adami, Daniel Douek, Amanda Moreira Kraft, Carolina Milani Marchiori Mesquita e Marcus Vinicius de Abreu Schimitd
Assunto: TIC Domicílios 2016

Caminhos para a ampliação da Internet das Coisas (IoT)

Dando sequência à série de artigos sobre a Internet das Coisas (“Internet of things” ou “IoT”) em parceria com o JOTA, continuaremos a abordagem de temas relativos ao setor de telecomunicações no Brasil. Nessa semana, a questão debatida será novamente a conectividade, dessa vez focada na necessidade do desenvolvimento da rede para a ampliação da IoT.1

Como já demonstramos nos artigos anteriores, a IoT tem a capacidade de propiciar uma infinidade de facilidades à sociedade. Ocorre que muitos dos dispositivos que se prestam a essas finalidades dependem da internet para o seu funcionamento.

Assim, com a franca expansão do uso de soluções de IoT, é razoável prever que haverá um aumento significativo das conexões dos dispositivos às redes de telecomunicações do País. Essa situação certamente desencadeará crescimento exponencial do tráfego de dados.

O novo cenário de avanço da utilização de múltiplos dispositivos inteligentes faz do acesso à rede uma das premissas para o desenvolvimento da IoT.

A necessidade de expansão do acesso à internet, no entanto, não é um problema resultante do advento da IoT. Muito pelo contrário, essa é uma questão sensível há anos no Brasil.

O Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Informação (“Cetic.br”), do Núcleo e Coordenação do Ponto BR (“Nic.br”) – instituição criada para implementar as decisões e os projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil -, tem trabalhado para mapear o acesso à internet nos domicílios urbanos e rurais do país. Na 12ª edição da “TIC Domicílios”, os resultados apontaram que, em 2016, 46% das casas ainda não possuíam acesso a esse serviço. Os domicílios sem acesso à internet concentravam-se preponderantemente na zona rural, 74%, e nas regiões Norte e Nordeste, com 54% e 59%, respectivamente. A região Sudeste foi a que apresentou melhores indicadores, com 64% dos domicílios conectados.

Trata-se, portanto, de questão de ordem pública, e que tem sido objeto de esforços do Governo Federal nos últimos anos. Em 2010, foi lançado o Plano Nacional de Banda Larga (“PNBL”), via Decreto nº 7.175/2010. O PNBL tinha como meta popularizar a oferta de rede em todo país, principalmente nas regiões carentes.

Não tendo sido alcançados os resultados esperados, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (“MCTIC”), em 2017, divulgou proposta do futuro Plano Nacional de Conectividade, que, se aprovado, substituirá o atual PNBL. Esse Plano dispõe sobre as novas políticas públicas de telecomunicações e foi submetido à consulta pública entre outubro e novembro de 2017.

Entre os objetivos específicos das políticas de telecomunicações, o novo Plano prevê a expansão do acesso à internet em banda larga (inclusive em áreas rurais e remotas) e o estímulo a investimentos para a expansão das redes de telecomunicações, bem como à inovação tecnológica.

O plano trata, também, de cidades inteligentes e tecnologias de informação e comunicação (“TIC”). Ele atribui ao MCTIC a responsabilidade por promover a implantação da infraestrutura e serviços baseados em TIC, inclusive para a melhoria da qualidade e o aumento da eficiência dos serviços públicos e também com o fim de estimular o compartilhamento de dados, de acesso público, gerados a partir dessas tecnologias.

O Governo Federal, através do MCTIC, lançou ainda o programa “Internet para Todos” que busca levar internet para localidades que hoje não possuem conectividade, incluindo escolas e hospitais. Em janeiro desse ano foi aberto o prazo para o credenciamento das empresas que possuem interesse em participar do programa.

A expansão da rede é, assim, uma preocupação relevante e um pressuposto para que seja possível o fomento das aplicações de IoT. E para que seja possível atingir esse objetivo, isto é, para que seja possível estimular o uso de IoT no Brasil, é indispensável que sejam realizados investimentos em infraestrutura. E quais seriam as fontes de recurso disponíveis para esse tipo de projeto?

Uma alternativa é o uso, pela Agência Nacional de Telecomunicações (“ANATEL”), de Termos de Ajustamento de Conduta (“TAC”) que prevejam não só compromissos de ajustamento como também de compromissos de investimento.

Os TAC’s são acordos que podem ser firmados entre a ANATEL e os agentes regulados que foram autuados em razão de alguma infração. Visando impulsionar a expansão da rede no Brasil, as multas aplicadas e estimadas podem ser substituídas por obrigações de investimentos, o que poderá contribuir com a massificação de acesso ao serviço de telecomunicações. A possibilidade é prevista pelo regulamento de TAC da Agência (Resolução nº 629/2013) e acordos nesses moldes têm sido negociados com a ANATEL. Vale destacar que essa alternativa de celebração de TAC foi incluída ainda no art. 8º da minuta proposta para o Plano Nacional de Conectividade.

Ainda no âmbito de atuação da ANATEL, outra fonte de investimentos para o desenvolvimento da infraestrutura de banda larga decorre da provável diminuição das obrigações de universalização que incidem sobre as concessionárias do serviço de telefonia fixa.  

As concessionárias dessa modalidade de serviço estão sujeitas a uma série de obrigações de universalização, que são estabelecidas, a cada cinco anos, no Plano Geral de Metas de Universalização (“PGMU”). A nova versão desse plano – o novo PGMU -, que já passou por Consulta Pública e aguarda apenas a assinatura de Decreto, apresenta redução dessas obrigações regulatórias.

Em contrapartida a essa desoneração, os modelos de contrato de concessão, que foram aprovados pela Resolução ANATEL nº 678/2017, preveem que o saldo que ela gera deverá ser utilizado, entre outras finalidades, para a instalação de infraestrutura da rede de suporte à conexão em banda larga.

Há, ainda, que se considerar a possibilidade de aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 79/2016 (“PLC nº 79/2016”), que propõe alterar a Lei Geral de Telecomunicações (“LGT”). Entre as mudanças sugeridas, destaca-se a previsão de adaptação para o modelo de autorização (com menor intervenção estatal) os serviços de telecomunicações que são atualmente prestados sob o modelo de concessão (com maior intervenção estatal). A redação do projeto estipula que umas das condições dessa mudança é a assunção de compromissos de investimentos pelo interessado na implantação de infraestrutura de rede de alta capacidade de comunicação de dados em área sem competição adequada e a redução das desigualdades (art. 68-B, § 3º).

Por fim, deve ser mencionada a possibilidade de utilização dos recursos arrecadados ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (“FUST”). Existe projeto de lei propondo a alteração da Lei do FUST para incluir hipótese expressa de destinação à ampliação do serviço de acesso à internet e a promoção da inclusão digital.2 Entretanto, conforme apurou Tribunal de Contas da União (“TCU”) em 2017, a quase totalidade dos recursos do fundo vem sendo utilizada para outros fins, diversos daqueles para os quais fora criado (isto é, a universalização dos serviços de telecomunicações).34

Esse cenário, contudo, pode mudar nos próximos anos, dada a tramitação do Projeto de Lei do Senado nº 125/2017. Por meio desse projeto pretende-se vedar o contingenciamento do FUST a partir de janeiro de 2020 com o fim de evitar que os recursos arrecadados sejam empregados para fins diversos da sua destinação legal. Isso, somado à mudança da Lei do FUST mencionada acima, para incluir hipótese expressa de destinação à ampliação do serviço de acesso à internet, pode viabilizar novos recursos para o aumento de conectividade para IoT.

Por tudo o que foi exposto, fica claro que a necessidade de expansão da rede de telecomunicações é um problema histórico no Brasil. Para que o desenvolvimento da IoT seja bem-sucedido em nosso País, é indispensável que consigamos ultrapassar essa barreira. Como vimos, alternativas e medidas que carregam o potencial de endereçar o problema já existem. É preciso, no entanto, avançar para além dos projetos e propostas em direção à efetiva transformação das redes de telecomunicações brasileiras.

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1 O presente artigo resulta do documento elaborado pelo escritório Pereira Neto, Macedo no Estudo Técnico “Internet das Coisas: um plano de ação para o Brasil”, estudo apoiado pelo BNDES em parceria com o MCTIC. Para conferir mais sobre o estudo e ver os relatórios já publicados, acesse:https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/conhecimento/pesquisaedados/estudos/estudo-internet-das-coisas-iot/estudo-internet-das-coisas-um-plano-de-acao-para-o-brasil

2 Substitutivo ao Projeto de Lei nº 7.406/2014, disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1509928&filename=SBT+5+PL740614+%3D%3E+PL+7406/2014. Acesso em 01.02.2018.

3 TCU. Acórdão nº 749/2017. De acordo com a referida análise, apenas 0,002% dos recursos do FUST serviram para a universalização dos serviços de telecomunicações. Nesse mesmo documento é evidenciado que 84% dos recursos arrecadados entre 2001 e 2016 para o FUST (aproximadamente 17,2 Bilhões de reais), já foram utilizados pelo governo para outras finalidades, que não a universalização dos serviços de telecomunicações. Disponível em: http://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A15B4A7944015B6411539954CA&inline=1 . Acesso em 01.02.2018.

4 A questão também foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão em face da ANATEL e da União relativa à aplicação dos recursos do FUST em suas finalidades legalmente previstas, proposta pelo Conselho Federal da OAB no Supremo Tribunal Federal em 16/11/2016. O processo tem como relator o Ministro Ricardo Lewandowski e ainda não foi julgado (ADO nº 37: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=37&classe=ADO&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M) . Acesso em 01.02.2018.

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Caio Mário S. Pereira Neto – professor de Direito Econômico da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito SP). Sócio de Pereira Neto, Macedo Advogados
Mateus Piva Adami – professor do programa de pós-graduação lato sensu da FGV Direito SP (GVlaw). Sócio de Pereira Neto, Macedo Advogados
Daniel Douek – mestre em Direito da Concorrência pela King’s College London. Sócio de Pereira Neto, Macedo Advogados
Amanda Moreira Kraft – bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, atualmente cursando Mestrado em Direito Econômico na Universidade de São Paulo. Advogada associada de Pereira Neto, Macedo Advogados
Carolina Milani Marchiori Mesquita – bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada associada de Pereira Neto, Macedo Advogados
Marcus Vinicius de Abreu Schimitd – bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, atualmente cursando Pós-Graduação em Direito Econômico na FGV Direito SP (GVlaw). Advogado associado de Pereira Neto, Macedo Advogados